[Catálogo: Clássicos] Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança

“Ajude-me Obi-Wan Kenobi, você é minha única esperança”.

A partir de um argumento audacioso, George Lucas redefiniu os rumos do cinema de entretenimento, criando um dos primeiros blockbusters da história da sétima arte (o termo foi primeiramente atribuído a Tubarão de Steven Spielberg, em 1975) e inaugurando uma franquia rentável que se alastrou pela televisão, literatura, histórias em quadrinhos, videogame, imprimindo sua marca em todas as mídias possíveis e tornando-se um produto emblemático da cultura pop.

Hoje, o longa inaugural da saga, lançado em 1977, funciona mais como uma curiosidade. Mas é possível, ao revisitá-lo, identificar e compreender os motivos que fizeram de Star Wars o fenômeno que é hoje, o porquê de ter encantado tantos espectadores que saíram maravilhados das salas de cinema no ano de seu lançamento e a razão pela qual a obra é objeto de culto até o presente momento, recusando-se a desocupar sua posição do panteão dos deuses da cultura pop, atravessando gerações a conquistar novas levas de fãs, enquanto os antigos permanecem cativos, saindo em defesa da obra sempre que possível e necessário. 

Assistir ao primeiro episódio que foi exibido nos cinemas, procurando manter o olhar daqueles tempos, nos leva a perceber que o filme, hoje conhecido pelo subtítulo Uma Nova Esperança, é um espetáculo grandioso, uma obra inovadora em todos os sentidos e que, por trás da ambição do conceito e do visual, existe a humanidade e o carisma dos personagens. Um produto de ficção científica que divaga sobre política e fé; um filme de ação sobre o valor da lealdade e da família, repleto de criaturas robóticas providas de emoção e sentimento. Não é um filme que destaca simplesmente os efeitos visuais e a beleza plástica exuberante de seus cenários. Uma Nova Esperança é uma soap opera espacial no melhor sentido que o termo poderia ser empregado.

Antecedentes
George Lucas e Carrie Fisher durante as gravações do filme

É até curioso pensar que um longa dessa estirpe custou “apenas” US$ 11 milhões para o estúdio que o produziu, afinal a ideia da 20th Century Fox era uma produção nos moldes dos filmes B de ficção científica, realizados com baixo orçamento, tendo uma verba limite de US$ 8 milhões. Acabou excedendo um pouco, para desespero da Fox. Mas os tempos eram outros. E esse caráter experimental, genuíno, que requeria toda a criatividade do departamento de efeitos especiais para compor um visual plausível e que, ao mesmo tempo, conseguisse deslumbrar plateias, é possivelmente o fator que torna Uma Nova Esperança tão instigante de se ver até hoje.

George Lucas vinha de uma safra de jovens e talentosos cineastas que começavam a despontar na indústria e incluía nomes como Martin Scorsese, Brian De Palma, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola. Todos com o nítido desejo de fazer filmes mais autorais e ousados, fugindo das tendências clássicas e que foram responsáveis por profundas transformações e revoluções no jeito de se contar uma história e de se fazer cinema em Hollywood. Lucas obteve um relativo sucesso com o filme adolescente American Graffiti (Loucuras de Verão), lançado em 1973. O longa foi um êxito artístico e comercial e, diante do retorno positivo, viu a oportunidade de concretizar um antigo sonho: adaptar para o cinema um famigerado herói das tiras de jornal e do qual ele era assumidamente fã: Flash Gordon. No entanto, com os direitos de adaptação do personagem indisponíveis, o jovem profissional optou por criar sua própria ópera espacial, livre das amarras de direitos autorais. 

Utilizando como referências a literatura de fantasia e ficção científica (especialmente o majestoso Duna de Frank Herbert e a série de livros John Carter de  Edgar Rice Burroughs), histórias em quadrinhos (como o próprio Flash Gordon), filmes como A Fortaleza Escondida de Akira Kurosawa (muitas das ideias introduzidas pelo longa seriam utilizadas anos mais tarde, em A Ameaça Fantasma de 1999), e principalmente o livro de não ficção: O Herói de Mil Faces de Joseph Campbell (seguindo fielmente o Monomito ou Jornada do Herói, conceito elaborado pelo mitologista), Lucas concebeu Star Wars que, a princípio, nem mesmo levava esse nome. O cineasta batizou sua obra primeiramente de Journal of the Whills (Diário dos Whills), no qual narrava o treinamento de um jovem aprendiz de Jedi-Bendu, CJ Thorpe, pelo lendário Mace Windy. Familiar, não? 

