[Catálogo: Especial] Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma

E tem início a lenda e o conflito…

É até amadorismo começar uma história do começo. George Lucas, ainda que não conscientemente, iniciou sua história do meio, em 1977, para somente anos mais tarde contar o começo de tudo.

Foi durante a produção do texto de O Império Contra-Ataca que Lucas teve um insight e começou a trabalhar em uma história de fundo para Star Wars, especialmente após revelar que Darth Vader (David Prowse) era, na verdade, o pai de Luke Skywalker (Mark Hamill), um outrora cavaleiro Jedi que atendia pelo nome de Anakin e, segundo uma antiga profecia, deveria trazer o equilíbrio à Força. Porém, acabou por trair a ordem dos Cavaleiros Jedi ao se associar ao senador Palpatine (Ian McDiarmid) que, lá pelas tantas, revelou ser um Lord Sith.

Lucas acreditou que todo esse contexto cabia melhor em uma nova trilogia. No episódio final da série clássica de filmes, O Retorno de Jedi, Vader alcança a redenção ao salvar seu filho Luke da morte iminente pelas mãos de Palpatine e acaba morrendo nos braços de seu herdeiro. Vader já era um vilão popular pela sua indumentária característica e sua entonação amedrontadora. Sua redenção só fez despertar alguma simpatia por ele junto ao público. Um prato cheio para que o emblemático antagonista estrelasse sua própria trilogia de filmes, contando sua origem.

Porém, Lucas já estava cansado daquele universo da saga e resolveu dar uma pausa em Star Wars. Somente no início dos anos 1990, o realizador voltou a pensar na estrela de maior grandeza de sua obra e a escrever o primeiro episódio de Star Wars adaptado de um esboço de 15 páginas que ele havia escrito em 1976, a fim de fundamentar os eventos da trilogia original. Contudo, as gravações começaram apenas em 1997, época em que Lucas considerou os avanços no departamento de efeitos especiais e acreditou ser uma boa hora para produzir a trilogia prequel de Star Wars, com todas as inovações tecnológicas ao seu dispor.

A ideia era excelente: revisitar o universo saga que se tornou um fenômeno cultural ao redor do globo e narrar a origem de um dos vilões mais icônicos da história do cinema e, mesmo pertencendo ao lado sombrio da Força, um dos personagens mais queridos da cultura pop: Darth Vader.

Particularmente, eu nutro não apenas uma paixão, mas uma obsessão inexplicável por conhecer, em algum momento, o passado dos personagens de uma história que conseguiu me envolver. De preferência que a história incite à minha curiosidade a respeito desse passado e, enfim, me dê acesso a esse background em algum ponto mais adiante na narrativa. É instigante descobrir quais eventos trouxeram os personagens até aquele ponto de partida da história. O roteiro precisa nos fazer acreditar que os personagens já existiam antes de a trama ter início e é isso o que intriga: desvendar suas origens. Por isso que, pessoalmente, não gosto de histórias que começam do começo. Eu tenho o maior prazer em conferir o início de tudo em um ponto em que a história já está bem avançada.

Como exemplo, posso citar Harry Potter que vai desvendando detalhes de seu passado e origem no decorrer da história. E os meus capítulos favoritos dos livros são aqueles que se concentram nos pais de Harry ainda como estudantes de Hogwarts, inclusive no grupo que James Potter integrava, Os Marotos. É uma delícia saber como eram Sirius Black e Remus Lupin ainda jovens, antes de o primeiro ser considerado injustamente um criminoso e o outro se converter em um pacato professor de Magia Contra as Artes das Trevas. E é igualmente interessante e curioso acompanhar como foi o ingresso e a passagem do jovem Lord Voldemort por Hogwarts.

Para citar outro exemplo, até hoje não perdoo a decisão de eliminarem do roteiro de Jogos Vorazes: Em Chamas a origem de Haymitch Abernathy, o mentor de Katniss Everdeen que rendia um capítulo muito interessante do livro, mostrando como se deu sua vitória na arena. Quando me aventuro a escrever, é sempre na metade da história que insiro o “como tudo começou”. Os mais velhos devem se lembrar que, em antigos telesseriados, era comum os episódios começarem já com os protagonistas passando por alguma situação perigosa, então surgia a famigerada narração: “Parece que nossos heróis estão em apuros. Vamos voltar no tempo e nos acontecimentos para saber como eles chegaram a essa situação”. É mais ou menos isso, mas uma história como a de Darth Vader demandava muito mais profundidade e razões muito fortes que justificassem e respaldassem suas ações.

