Mangá do gênero seinen de autoria de Mengo Yokoyari e publicado pela revista mensal Big Gangan – pertencente ao gigante grupo Square Enix – entre 2012 e 2017, totalizando oito volumes, foi adaptado para o formato anime pelo estúdio Lerche e exibido entre 12 de janeiro e 30 de março de 2017 pela Fuji TV, no bloco Noitamina – faixa destinada exclusivamente a animes. Kuzu no Honkai, que recebeu, em inglês, o título de Scum’s Wish (Desejo da Escória, em tradução livre para o português), é uma obra impregnada de melancolia. E não poderia ser diferente, uma vez que o elemento nuclear da narrativa é o amor não correspondido.
Os estudantes do ensino médio, Hanabi Yasuraoka e Mugi Awaya, parecem compor o casal perfeito aos olhos de seus colegas, tendo até mesmo sua relação ideal invejada por alguns deles. Mas, antes de iniciar esse namoro, ambos entraram em um acordo, o qual mantém em sigilo absoluto. Nenhum de seus amigos e ninguém de sua família sabe, mas um está usando o outro como consolo e conforto… E está tudo bem para eles. Eles estão apaixonados por outras pessoas, e tanto Hanabi quanto Mugi têm total conhecimento tanto dos sentimentos um do outro quanto de quem são os verdadeiros alvos de seu afeto.
Hanabi é apaixonada por Narumi Kanai, um cara mais velho que é não apenas seu novo professor de música como um amigo de infância, com quem ela costumava partilhar suas inseguranças e tristezas. Mugi ama secretamente Akane Minagawa, uma antiga tutora, que agora dá aulas na mesma escola em que ele e Hanabi estudam. Esses personagens passam a formar um quadrado amoroso a partir do momento em que Narumi e a sedutora Akane iniciam um relacionamento, despertando a amargura de Hanabi e Mugi. Desse modo, os dois protagonistas firmam um pacto, a fim de saciar fisicamente seus desejos e suprir suas carências. Em uma relação até mesmo doentia, fadada ao fracasso e à autodestruição, quando estão juntos, Hanabi e Mugi fantasiam que estão com aqueles a quem realmente amam, inclusive chamando pelos nomes de seus reais amados, Narumi e Akane.
Ainda há outros personagens imersos em uma miséria tão grande e profunda quanto a dos dois protagonistas. Caso de Sanae Ebato, melhor amiga de Hanabi e apaixonada por ela desde que a conheceu em um incidente no metrô; e da infantil, mimada e cheia de caprichos Noriko Kamomebata, que enxerga Mugi como seu príncipe encantado.
No youtube, você encontra diversas resenhas elogiosas sobre a produção em canais dedicados a falar sobre animes e mangás. Muitas enaltecem o roteiro, mas apontam o quão indigesto e desconfortável pode ser absorver seu conteúdo e sua mensagem, dada a carga dramática da história. Kuzu no Honkai é repleto de verdades inconvenientes. É fato que a maioria de nós já passou por uma situação semelhante…
Embora concorde com algumas das críticas positivas, devo dizer que o anime ficou aquém das minhas expectativas. Minha maior reclamação é acerca dos personagens. Nenhum deles tem muita espessura ou profundidade. Particularmente, eu gostaria de ter mais acesso à personalidade daquelas figuras e descobrir quais são seus outros hobbies, interesses e aspirações além do que é mostrado na série. Pois, todos, sem exceção, vivem apenas em função de seus amores não correspondidos, que é justamente a força motriz que impulsiona a história. Eles são obcecados pelo amor ou pela ideia que fazem do amor que sentem pelos alvos de seus desejos secretos. Para completar, estão confusos e perdidos e são totalmente desprovidos de amor próprio. Eu entendo que se trata de uma série curta e que esse é o fio condutor da história e a narrativa é fiel ao tema que se propõe a tratar. Mas a construção de personagens poderia ser mais robusta.
Também é difícil assistir a pessoas que gostam tanto de se machucar e machucar uns aos outros. Não vou dizer que foge à minha compreensão o fato de Hanabi e Mugi gostarem de Narumi e Akane, porque não escolhemos de quem gostamos e quando olhamos para o passado, temos de admitir que já nutrimos sentimentos por pessoas que… Bem, é melhor nem comentar. Mas Narumi, apesar de um momento ou outro, é um personagem completamente sem sal. Já Akane… É extremamente manipuladora, orgulhosa de sua beleza, coleciona e destrói corações com uma naturalidade assombrosa. Pior: é dissimulada; omitindo suas reais intenções sob a fachada de garota meiga e doce. Afirma que não nasceu para se envolver e se dedicar a uma só pessoa. O foco dela é a conquista. Ela não serve para relacionamentos firmes e duradouros, mas para brincar com os sentimentos dos outros. E, ao final, quando revela essa dura verdade, é aceita mesmo assim. Akane não sofre nem 1% do que fez tantas pessoas ao seu redor sofrerem.
Já os protagonistas, Hanabi e Mugi, tem muito potencial. São personagens sombrios e se fossem um pouquinho mais bem trabalhados, seriam tipos bastante complexos. De qualquer modo, mereciam amores melhores. É interessante (e trágico) notar como Hanabi é uma garota que parece se conformar e estar acostumada à ideia de rejeição, pois foi abandonada pelo pai no passado, quando ainda era muito pequena.
Claro que a produção carrega seus méritos. Além da questão dos amores não correspondidos e platônicos, a série ainda aborda temas como descoberta da sexualidade, assédio e abuso sexual. E passa uma mensagem válida sobre correr o risco e seguir em frente, independente do resultado. A animação também é primorosa, garantindo expressividade visual aos personagens (para compensar a falta de profundidade emocional de alguns deles) e compondo uma atmosfera carregada de tonalidades frias e cinzentas que tão bem corrobora a melancolia intrínseca ao texto, além de traços suaves que ajudam a atenuar a carga dramática da trama. Por vezes, as cores desvanecidas sugerem uma aura poética e onírica, como se os personagens trafegassem em um ambiente de delírio. Sem dúvida, o grafismo é muito bonito.
Lembrando-se que se trata de um anime com cenas mais adultas, que aludem ao sexo e à nudez.
A obra ainda ganhou uma adaptação para o formato J-Drama (drama japonês, também conhecido como dorama), exibido pela própria Fuji TV a partir de janeiro de 2017.
Todos os episódios de Kuzu no Honkai estão disponíveis no Amazon Prime Video.
Andrizy Bento
Tem no primevideo da Amazon.
Obrigada pelo toque. Eu assisti pela Amazon, mas antes de publicar o texto, eu fui linkar no post e a série já não estava mais disponível no catálogo. Achei que houvessem removido, mas deve ter ocorrido algum problema, por isso não constava no catálogo. Mais uma vez, obrigada 😉