Nestes tempos sombrios de coronavírus, esse título vem bem a calhar, não é mesmo?
Whateva…
Apesar de abordagens completamente distintas, a unidade em comum entre Love, Simon, 13 Reasons Why e Stranger Things, é o fato de se tratarem de produções adolescentes atuais, mas com uma pegada nostálgica. É como se essa geração atual, de jovens pertencentes a um cenário hiperconectado, sentisse saudade de um passado que não viveu – de virar o disco na vitrola, rebobinar o VHS, torcer para a música “caber” enquanto faz uma gravação em fita K7 diretamente do rádio… É uma geração que tem tudo ao seu alcance – literalmente a um clique de seus dedos – mas que curte mesmo coisas antigas, vintage e não tão fáceis ou práticas como o touchscreen de um smartphone. A nostalgia tornou-se tendência de comportamento entre o pessoal da geração Z.
Parece normal que os jovens da atualidade incorporem elementos de outras décadas à sua cultura e cotidiano. Tem quem diga que é porque os anos 1980 tinham um quê de inocência, de mais experimentalismo e os 1990 uma alegria contagiante e uma perspectiva de um mundo globalizado tão diferente do atual culto aos nacionalismos que soam como verdadeiro retrocesso. Estudiosos e pesquisadores apontam os atentados ao World Trade Center, em setembro de 2001, como o fim do sonho, a ruptura, o plot twist que destruiu completamente a positividade e a ilusão de união mundial por meio da globalização.
Antes que vocês se perguntem, eu não estou filosofando à toa. Afinal, essa nostalgia e saudade do que não se viveu presentes na geração Z é justamente a vibe e o mote de I Am Not Okay With This.
Produção original da Netflix, baseada no quadrinho homônimo de Charles Forsman, a série acompanha a rotina de uma jovem estudante de ensino médio, Sydney (Sophia Lillis), deslocada na escola e vista como esquisita pelos seus colegas. Ela tem atravessado um período difícil e sombrio em sua vida após o inexplicável suicídio de seu pai. Morando com a mãe e o irmão em Brownsville, um subúrbio de Pittsburgh, localizado a oeste da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ela vive uma relação conflituosa com sua progenitora, Maggie (Kathleen Rose Perkins), que se desdobra nas tarefas de cuidar dos filhos e no trabalho como garçonete. Em contrapartida, Sydney tem uma ligação muito próxima com seu irmão caçula, Liam (o impressionante Aidan Wojtak-Hissong), o que não a impede de se sentir, o tempo todo, cada vez mais distante. Sua família está passando por uma situação econômica apertada, ela está descobrindo sua orientação sexual e, para completar, carrega consigo um segredo: possui superpoderes.
Eis uma fase complicada essa tal de puberdade. A protagonista de IANOWT que o diga. Você é sobrecarregado com zilhões de responsabilidades, porque já não é mais criança. Ao mesmo tempo, não pode fazer o que quer e tem seus direitos questionados e até mesmo inviabilizados pelos mais velhos, pois não é adulto o suficiente. Ainda possui a ingrata missão de aprender a lidar com as mudanças drásticas e apavorantes que estão acontecendo com o seu corpo enquanto tenta descobrir quem realmente é e qual é o seu lugar no mundo. E é nessa encruzilhada que Sydney se encontra. Os seus superpoderes tanto parecem se confundir quanto simbolizar a efervescência hormonal pela qual a protagonista está passando. Ela tem um crush na melhor amiga, a bonita e popular Dina (Sofia Bryant), e uma relação um tanto quanto mal resolvida, que fica naquela linha tênue entre romance e amizade, com o vizinho, o esquisitão e boa praça Stan (Wyatt Oleff)… Sim, boa praça. Se a geração Z gosta tanto de coisas antigas, por que não usar termos antigos?
Os dramas, conflitos, incertezas e inquietações típicas dessa fase da vida são todos retratados na série, seguindo com afinco a cartilha dos filmes high school que tomaram de assalto os cinemas nos anos 1980 e cujo legado se arrastou pelas décadas seguintes. Assim, temas como primeiro amor, perda da virgindade, descoberta da sexualidade e consumo de drogas são debatidos juntamente a relações abusivas, problemas familiares, suicídio e violência doméstica. A produção ainda é precisa no retrato de uma família disfuncional e despedaçada pelo trauma após um evento fatídico.
Diante de todos esses problemas, o subconsciente de Sydney parece arranjar um jeito especial para que a jovem canalize sua ira, angústia e frustrações, explodindo coisas. De modo literal. E com o poder da mente.
Apesar do que foi exposto até aqui, I Am Not Okay With This, tem uma veia mais cômica do que dramática. O bom humor é um traço bastante expressivo da série. De fato, o roteiro injeta graça na tragédia e propõe um humor rasgado, sem firulas ou floreios. É tudo bem direto. Até mesmo a duração dos episódios. A produção é composta de apenas sete episódios, cada um com menos de meia hora – simples, objetiva e direta, contando tudo o que precisa contar (e de modo bem eficiente) nesse pouco tempo. Óbvio que, após findarmos a maratona, não deixa de ficar aquela impressão de que faltou algo, faltou maior profundidade do texto especialmente; mais espaço para desenvolvimento dos personagens e dos conflitos que eles atravessam.
Munida de uma trilha sonora deliciosa e um sem número de referências a clássicos como Carrie – A Estranha (que parece ser sua principal influência, desde o primeiro take) O Clube dos Cinco, Donnie Darko e HQs de super-heróis, I Am Not Okay With This não apresenta nenhum ineditismo ou inovação, mas é agradável, simpática e um bom jeito de se passar umas duas horas (a maratona leva mais ou menos isso). Ela ganha o público por conta da nostalgia precoce e do amor e carinho pela cultura dos anos 1980. É como se os filmes de John Hughes encontrassem os quadrinhos de X-Men e coubesse a Stephen King esboçar um enredo. Só esboçar mesmo, pois essa primeira temporada não vai muito além de um rascunho.
Ah, o final é de explodir literalmente a cabeça.
Andrizy Bento