Creio que grande parte dos fãs da trilogia clássica tinham essa curiosidade em saber como foram os anos de treinamento de Anakin Skywalker como Jedi, antes de se converter em uma das criaturas mais assustadoras que a galáxia já teve o desprazer de conhecer. E era essa a proposta da segunda trilogia de Star Wars, que compreende os longas lançados entre 1999 e 2005.

Star Wars: A Ameaça Fantasma foi um dos primeiros filmes  que tive a oportunidade de assistir no cinema. Eu já tinha algum conhecimento prévio da mitologia por tudo que já ouvira falar da saga em especiais da MTV, documentários e, claro, por conta dos filmes vistos ao longo de minha infância. Mas os vi na TV ainda muito jovem para assimilar todo o seu conteúdo. E, em 1999, eu era uma criança de 10 anos empolgada demais para ver Yoda, R2D2 e Ewan McGregor portando Obi-Wan Kenobi na telona, e só por isso a minha memória afetiva não me permite odiar o filme completamente. Mas nem toda memória afetiva é capaz de me fazer fechar os olhos para os problemas da produção.

A verdade é que nos meses que precederam o lançamento de A Ameaça Fantasma nos cinemas, fomos bombardeados por uma campanha de marketing massiva em torno de Star Wars. Óbvio que essa atenção e alarde todo não eram à toa. A saga idealizada por Lucas havia sido não apenas um expressivo fenômeno de bilheteria, como produziu um impacto inigualável em toda a cultura pop e, desde a década de 1970, vinha conquistando cada vez mais fãs aficionados que compunham um verdadeiro culto. Foi esse buzz excessivo que fez com que, em sua estreia, o filme surpreendesse em arrecadação, posteriormente tornando-se a maior bilheteria de 1999. E, por contradição, foi esse mesmo buzz que fez com que tantos fãs se decepcionassem nos cinemas…

Na história, que se situa pouco mais de trinta anos antes dos eventos narrados em Uma Nova Esperança, a Federação do Comércio efetua um bloqueio de naves visando interromper os carregamentos ao planeta Naboo, após o Congresso da República aprovar mudanças nos impostos sobre rotas comerciais para sistemas estelares exteriores. A decisão vai de encontro aos interesses da Federação que decide agir de maneira totalmente antidemocrática com o objetivo de pressionar o Senado.

O Mestre Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e o jovem Padawan Obi-Wan Kenobi (McGregor) são enviados como embaixadores do Chanceler Valorum (Terrence Stamp) , líder da República Galáctica, para negociar com a Federação um modo de acabar pacificamente com o bloqueio comercial. Porém, o vice-rei Nute Gunray (Silas Carsonsob) sob a influência de Darth Sidious (Ian McDiarmid), um Lorde Sith e conselheiro secreto da Federação do Comércio, sequer discute o assunto de forma diplomática, partindo para a ofensiva, com ordem de exterminar os Jedi e autorizar a invasão de um exército de droides a Naboo. Esse é o início de todo o conflito. Qui-Gon e Obi-Wan conseguem escapar e fogem para Naboo, onde o primeiro salva, acidentalmente, Jar Jar Binks (Ahmed Best) – o que seria considerada, posteriormente, a decisão mais equivocada de todo o roteiro -, que os leva para a cidade subaquática de Gunga City. Jar Jar não é benquisto em sua terra de origem e enfrentará punição. Qui-Gon consegue arranjar um meio de transporte com o povo Gungan e convence o líder deles, o Chefe Nass (voz de Brian Blessed), que, considerando o fato de que Jar Jar tem uma dívida com o Mestre Jedi por este ter salvo sua vida, agora a criatura deverá ser seu servo fiel. Nesse transporte, eles partem para Theed, capital de Naboo, e resgatam a rainha Amidala (Natalie Portman) que havia sido capturada pelo exército de droides. Eles conseguem escapar na nave espacial real Nabui que, durante a fuga, é altamente danificada ao atravessar o bloqueio de naves da Federação.

