Não raramente, cinebiografias de personagens históricos pecam justamente ao não desconstruírem a aura de herói em torno de seus retratados, ao não desmitificá-los. Decepcionando o espectador que espera conhecer mais do ser humano por trás do símbolo. Felizmente, não é o caso de O Destino de Uma Nação. O longa passa longe de ser dos melhores ou mais memoráveis dessa temporada de premiações. Mas é com inegável eficiência que Joe Wright compõe um drama biográfico que despe Winston Churchill da lenda.
Darkest Hour (no original em inglês) é, indiscutivelmente, um filme de ator. Gary Oldman, irreconhecível sob intensa maquiagem (trabalho admirável do gênio Kazuhiro Tsuji), desaparece no personagem, como de costume. Entregar-se de corpo e alma ao papel que está interpretando não é novidade para o ator. Seja como o Drácula de Bram Stoker, passando por Sid Vicious (Sid & Nancy – O Amor Mata), o psicótico Stansfield (O Profissional), o espião George Smiley (O Espião Que Sabia Demais) e até mesmo o Comissário Gordon da trilogia Batman de Christopher Nolan, ou o Sirius Black da série Harry Potter, Oldman é impecável na composição de seus tipos. Sua versatilidade é o traço que melhor define sua vasta carreira. Seu Oscar chega com atraso, mas felizmente chega.
A vida de Winston Churchill, sua carreira política marcada por sucessos e fracassos, é visitada por meios de diálogos ao longo da projeção. Pouco a pouco, vamos conhecendo mais de sua excêntrica figura. Contudo, o longa se propõe a narrar apenas um recorte bem específico da vida de seu biografado, desde sua posse como Primeiro Ministro da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, após a destituição de Neville Chamberlain (Ronald Pickup) do cargo e a recusa de Lorde Halifax (Stephen Dillane) – primeiramente pensado como substituto; até o discurso que levou ao sucesso da Operação Dynamo, que consistia em evacuar os soldados britânicos e franceses, cercados pelas tropas nazistas na praia de Dunkirk, ao norte da França.
É comum que em tempos caóticos e conflituosos, o povo busque a figura de um herói, alguém que os lidere e represente, lhes devolvendo a paz e a segurança. Portanto, sendo imperativo conquistar a confiança do povo britânico em um momento decisivo para o país, Churchill se vê, em seus primeiros dias no cargo, entre negociar um tratado de paz com Adolf Hitler, ou dar início à uma luta pelos ideais de liberdade da nação. A guerra, em si, não se desenrola na tela. A produção é totalmente focada nos bastidores do conflito, em manobras políticas, na diplomacia das negociações e nos embates e divergências de opiniões.
Joe Wright é sutil na abordagem. Nas mãos do diretor, a cinebiografia ganha contornos menos didáticos e enfadonhos (tão típicos do gênero). Centrando-se na humanidade de um personagem, por vezes insolente, enérgico e loquaz, conhecido pela seu poder de oratória; e retratando, com destreza, um dos momentos de decisão de maior importância na história.
Diferentemente de seu roteiro indicado ao Oscar, o roteirista Anthony McCarten dosa bem a ficção com a reconstituição dos fatos. Não apresenta grandes inovações na narrativa, restringindo-se a seguir uma linearidade e estruturando O Destino de uma Nação de maneira bem convencional, mas pelo menos não peca no excesso de romantização como o fez no desastroso A Teoria de Tudo. Mesmo a inserção de licenças poéticas são bem vindas aqui. A sequência do metrô, por exemplo, em que Churchill decide conversar e ouvir a opinião de diversos civis, é totalmente ficcional, utilizada para trazer efeito dramático, mas é acertada em sua composição e um verdadeiro achado.
Acostumado a period dramas, Wright, cineasta também responsável pelos belos Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação e Anna Karenina, entrega mais uma produção que prima pela reconstituição de época, ambientação e figurinos requintados. A direção de fotografia serve de maneira funcional aos propósitos dramáticos do enredo, sempre prezando pela elegância dos quadros. Os ambientes internos são pouco iluminados, mantidos quase sempre na penumbra. Quase toda a luz que as cenas internas recebem é advinda das suntuosas janelas e impregnam as locações e personagens com um tom dourado. Além do sofisticado jogo de luz e sombras, o longa de se destaca também pela paleta de cores suave, apostando em matizes sóbrios e conferindo mais autenticidade à época retratada na tela. Há uma ínfima quantidade de cenas externas, optando-se por privilegiar mesmo a imponência de residências e salas de reunião. Os planos mais fechados apenas beneficiam a composição do personagem de Oldman, valorizando sua caracterização, além de conferir urgência à narrativa.
A montagem dita um ritmo agradável ao longa, sem cair no marasmo. Há todo um clima de tensão acompanhando Churchill desde que ele é eleito ao cargo de Primeiro Ministro. Ele sabia que tinha de agir rapidamente em um curto período de tempo e não poderia se dar ao luxo de cometer erros. A edição enfatiza esse caráter urgente, mas não apressa a trama, cujo ponto alto é, obviamente, o célebre e inflamado discurso popularmente conhecido como “Nós lutaremos na praia”.
Curioso notar como o filme de Wright se complementa ao longa de Nolan, Dunkirk, por motivos históricos, mas não estéticos. O segundo é mais incisivo em sua prosa e emula um tom documental na forma. O Destino de Uma Nação tem ares mais românticos.
O longa falha, contudo, no desenvolvimento de suas personagens femininas. Tanto a figura da secretária, Elizabeth Layton (Lily James), quanto da primeira dama, Clementine Churchill (Kristin Scott Thomas), apesar de duas intérpretes competentes, mostram potencial a princípio, mas são jogadas para escanteio conforme o filme avança. Pode-se até culpar a excelente performance de Oldman – afinal, cada quadro deixa evidente que a obra foi calculada minuciosamente para o ator brilhar na pele do retratado – mas é fato que é o roteiro que peca nesse aspecto.
No mais, O Destino de Uma Nação agrada, sobretudo, àqueles que apreciam dramas históricos realizados especialmente para competir em grandes premiações. É bem possível que seja daqueles filmes que a maioria só assiste como parte da maratona Oscar. Memorável mesmo é a mimese acurada de Gary Oldman. O resto é história.
★★★
Andrizy Bento
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