
Um dos maiores nomes da literatura inglesa, Jane Austen (1775-1817), desde muito cedo, sempre foi talentosa na escrita. O que não era uma tarefa fácil, devido ao tempo em que viveu – época da Regência de Jorge IV, Príncipe de Gales – numa sociedade completamente conservadora e ociosa, preocupada principalmente com a conservação da moral, bons modos e as artes. Isso é de fácil percepção na leitura de suas obras, regidas por um pequeno grupo social. Mas o que faz de Austen uma escritora brilhante é a capacidade da mesma de caracterizar os personagens, todos muito bem construídos e analisados, e são essas características que tomam o curso de seus romances: as ambições, a personalidade e a conduta é que determina o desenrolar de cada história. Além de tudo isso, Austen narra com um leve toque de ironia, mesmo um pouco imperceptível para um leitor desavisado em um primeiro contato com seus livros.
Enfim, tudo o que eu disse é o que a crítica e os fãs da autora dizem, não deixando de ser verdade, obviamente. Já faz pouco tempo que eu tive o privilégio de terminar de ler os seis romances dela publicados – Pride and Prejudice, Sense and Sensibility, Persuasion, Northanger Abbey, Mansfield Park e Emma – e digo com toda a convicção que foram leituras marcantes. Cada romance tem um ápice próprio, uma marca, mesmo que alguns deles sigam o mesmo estilo, como Pride and Prejudice e Sense and Sensibility. Os nomes de ambos são similares, assim como duas irmãs, e contém vários problemas no caminho até o altar. Os outros seguem a mesma linha, o casamento, como o ponto final de cada obra, porém, isso, de modo algum, torna os romances de Austen fúteis. Nem de longe.
Contar uma história, qualquer um faz, mas o modo como a história é contada é que faz a grande diferença. Mesmo seguindo o mesmo curso – uma personagem feminina central, uma pequena sociedade e, no fim, um casal – Austen faz uma ampla análise dos personagens e das situações sociais e políticas de seu tempo. Sim, políticas, por mais que muitos discordem deste ponto. Eu li um artigo que falava exatamente sobre isso, que diz que Jane Austen não era alienada sobre os problemas políticos da Inglaterra da Regência, citando como exemplo o trecho de Mansfield Park, que a protagonista Fanny Price interroga o tio, Sir Thomas, sobre o problema dos escravos nas Antilhas (ilhas da região caribenha), onde ele possuía negócios. Fato é que a sociedade britânica de Austen era muito parecida com a sociedade grega nos tempos antigos: os escravos trabalhavam, enquanto os homens passavam o dia a filosofar ociosamente. Havia ainda escravos na época de Austen, mesmo que o império britânico estivesse abolindo esse sistema, sendo retirado de vez anos mais tarde, após a morte da escritora, porém, o trabalho em si não era bem visto, assim como na sociedade grega.
Outros críticos tem a tendência de dizer que os romances de Austen eram puramente feministas, o que acho uma precipitação, pois mesmo sendo uma mulher o centro de cada obra, os personagens masculinos tem grande importância, não para formar um casal, mas também como o modelo de análise da autora, assim como sua protagonista. Elizabeth Bennet, Elinor Dashwood, Fanny Price, Catherine Morland, Anne Elliot e Emma Woodhouse não são as mesmas personagens que o leitor conhece no início do romance, pois elas mudam de uma forma ou de outra, assim como Fitzwilliam Darcy, Edward Ferrars, Edmundo Bertram, Henry Tilney, Frederick Wentworth e George Knightley. Claro que se deve levar em consideração a época em que ela viveu, que além de conservadora era machista, no português claro. Por isso, imagine como Austen era tratada, apesar do seu prestígio como escritora, de ter sido reconhecido ainda em vida. Além de que, ela não se casou, o que também era motivo de muitas críticas.
Em um primeiro momento, Austen não assinava com o próprio nome seus trabalhos, assim como Emily Brontë (autora de O Morro dos Ventos Uivantes), só que esta última utilizou um pseudônimo, Ellis Bell, assim como a irmã, Charlote Brontë que assinou Jane Eyre como Currer Bell. Mesmo sendo escritoras posteriores a Jane Austen, há um pouco de semelhança na vida dessas três mulheres que influenciaram seus romances. No entanto, há uma diferença entre as obras das irmãs Brontë com as de Austen que, quando publicadas, não foram tão bem aceitas como esta última.
Dos trabalhos da autora, Pride and Prejudice é considerado sua obra-prima, pela boa aceitação e fascínio que o livro exerce até os dias de hoje. Particularmente o enredo e os personagens carismáticos, em destaque a protagonista, são o que eu mais aprecio. Assim como Sense and Sensibility, Austen se inspirou no próprio relacionamento com a irmã, Cassandra, para compor as personagens Elizabeth e Jane. É praticamente um conto de Cinderela, não sendo isso uma barreira que torne o romance clichê. Acredite, eu me surpreendi e muito em vários capítulos. É visível também a crítica da escritora ao casamento para sobreviver a que muitas mulheres se submetiam.

