[Cinema] Zona de Interesse

A tela permanece escura por longos minutos ao som de uma trilha sonora densa e incômoda. Até que o canto dos pássaros surge e vemos uma família desfrutando de um piquenique à beira do rio em uma tarde ensolarada. A cena sugere uma aparente normalidade. Mas se tratam de tempos sombrios. Um dos recortes mais macabros da história da humanidade.

Ambientado na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial, o longa escrito e dirigido por Jonathan Glazer é focado na vida doméstica de Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua família, composta pela esposa, Hedwig (Sandra Hüller), e cinco filhos. Rudolf é um comandante nazista, homem de confiança de Hitler, encarregado de administrar um campo de concentração e que vive com a família em uma vasta propriedade em Auschwitz. Toda a beleza da residência (ressaltada pela direção de fotografia, que explora o interior opulento da mansão, o jardim cultivado pela esposa e as paisagens idílicas ao redor), contrasta com os horrores do outro lado do muro. Ouvimos constantemente os sons de tiros e gritos desesperados oriundos do campo de concentração que margeia a propriedade dos Höss, bem como vemos uma fumaça preta que sobe pelos cantos da tela.

Em um determinado ponto do enredo, Höss é transferido de posto, promovido ao cargo de supervisor na Alemanha, e se vê obrigado a se separar de sua família. Sua esposa, ao receber a notícia da transferência, se recusa a acompanhar o marido e deixar para trás sua casa dos sonhos.

Apostando em escolhas estéticas certeiras e requintadas, o diretor é perspicaz ao narrar o lado de fora dos campos de concentração, ao invés do lugar-comum de tantas e tantas obras que se propõem a ser um retrato cinematográfico definitivo da Segunda Guerra Mundial ao ilustrar os horrores do Holocausto. O olhar indiferente e banal com que a família encara aquele cenário brutal de devastação humana, o relegando ao segundo plano – quase como se sua propriedade se situasse em um mundo paralelo ao invés de vizinho ao campo de concentração – é perturbador. Desse modo, Glazer, com toda a frieza e apatia de que reveste forma e conteúdo de seu longa, com a crueldade silenciosa inerente aos seus personagens, se distanciando do caráter apelativo e tendencioso e do sentimentalismo exacerbado de outras obras do gênero, compôs um dos filmes mais assustadores sobre o tema.

É aterrorizante justamente pelo distanciamento emocional. É muito brutal cultivar um jardim e ignorar a fumaça preta, brincar na piscina e ser indiferente aos tiros e gritos. A futilidade, a banalização, a indiferença é mais cruel do que qualquer violência gráfica.

Vencedor do Grand Prix no Festival de Cannes em 2023 e com cinco indicações ao Oscar 2024, incluindo Melhor Filme e Melhor Filme Internacional, Zona de Interesse encontra-se em cartaz nos cinemas.

Andrizy Bento

 

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