O destino seria a capital da República, Coruscant, porém, a nave precisa de reparos urgentes, sem os quais é impossível prosseguir. Portanto, o grupo faz um pouso de emergência no pequeno, pobre e isolado planeta Tatooine. A intenção é comprar peças para a nave em lojas de sucata, mas o dinheiro da República de nada vale em uma terra como Tatooine, não alcançada nem pela Federação e muito menos pela República, sendo governada por Jabba the Hutt, sem leis e de modo altamente retrógrado. Por exemplo: lá a escravidão ainda vigora quando esse ato se trata de um crime no restante da galáxia, onde a República é a força dominante. É quando o caminho dos heróis em fuga cruzam com o do jovem escravo Anakin Skywalker (Jake Lloyd) e sua mãe Shmi (Pernilla August). Qui-Gon fica impressionado diante das aptidões e do talento do garoto de apenas nove anos como piloto e engenheiro. E percebe, também, que a Força está presente e é muito forte nele.

O Mestre Jedi acredita que é a Anakin a quem uma antiga Profecia se refere ao garantir que um “escolhido” trará o equilíbrio à Força. Ao mesmo tempo, intriga o fato de que ele é fruto de concepção espontânea (ou divina) sendo originado da própria Força – algo que causou controvérsia na época devido ao paralelo bíblico. Convencido de que não foi à toa que o encontrou, contra todas as expectativas, em um planeta esquecido e desértico como Tatooine, Qui-Gon negocia a liberdade do garoto junto a Watto (voz de Andy Secombe), seu Senhor e proprietário da loja onde Anakin trabalha. A ideia é decidir o destino do jovem em uma corrida de pods. Vencendo a Podrace, Anakin não apenas pode utilizar o prêmio final para comprar as peças de reposição para a nave de seus novos amigos, como mudar completamente de vida, sendo livre e iniciando seu treinamento Jedi com Qui-Gon. No entanto, caso perca, Watto pode ficar com a nave real. Uma aposta alta e arriscada.

Após vencer a corrida, em uma das cenas mais enfadonhas da história da saga, os Jedi partem com Amidala até Coruscant. Começa um ciclo de assembleias, reuniões do conselho Jedi – nas quais Qui-Gon busca permissão para treinar Anakin como seu jovem aprendiz – e outras sequências tediosas. O Chanceler Valorum é desapossado e o Senador Palpatine passa a disputar o cargo. Revoltada com o fato de que o senado não resolve os problemas, Amidala parte para a Naboo. Palpatine tenta dissuadi-la, sem sucesso. Em Naboo, Amidala se alia aos Gungans contra a Federação do Comércio.

Yoda (Frank Oz) e Mace Windu (Samuel L. Jackson) até expressam suas dúvidas acerca do futuro nebuloso e incerto de Anakin, mas de nada adianta. Utiliza-se muito a questão da profecia e do destino para explicar a necessidade de transformar Anakin em um Jedi e Qui-Gon se mostra irredutível na ideia de treinar o garoto, por mais que a ordem Jedi o alerte e advirta se tratar de algo perigoso. Antes de morrer, Qui-Gon faz Obi-Wan prometer que irá prosseguir com o treinamento do pequeno Skywalker. Uma decisão que ele se arrependeria amargamente mais tarde…

Criaturas patéticas com um design bastante infantilóide surgem em profusão na tela. Os filmes dos anos 1970 tinham criaturas infinitamente mais bem concebidas em termos visuais, mesmo diante das limitações orçamentárias e dos efeitos especiais rudimentares da época. Talvez por isso mesmo, eram esteticamente superiores. Às vezes, o menos é mais… A Ameaça Fantasma é um verdadeiro bolo de noiva repleto de criaturas feias e inexpressivas. Sebulba (voz de Lewis MacLeod ) e Jar Jar Binks são bons exemplos disso.

Incomoda também o fato de, por vezes, os personagens narrarem exatamente o que estamos vendo na tela, especialmente Anakin. O ex-ator mirim, que sumiu das telas alegando ter sido vítima de bullying durante a infância e adolescência por ter estrelado o longa, e hoje sofre de uma doença neurológica, é mal dirigido e sua atuação é forçada e artificial. Muito por conta desse protagonismo cedido ao personagem de Lloyd, A Ameaça Fantastma traz um ar picareta de filme infantil. Eu sei que, desde o primeiro filme de 1977, Star Wars nos desafia a suspender a crença, mas o roteiro do longa de 1999 força a barra em inúmeros momentos.