Como se tratava de uma história complicada, na qual Lucas vinha trabalhando incessantemente, inserindo notas, criando nomes originais e peculiares e desenvolvendo os mais exóticos backgrounds e caracterizações, muitas das ideias foram sendo utilizadas nos roteiros posteriores da saga, quando essa já se tratava de um produto consolidado. Portanto, o diretor optou por reescrever a primeira sinopse a fim de torná-la mais compreensível, lapidando seu diamante bruto. Da sinopse de 13 páginas intitulada The Star Wars, que Lucas começou a escrever em 1973, até o quarto e último roteiro, finalizado em 1976, chamado de The Adventures of Luke Starkiller, foi um árduo processo de escrita. Como se não bastasse, o script foi rejeitado pela United Artists, Universal Studios e, ironicamente, pela Disney Pictures

Por fim, o estúdio que mostrou interesse em Star Wars foi mesmo 20th Century Fox que autorizou um orçamento de 8 milhões de dólares para a produção do filme e, como já mencionado anteriormente, estourou essa verba em alguns milhões. Valeu a pena? Óbvio. O filme garantiu um retorno financeiro além do esperado. Star Wars, enfim, ganhou as telas em 25 de maio de 1977 e poucas salas de cinema toparam exibir o filme. Boa parte da crítica especializada e executivos de cinema desacreditaram o projeto, prevendo um fracasso comercial. Não poderiam estar mais errados. 

Graças a uma campanha de marketing massiva, formaram-se, em frente às salas de cinema, filas enormes de fãs do gênero sci-fi que dobravam os quarteirões. Lucas, que andava um pouco desanimado com sua própria criação devido aos inúmeros problemas de bastidores que havia enfrentado, viu renascer o entusiasmo dentro de si.

O Longa

A trama tem início com o emblemático letreiro de caráter introdutório que corta a tela, a fim de situar o público e fazê-lo compreender o que desencadeou os eventos que testemunhamos nas primeiras sequências, no melhor estilo “como nossos heróis vieram parar aqui?”. Essa foi uma ideia sugerida por Brian De Palma, a qual, felizmente, George Lucas deu ouvidos e assimilou em seu roteiro. Esse letreiro revela de antemão que a Aliança Rebelde teve acesso aos planos de um projeto secreto imperial, a Estrela da Morte. De posse dessa informação, a Princesa Leia Organa (Carrie Fisher) a insere na memória do droide R2-D2 (Kenny Baker), juntamente com uma mensagem destinada ao lendário Mestre Jedi Obi-Wan Kenobi (Alec Guinness), que encontra-se recluso e aposentado. O alto oficial do Império Galáctico, Darth Vader (David Prowse), intercepta e invade a nave de Leia ladeado por Stormtroopers (as tropas do Império), com o objetivo de deterem e prenderem a princesa, acusando-a de fazer parte da Resistência ao Império e de roubar informações confidenciais.

Felizmente, o droide no qual Leia escondeu a informação recebida consegue escapar em um módulo de fuga, junto de seu fiel escudeiro, embora reclamão, C3PO (Anthony Daniels), indo parar no desértico planeta Tatooine. Logo, porém, ambos são capturados pelos Jawas, criaturas locais que vivem de adquirir e vender droides perdidos e que apresentam mal funcionamento aos povoados da região. Owen Lars (Phil Brown) e seu sobrinho, o jovem Luke Skywalker (Mark Hamill), os compram por uma bagatela a fim de que ajudem no trabalho na fazenda que possuem. Enquanto tenta limpar e ajustar R2-D2, Luke encontra a mensagem escondida pela Princesa Leia. 

O droide foge por estar obstinado em sua missão de desvendar o paradeiro de Obi-Wan e lhe transmitir a mensagem. Enfim, o droide o encontra após um ataque do Povo da Areia. Ele, C3PO e Luke são salvos pelo Mestre Jedi que tem vivido como um eremita há anos. Obi-Wan tem revelações a fazer acerca do passado de Luke, inclusive com relação ao pai do jovem garoto do deserto. Embora interessado em aprender mais sobre a Força e com o desejo íntimo de se tornar um cavaleiro Jedi, assim como seu pai, Luke reluta em abandonar seus tios e partir para Alderaan, para o resgate de Leia. No entanto, ao descobrir que seus tios foram chacinados por Stormtroopers, ferido pelo luto, Luke aceita partir em uma jornada arriscada ao lado do aposentado Cavaleiro Jedi. 

É em uma taberna frequentada por espécimes duvidosas em Mos Eisley que eles negociam com o carismático contrabandista e excelente piloto Han Solo (Harrison Ford) e seu companheiro inseparável e co-piloto Chewbacca (Peter Mayhew), usar sua nave, a Millenium Falcon, como transporte para partirem rumo ao encontro e resgate da Princesa Leia Organa. No entanto, eles precisam ter em mente que aceitar o convite é se envolver, inevitavelmente, em uma Guerra Civil Galáctica entre os déspotas do Império e a perseguida Aliança Rebelde.

Apesar do caráter introdutório, de uma ação um pouco mais lenta e pontual, seguindo em um ritmo linear e desacelerado, o longa jamais é enfadonho ou expositivo. Há muitas criaturas, planetas, naves, dialetos, etnias, robôs e personagens compondo a deliciosa mitologia de Star Wars, mas tudo é inserido organicamente na trama, em um timing apropriado e sem se render a explicações em excesso ou pecar pela falta de comedimento. Lucas compôs  todo um novo universo rico e complexo e foi feliz ao construir uma profunda, extensa e bem fundamentada história, estabelecendo um interessante e convincente contexto sócio-político e se preocupando com todos os detalhes: da cultura à topografia, passando pela geografia política, ecologia, geologia, e até mesmo desenvolvendo algo próximo de uma religião. Não demora as criaturas se tornarem familiares ao espectador, bem como todo o glossário da obra de Lucas e que hoje integra naturalmente o imaginário popular.

