O que é mesmo?
Gibicon é uma convenção internacional de quadrinhos de Curitiba. E faz todo o sentido ser esta a sede de um evento como este, afinal Curitiba foi pioneira na criação de uma biblioteca especializada em quadrinhos no Brasil, a Gibiteca. E, como diz Solda, nossa cidade sempre foi um centro produtor de cartum, especialmente desde a efervescência da década de 1970. A capital paranaense é uma referência quando se trata do tema, com uma cena local admirável de HQs independentes. Creio que não é nenhum exagero dizer que Curitiba é a capital brasileira dos quadrinhos. E a Gibicon chegou para reafirmar isso.
Nas duas edições anteriores do evento, vários espaços culturais da cidade foram ocupados para a realização das atividades envolvendo o universo das HQs. Neste ano, porém, a Gibicon (que ocorreu entre os dias 4 e 7 de setembro) concentrou tudo em um só espaço: O Museu de Arte, o MuMA – Portão Cultural, localizado no bairro do Portão, bem em frente ao terminal de ônibus. Desta forma, não poderiam perder a chance de recorrer ao trocadilho: Curitiba abre o Portão para os quadrinhos mundiais. E foi o que aconteceu. Preciso concordar com os realizadores que a Gibicon nº 2 foi, sem sombra de dúvidas, mais forte, corajosa e madura.
Mas peraí… Gibicon nº 2? Mas eu não acabei de dizer que o evento está em sua terceira edição? Pois é, ficou um pouco confuso mesmo, mas é que a primeira edição do evento, que ocorreu em 2011, foi chamada de “nº 0” por se tratar de um evento teste. Em outubro de 2012, daí sím, foi realizada a Gibicon nº 1. De lá pra cá, Curitiba abraçou a ideia: o evento virou notícia na mídia local e nacional; foi premiada; recebeu grandes nomes dos quadrinhos nacionais e internacionais; gente de toda parte do Brasil veio conferir, participar, expor e divulgar seus trabalhos. A receptividade não poderia ser melhor.
O que teve lá?
Neste ano o evento se destacou pela diversidade e organização digna de nota. Como sempre, teve de tudo um pouco: palestras, debates, oficinas, exposições, lançamentos, sessões de autógrafos, cosplay, Arena dos Artistas, Feira de Quadrinhos e cupcakes deliciosos com carinhas de super-heróis. É, eu tinha que citar os cupcakes. Houve até a criação de uma premiação paranaense que celebra a nona arte, o Prêmio Claudio Seto de Quadrinhos que homenageou o genial Solda. Dentre os convidados internacionais, destaque para o artista inglês David Lloyd (conhecido pelo seu trabalho em V de Vingança); o quadrinista e ilustrador Kim Jung Gi; e o cineasta, quadrinista e ilustrador argentino Salvador Sanz. Daqui teve muita gente boa: Solda, Ana Koehler, André Ducci, Chiquinha, Antonio Eder, Bennet, Pryscila Vieira, Bira Dantas, Luli, Carlos Magno, Carlos Machado, Bianca Pinheiro, Daniel HDR, Fabio Moon, Erica Awano, Julia Bax, Vitor Cafaggi, Lielson Zeni, Marco Jackobsen, Rafael Coutinho, Érico Assis, Sonia Luyten, Guilherme Caldas, Renato Guedes, Will Conrad e, claro, José Aguiar, além de muitos outros. E se vocês não conhecem o trabalho dos artistas citados, sugiro que corram atrás.

No primeiro dia, após passar uma hora na Casa da Leitura Wilson Bueno lendo algumas edições de Evangelion, assisti à palestra de Rafael Coutinho. Embora o pessoal praticando arco e flecha lá fora insistisse em desviar minha atenção em alguns momentos, a palestra sobre produções independentes foi ótima, especialmente pelo tom agressivo e apaixonado de Coutinho.
Nos stands dos independentes do lado de fora do museu, tive a oportunidade de folhear o trabalho de Anderson B. autor de Sempre Inconstante que se destaca exatamente por isso: pela inconstância do traço, a diversidade, um estilo próprio e extremamente variado. Outro trabalho que eu dei uma olhada e até já conferi o site, é A Entediante Vida de Morte Crens do gaúcho de 19 anos Gustavo Borges, criativo e inteligente.