Ok que Anakin, mesmo com apenas nove anos, possui notáveis habilidades como engenheiro e piloto, mas se esconder em uma nave, acionar acidentalmente o piloto automático, indo parar em uma batalha contra os droides da Federação em pleno espaço, e ser capaz de destruir todos eles sem qualquer treinamento prévio, encarando tudo como se fosse mais uma corrida de pods… Até poderia funcionar em uma produção mais direcionada a crianças e não em um prequel de filmes de fantasia que encantaram não apenas os jovens como o público adulto na década de 1970, com enredos muito mais complexos, profundos, inventivos e personagens centenas de vezes mais carismáticos. Fica difícil acreditar que A Ameaça Fantasma faz parte da mesma série de filmes que O Império Contra-Ataca, por exemplo. Durante boa parte da projeção, Lucas subestima a inteligência do público e desafia o bom senso acreditando que está produzindo um super espetáculo.

Não há muito que eu possa falar sobre Jar Jar Binks que já não tenha sido dito e repetido por aí. Infelizmente, Ahmed Best (que interpreta o personagem através do recurso de mocap, ou captura de movimento) foi vítima da péssima direção de elenco de Lucas e de sua falha na composição de um personagem engraçado e cativante. Jar Jar é insuportável. Deveria funcionar como alívio cômico, mas não arranca nem meia dúzia de risadas pálidas e constrangidas do público. O Gungan, que diz ser “um pouco desastrado”, também é covarde, rende-se facilmente ao exército inimigo e seu dom para confusões e seu jeito atrapalhado colocam seus próprios aliados constantemente em apuros. É comum que muitos fãs culpem Jar Jar e o intérprete de Anakin pelo fracasso artístico da produção. Mas estes estão bem longe de constituírem as únicas falhas do longa.

As interações entre Amidala e Anakin, por exemplo, são bem cringey dado o age gap entre os dois atores – incomoda pelo fato de Anakin ser uma criança flertando com uma garota já na pré-adolescência. O tom solene de Liam Neeson como Qui-Gon também é bastante incômodo. E em uma das decisões mais controversas da franquia, Lucas decidiu explicar a Força cientificamente, inventando os tais dos midichlorians que seriam organismos microscópicos que vivem em simbiose com os seres vivos, permitindo sua interação com a Força, o que contradiz o conceito espiritual da Força como uma entidade enigmática.

Para não dizer que não falei das qualidades do longa, os fãs podem, sim, se divertir e se deliciar com algumas passagens, tais quais a primeira interação entre C-3PO (Anthony Daniels) – que, pasmem, foi criado por Anakin! – e R2D2 (Kenny Baker), uma das duplas mais queridas da história do cinema; o momento em que Anakin é apresentado a Obi-Wan, que viria a ser seu mestre, acabaria vítima de seu sabre de luz e, antes disso, o responsável pelo treinamento de seu herdeiro; Padme limpando R2D2 nos faz recordar com carinho da cena em que o futuro filho da rainha, Luke, limpa o droide em Uma Nova Esperança e descobre a mensagem oculta da Princesa Leia (Carrie Fisher); Palpatine, com o maior cinismo do mundo, dizendo ao pequeno Anakin que acompanhará com grande interesse sua carreira (sério, como ninguém percebe as intenções dele?); e, por fim, a luta de sabres de luz entre Qui-Gon, Obi-Wan e Darth Maul (Ray Park).

Aliás, essa é a cena que eu preservei na memória da minha ida ao cinema em 1999. Darth Maul é um vilão interessantíssimo, porém tem seu potencial muito pouco explorado, sendo derrotado já nesse primeiro capítulo da saga. Uma pena, pois Darth Maul basicamente valeu o ingresso para essa sessão.

Mesmo com todos os defeitos, A Ameaça Fantasma ainda consegue ser assistível e, creio eu, muito por conta da minha nostalgia. Mas engrosso o coro dos que dizem que esse filme é praticamente inútil dentro da cronologia oficial de Star Wars. Se toda essa história envolvendo a descoberta de Anakin fosse utilizada como um breve prólogo na trilogia prequel, seria suficiente. O que me leva à sua sequência, O Ataque dos Clones, que é outro filme que exige muito da minha boa vontade…

O longa está disponível no catálogo da Disney+.

Andrizy Bento

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