Sense and Sensibility, o primeiro que ela escreveu, é parecido no contexto do título do anterior – a razão de Elinor e a sensibilidade de Marianne – como o orgulho de Mr. Darcy e o preconceito de Elizabeth, sendo esta obra a que eu tive primeiro contato. Para mim o destaque de Sense and Sensibility é a sutileza e as perturbações de Edward Ferrars, mesmo que o leitor não tenha muito contato com elas. Marianne é uma personagem que apesar da sua mudança de pensamento no final da obra, eu simplismente não consigo gostar dela como da irmã, Elinor que carrega todas as dores tanto dela mesma, como de Marianne.
Emma é mais centralizado do que os outros na própria protagonista, mimada e rica como muitos gostam de dizer, que se depara com o fato de que não só as aparências enganam, mas também as máscaras que muitas pessoas usam, junto com a futilidade da própria vida dela. Austen, por meio da personagem, critica sutilmente a soberba de muitas pessoas avantajadas na vida, mas só em Persuasion que essa crítica é mais acentuada. Um fato curioso sobre Emma é que a autora foi meio que obrigada a fazer uma dedicatória do livro ao Príncipe Regente. Ele pediu, e ela, mesmo a contragosto, não pode dizer não.
Em Mansfield Park, o leitor tem a oportunidade de conhecer a protagonista desde a infância. Um pouco mais longo que os outros, a exclusão social dos pobres é o que mais chamou a minha atenção durante a leitura, voltando novamente à Emma e Persuasion. Foi o que mais me emocionou, até mais que Pride and Prejudice, justamente por Fanny Price não ser uma moça de pensamento independente como as dos outros livros, sendo mais tímida e modesta. Mais uma vez, Austen quebra com regras e paradigmas de suas próprias obras.
Northager Abbey, para mim, é o romance mais fraco de Jane, ofuscado pelo brilho de suas outras criações, quase sendo um simples romance, se não fosse os momentos de tensão e mistura da realidade com fantasia em várias passagens, além das referências a uma escritora da mesma época de Austen, Ann Radcliffe, autora de romances góticos, em que a própria obra de Jane é baseada. Mesmo assim, é mais frágil na construção das personalidades em comparação com os outros livros.
Persuasion é um romance especial. Curto, ele foge um pouco das premissas dos outros, mostrando uma protagonista não tão jovem – 27 anos, para a época já é uma solteirona e velha – sendo o último que Austen escreveu, mais amadurecida. A brevidade da vida, as escolhas erradas, são o que marcam no romance, que talvez, (isso já uma ideia pessoal) seja uma própria reflexão da autora sobre sua vida, que alguns rumores ressaltam um Thomas Lefroy, a quem Austen pode ter amado, porém, eles não se casaram por conta da família dele não concordar com a aliança.
Atualmente, na era moderna e de muitos blogs literários, é uma tendência classificar os romances de Jane Austen como Chick-Lits (“literatura de cozinha”, na tradução literal, ou seja, “livros para mulheres”), o que sinceramente eu não gosto, não concordo e até acho ofensiva essa classificação para uma autora cujos livros não são meros passatempos, assim como o próprio termo Chick-Lit é ofensivo – não tinha outro termo melhorzinho? Nada contra os livros em si, mas esse termo é horrível. Sei lá, é meio preconceituoso… Mas isso já é outra discussão, outra polêmica que não vem ao caso.

O que nos interessa no momento é o legado que Jane Austen deixou em suas obras. Não é à toa que até hoje muitas adaptações foram feitas de seus romances para o cinema e a televisão. Uma dica são as séries da BBC baseadas nos romances da autora (eu só assisti duas, Pride and Prejudice e Emma), que são muito bem feitas e mais fiéis às obras originais, e também o filme The Jane Austen Book Club (O Clube do Livro de Jane Austen), bem divertido, em que cada obra da autora tem uma relação com a vida real. Recentemente eu assisti a uma adaptação da própria vida de Jane em filme – Becoming Jane (Amor e Inocência) – com a Anne Hathaway no papel principal. Eu gostei. Chorei em muitos momentos, a trilha sonora é muito bonita, mas tinha beijos demais, uma coisa que deixou os austenmaníacos como eu, um pouco chocados, e alguns fãs nem admitem. O filme retrata o romance entre ela, Jane Austen, e Thomas Lefroy, sendo alvo de muitas críticas dos fãs da autora por ser romantizado demais e nem próximo da verdadeira biografia da escritora. Um filme que retrata mais fielmente a vida dela é Miss Austen Regrets, também produzido pela BBC. Infelizmente eu ainda não consegui assisti-lo, então não tenho nada a comentar sobre ele (espero assistir em breve, só depois que eu comprar alguns lenços de papel…).
Mas antes de assistir qualquer um desses, leiam os livros. Tenho certeza que vai ser uma leitura prazerosa, inteligente e com um toque de elegância que muitos poucos escritores conseguem transmitir.
Fonte das imagens: http://brito-semedo.blogs.sapo.cv / http://www.taprocurandoque.com.br
Juliana Lira