No dia seguinte, a mesa Mulheres e Quadrinhos, mediada por Lielson Zeni, reuniu as artistas Lu Cafaggi, Julia Bax, Ana Koehler, Érica Awano e Bianca Pinheiro em um debate maravilhoso sobre o talento feminino no universo das HQs. Além de discutirem seus métodos de trabalho, também falaram sobre o fato de quadrinho ainda ser considerado um território masculino. Segundo Ana Koehler, os artistas de HQs americanas mais comerciais e tradicionais ainda recorrem a estereótipos tanto femininos quanto masculinos e à idealização da mulher na composição de personagens. Também afirmou que no mercado independente, as mulheres tem mais espaço tanto como autoras quanto como personagens. Érica Awano disse que, pelo menos, nos quadrinhos japoneses há subdivisões mais justas e diferentes tipos de mangás direcionados a públicos diversos.

Infelizmente, o debate coincidiu com a palestra de Sonia Luyten. Para quem não conhece, ela se dedica ao estudo das histórias em quadrinhos há muitos anos. No ano em que eu nasci, 1988, ela se tornou Doutora em Ciências da Comunicação, com a tese sobre mangás. De lá pra cá, publicou vários artigos e livros sobre HQs, dando ênfase aos mangás e a cultura pop japonesa. Vocês não conseguem nem imaginar o quanto eu lamentei ter perdido essa palestra… Mas tive de escolher. E como tinha uma matéria para escrever sobre o papel feminino no universo dos quadrinhos, acabei optando pelo debate. Na palestra (que eu perdi), a carismática e comunicativa Sonia falou sobre o estilo steampunk e globalização na produção de cenários de mangá e anime.
Assisti também à palestra da cartunista Chiquinha, a simpatia em pessoa, que falou sobre seu trabalho focado no universo feminino e as polêmicas nas quais se envolveu por conta de suas tiras publicadas no jornal Folha de São Paulo.

Fiz uma rápida entrevista com a gaúcha Ana ClaCla que veio para o evento como visitante, para assistir às palestras, debates e comprar quadrinhos. Mas acabou tendo a oportunidade de divulgar seu trabalho, a HQ À Beira de mim Mesmo, uma série de contos sobre personagens prestes a desistir. Ana contou que planeja voltar para uma próxima edição para expor seu trabalho em stand.
Ainda nesse segundo dia de Gibicon, assisti ao debate sobre adaptações de HQs para o cinema que contou com as presenças de Erico Assis, Walkir Fernandes, Daniel HDR e Thiago Provin, com mediação do crítico de cinema Marden Machado (por quem nutro uma profunda admiração). Em uma discussão que contou com a plena interação da plateia (a ponto de os participantes da mesa convidarem, na brincadeira, o pessoal para se unir a eles na mesa), rolou tudo o que se pode esperar quando o assunto é esse novo gênero cinematográfico: melhores e piores adaptações, a influência dos quadrinhos sobre o cinema e vice-versa, quando o cinema passa a pautar as HQs, os autores que não recebem pelos seus personagens adaptados para a telona, Marvel vs. DC, filmes baseados em revistas menos conhecidas do grande público e quais HQs não funcionariam em uma adaptação cinematográfica.

No último dia de Gibicon pra mim (Sábado, 6), tive a oportunidade de assistir ao lado da Herven uma dos melhores e mais controversos debates: Quadrinhas que reuniu as artistas da Folha de São Paulo: Chiquinha, Cynthia B., Pryscila Vieira e Luli, com mediação da maravilhosa (sim, sou fã, ela foi minha inspiração para escrever meu projeto de conclusão de curso da pós sobre quadrinhos e cinema) Sonia Luyten. Na mesa rolou uma discussão interessantíssima, especialmente depois que Chiquinha e Pryscila contaram que seus trabalhos já foram acusados de machismo por feministas radicais na internet. Fora da mesa, isto é, na plateia, opiniões divergentes acerca de ativismo, extremismo e leituras subjetivas de charges quase fez o Cine Guarani (onde ocorreu o debate) pegar fogo. Até um momento inusitado rolou – quando um homem alcoolizado foi retirado do recinto após interromper uma garota que tentava dar sua opinião na plateia, expondo algo totalmente nonsense, sem nenhuma conexão com o que estava sendo discutido. Pois é, meus caros. Isto sim é evento!