A ação dá o tom a partir da segunda metade, quando os confrontos entre a Resistência e o Império se tornam constantes. Até lá, o espectador já decorou os nomes dos veículos, artefatos e das figuras com aparência humana, animalesca e robóticas que ilustram a trama. A história toda é muito bem projetada na tela e uma delícia de se acompanhar. São duas horas que passam voando e capturam a atenção do público, devido à destreza com que é conduzida a narrativa e ao carisma dos personagens. O elo de amizade entre o trio de protagonistas é bem convincente e eles apresentam uma ótima química na tela.

Neste primeiro tomo, Lucas introduz muitos dos conceitos que seriam melhor explanados, explorados e expandidos em sequências futuras. O cineasta e roteirista pensou em diversos detalhes que deram margem não apenas para os dois longas subsequentes que compõem a trilogia original, mas também para outros spin-offs. Esse primeiro filme é responsável por lançar várias perguntas e constituir um legado capaz de gerar outros produtos derivados. E assim foi feito.

Visualmente, Star Wars ainda impressiona para uma película realizada na década de 1970, quando o cinema ainda dava seus primeiros passos no departamento de efeitos especiais. As colossais batalhas no espaço necessitam que o espectador suspenda a crença, por se tratarem de guerras intergalácticas barulhentas, tendo em mente que o som não se propaga no vácuo. Mas é um entretenimento de tão alta qualidade, extremamente divertido, dinâmico e bem amarrado, que é possível fazer algumas concessões. Falando nisso, outro item que se destaca são os efeitos sonoros de androides, naves e o inquietante e memorável som dos sabres de luz que permanece na mente mesmo após o fim da sessão. A trilha sonora pomposa e memorável a cargo de John Williams é a cereja no bolo de um espetáculo visual e sonoro que acompanha um enredo inteligente e eletrizante.

O ponto negativo fica por conta das transições de cena. Um aspecto estético que eu, pelo menos, jamais fui capaz de compreender a utilidade, pois soa simplista na maior parte das vezes. Infelizmente, tornou-se um elemento característico da saga e parte fundamental de sua identidade. O conceito de Força é interessante, ainda que carregado de certo mistério. Por isso mesmo, pode ser interpretado como uma analogia da fé e da religião. Uma pena que em filmes recentes, esse que é outro dos elementos vitais da saga, seja utilizado de maneira tão leviana e irresponsável, como pudemos conferir no último episódio da série.

De qualquer forma, Star Wars continua sendo um filme maravilhoso de se assistir, com uma mitologia bem elaborada, e que dá aquela inevitável saudade de quando tínhamos mais cinema de entretenimento inteligente, inventivo, sofisticado e audacioso, com menor budget, mas feito com mais paixão e menos burocracia. O primeiro capítulo é o ponto de partida de uma aventura inigualável.

Pós-Star Wars

Lembram que eu disse que a crítica especializada e os executivos apostavam em um fracasso? Pois o longa quebrou recordes de bilheteria já em suas primeiras semanas de estreia e faturou, ao todo, US $ 775.398.007 de dólares. Com o ajuste da inflação, o longa adentrou a casa do bilhão, lucrando cerca de 2,5 bilhões em bilheteria. O primeiro capítulo da Space Opera de Lucas chegou a entrar para o Guinness World Records como o terceiro filme de maior bilheteria de todos os tempos ao se ajustar à inflação. 

O longa faturou nada menos do que sete estatuetas do Oscar na edição de 1978 do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. As vitórias, no entanto, se restringiram às categorias técnicas, como Som, Direção de Arte, Montagem, Efeitos Visuais, Figurino e Trilha Sonora. Ainda concorreu a outras quatro categorias, sendo a principal, de Melhor Filme, além de Melhor Diretor e Roteiro Original para George Lucas e Ator Coadjuvante para o intérprete de Obi-Wan, o aclamado Alec Guiness – na época um dos poucos rostos conhecidos do elenco. 

Seu legado é incontestável. Star Wars, outrora conhecido por essas bandas como Guerra nas Estrelas, inspirou outros filmes, livros, quadrinhos, séries de televisão e até mesmo paródias. Star Wars deu início ao conceito de franquias, tão explorado no cinemão norte-americano (e de maneira cada vez mais abusiva atualmente). Sem dúvidas, um clássico e objeto de culto que, mesmo em meio a tantos épicos de fantasia e ficção científica lançados a torto e a direita por aí, ainda não encontrou rival à altura mesmo mais de quarenta anos após seu lançamento. 

O longa está disponível no catálogo da Disney+

Que a Força esteja com vocês!

Andrizy Bento

7 comentários em “[Catálogo: Clássicos] Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança”

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