Vice

Um filme sobre Dick Cheney, mas que é anti-Dick Cheney.

A cota de cinebiografias de personagens históricos e/ou políticos – que exigem de seu ator principal uma transformação admirável e uma mimese acurada – do Oscar deste ano foi preenchida com Vice. Mas não espere algo do teor de um Lincoln de Steven Spielberg ou de O Destino de Uma Nação de Joe Wright. Isto porque o nome que figura nos créditos de direção é o de Adam McKay e isso já diz muito.

Egresso de comédias tão inteligentes quanto absurdas como Ricky BobbyO Âncora e sua sequência, McKay galgou os degraus até chegar às premiações mais importantes da indústria cinematográfica, primeiramente com A Grande Aposta e, agora, com Vice, que já rendeu diversos prêmios de atuação para Christian Bale por sua performance como Dick Cheney, ex- vice presidente dos Estados Unidos na sombria era George W. Bush. McKay, no entanto, preservou seu estilo e essência, só imprimiu um ar mais sério e de maior gravidade aos seus longas.

Com uma linguagem bem pop e diversas trucagens na edição, Vice guarda ecos de A Grande Aposta – inclusive reprisa boa parte do elenco de seu longa anterior – porém, é mais acessível, menos hermético. Também não foge do tom de screwball comedy que consagrou o cineasta nos primeiros anos de sua carreira. Vice acompanha a trajetória de ascensão de Cheney, um homem, a princípio, medíocre que se tornou nada menos do que o 46º vice-presidente dos Estados Unidos, atuante no governo de Bush “filho”, e o homem que estimulou a Guerra ao Terror contra o Iraque, após o ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001. O episódio desencadeou uma política revanchista que tinha o vice presidente como uma das principais cabeças. Cheney sempre manteve uma postura incisiva, orgulhosa, individualista e aberta ao jogo sujo, portanto, não tardou a alegar que Saddam Hussein e a Al-Qaeda estavam interligados, bem como sugerir que o Iraque detinha armas de destruição em massa e elaborava estratégias de guerra.

A estrutura de Vice é seu grande diferencial, fugindo da base e dos alicerces convencionais à outras obras do gênero. Mais uma vez, McKay investe em um tom documental aliado a uma vibe videocliptica, com montagem acelerada, overdose de referências pop e colagens absurdas para narrar os meandros do sistema e os bastidores do poder, a fim de denunciar a podridão e as fragilidades estruturais daquela que se diz a nação mais intocável e onipotente do mundo. Certeiro ao retratar os minutos que antecedem um evento bombástico, o cineasta consegue manter cativa a atenção do espectador em um exemplar de um gênero famoso por ser, geralmente, massante. Mas a forma inventiva com que a história é contada a torna atraente, tendo os fatos revestidos de um tom farsesco, porém, sem mascarar o quão contundente é o tópico em questão.

Prevalece, como de costume, o humor ácido e corrosivo e a ferrenha crítica política e social tão típicos dos filmes do diretor. O roteiro ainda faz questão de brincar com os característicos happy endings de cinebiografias, com direito a pequenos textos explicando o irreal destino de seus personagens e até mesmo com créditos finais que sobem na tela no meio do filme e logo, obviamente, são interrompidos. Afinal, a história continua e não tem um desfecho feliz de propaganda de margarina.

O elenco também é afinado. Ótima caracterização de Christian Bale que emula com precisão cirúrgica os trejeitos de Cheney, além de Sam Rockwell e Steve Carrel, ambos em ótimos momentos na pele de George W. Bush e Donald Rumsfeld, respectivamente. Amy Adams brilha na pele da esposa do vice, Lynne Cheney, que soa, por vezes, ainda mais calculista e manipuladora do que o próprio marido.

Em Vice, McKay manteve os elementos que se tornaram a marca registrada de sua filmografia, estabelecendo seu estilo que, por ora, mostra-se funcional, no entanto, a longo prazo, periga se tornar repetitivo. Intrigante, também, é sua opção em fazer de um personagem aparentemente aleatório, o narrador. Ainda que este tenha uma conexão interessante com Cheney, revelada somente nos minutos finais do longa, soa um tanto forçado. Apesar de algumas falhas na narrativa e de um cinebiografado que passa muito, muito longe de ser gostável, Vice é um ótimo e envolvente filme que merece ser visto e apreciado na telona.

★★★½

Andrizy Bento

 

2 comentários em “Vice”

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