Nesse dia, eu conversei brevemente com Sonia Luyten (e dei pulinhos depois), com direito até uma foto ao lado dela (tietagem pouca é bobagem), e com Pryscila Vieira (uma fofa, linda, alta, talentosa e inteligente). Também tirei algumas fotos de Chiquinha e comprei um de seus trabalhos com a própria – uma arte do livro que não foi finalizado a tempo para a Gibicon, o Algumas Mulheres do Mundo.

Também conversei com o Luiz Augusto de Souza, da Korja dos Quadrinhos. Ele estava presente no stand da Korja e comprei com ele duas edições da revista Caçada Até à Última Bala de Marvin Rodrigues que tenho certeza que vou adorar. Ele me contou um pouco a respeito da influência do cinema dos anos 70 em Caçada, especialmente dos filmes pós-apocalípticos e dos westens spaghetti de Sergio Leone. A capa, chamativa, aludindo a Scarface de Martin Scorsese foi o que me instigou a comprar a revista. Aliás, a arte é fenomenal.

A exposição que mais atraiu o olhar do pessoal pelo que pude ver, foi a O Que Aconteceu Com a Seleção Brasileira. Não preciso explicar, né? O nome fala por si. Dentre as que mais gostei, posso destacar: Solda, David Lloyd, Luz e Sombras – O Universo Fantástico de Salvador Sanz, Cidade Sorriso dos Mortos-Vivos (várias sacadas geniais), O Gralha (nosso super-herói paranaense) e Breve História do Mangá no Brasil (uma lágrima quase cai quando vejo a cronologia e tantos personagens que marcaram minha vida como Yu Yu Hakusho, Cavaleiros do Zodíaco, Love Hina, Ranma 1/2, entre outros).






O que eu levei?
Aí está o que eu levei:
Entre as minhas aquisições estão Caçada Até à Última Bala que estou ansiosa para começar a ler; À Beira de Mim Mesmo, trabalho belo e com um traço surrealista de Ana ClaCla e uma arte de Chiquinha do livro não finalizado.
E, claro, também passei na Comix, aproveitei a promoção e levei Os Filhos de Anansi de Neil Gaiman em uma super promoção que eu não poderia deixar passar, além desse presente adiantado de aniversário (mentira, vou pagar pra ela), a Coleção Histórica Marvel: Os X-Men. E já vou avisando logo que eu devia ter adivinhado que por esse preço tão convidativo, a qualidade do papel não seria exatamente a que eu esperava e nem a capa seria dura, embora a qualidade não seja exatamente ruim, longe disso…
Mas bora parar de reclamar, né?
Bem, como o intertítulo é “o que eu levei”, falarei rapidamente do que eu levarei de lembranças dessa Gibicon, para além das minhas aquisições: foram três ótimos dias (pena que não pude comparecer no domingo) de leituras, palestras, debates, compras, entrevistas, empurra-empurra, cupcakes e deliciosos pasteis e cachorros-quentes. Esbarrei em amigos, conheci gente nova, novos trabalhos, novas ideias e constatei definitivamente que quadrinhos são a forma mais linda, incrível e poderosa de arte do mundo. Mesmo que eu ame cinema e que este seja considerado o auge da arte sequencial, nada como os quadrinhos, com tantas vertentes, entusiasmo, criatividade, autenticidade, contestação e confrontação. No glorioso universo das HQs, tudo é permitido, todo sentimento pode ser expressado com originalidade, tantas mensagens podem ser transmitidas por meio de seus traços e cores, luz e sombras. E as pessoas que produzem, consomem, que representam a nona arte são as pessoas mais incríveis de que já tive notícia. Já aguardo ansiosa pela próxima edição 😉
Vocês podem ler o meu texto sobre o talento feminino nas histórias em quadrinhos aqui e o outro sobre adaptações cinematográficas de HQs aqui.
Andrizy Bento