Após o fim da América do Norte, uma nova nação chamada Panem surge. Formada por doze distritos, é comandada com mão de ferro pela Capital. Uma das formas com que demonstram seu poder sobre o resto do carente país é com Jogos Vorazes, uma competição anual transmitida ao vivo pela televisão, em que um garoto e uma garota de doze a dezoito anos de cada distrito são selecionados e obrigados a lutar até a morte.
Matar ou morrer. Não há escolha. Na arena, o mais capaz vence. Que os Jogos Vorazes comecem!
Jogos Vorazes (Suzanne Collins, Ed. Rocco, 2008)
Para um livro que se encaixa na categoria YA Lit (Young Adult Literature), Jogos Vorazes de Suzanne Collins é até transgressor. A trama é densa, pontuada por passagens violentas e impactantes, contém alto teor dramático, e chega até a sugerir uma crítica social.
A premissa em si não é, assim, inovadora. Em um primeiro momento, Jogos Vorazes nos remete imediatamente a Battle Royalle, contudo, a proposta de ambas as obras bem como a linha narrativa e o público que almejam atingir são distintos.
O texto de Collins é cru e ágil, o que é indispensável dentro do que ela se propõe, sem firulas ou embromação. A premissa é bem trabalhada e apesar de algumas passagens que quase chegam a extrapolar o limite do aceitável, tudo funciona bem e parece plausível dentro do universo apresentado pela obra, desde que você se deixe levar pelo conto.
A autora adota estilo e ritmo apropriados e precisos que corroboram a atmosfera proposta, imperativos para que a história flua de modo a prender a atenção do leitor e se torne convincente aos olhos deste. Dessa forma, há compatibilidade entre todos os elementos narrativos, o que faz de Jogos Vorazes um livro bem estruturado, com uma leitura que passa muito longe de ser cansativa.
O romance entre a heroína da história e seu parceiro de distrito não consegue escapar de alguns clichês. Fica evidente que a história de amor foi inserida mais por questões mercadológicas mesmo e, portanto, algumas passagens de sessões de beijos entre os dois parecem, muitas vezes, deslocadas na trama.
Vendido equivocadamente como o sucessor de Crepúsculo (uma estratégia para angariar os fãs já quase órfãos da outra franquia), o romance best-seller de Suzanne Collins em nada se assemelha à série-fenômeno assinada por Stephenie Meyer, exceto, talvez, pela tentativa de se construir o tão famigerado triângulo amoroso, exaustivamente presente em grande parte das obras do gênero. Inclusive, dentre os jovens que constituem a fanbase de Jogos Vorazes, muitos até já levantam bandeira pelo seu team – team Peeta ou team Gale – a exemplo do que aconteceu com Crepúsculo.
Contudo, o relacionamento da heroína com Peeta Mellark não é exatamente o foco de Jogos Vorazes. A trama principal se concentra na luta pela sobrevivência de Katniss Everdeen, sua rebeldia contra o sistema que controla e oprime a sociedade em que vive, bem como os questionamentos, dúvidas e anseios da carismática protagonista que, apesar de toda sua força, coragem e de já ter vivido todas as agruras e sofrimentos possíveis, ainda é só uma adolescente em fase de descobertas.
Aliás, falando nela, é bom ver uma heroína que foge daquele arquétipo da donzela em apuros que já se tornou comum na maioria dos títulos dedicados ao público infanto-juvenil. Katniss é guerreira, dona de uma personalidade forte e marcante, que não se deixa sucumbir facilmente, seja diante dos obstáculos em seu tortuoso caminho, ou dos sentimentos confusos e contraditórios que nutre pelo seu parceiro e rival na arena.
Suzanne Collins mantém um alto nível de tensão durante praticamente toda a segunda metade do livro e constrói um universo palatável com personagens que sustentam bem a sua história. Não se aprofunda, mas pincela de maneira inteligente questões como a desigualdade social, a hierarquia opressora da sociedade e até a alienação das massas, chegando bem próxima de uma crítica afiada e irônica às audiências de reality shows, ao público espectador manipulado pela televisão com seus modismos, fenômenos mediáticos e altas doses de demagogia. Isso sem nunca ir a fundo nessas discussões, colocando-as como plano de fundo, sabendo que seu livro trata-se de uma história fictícia ambientada em um futuro distópico e apocalíptico. Uma fantasia sombria, sim. Mas ainda assim uma fantasia.
Jogos Vorazes está longe de ser uma obra-prima e nem é essa a intenção. Mas é um excelente passatempo e um dos melhores títulos YA Lit que foram lançados nos últimos tempos. A obra mostra que nem tudo o que é destinado ao público jovem é descartável, infantilizado ou desprovido de imaginação e inventividade. Muitos apontam o livro como sendo bobo, forçado, superficial. Discordo, Jogos Vorazes é mais do que se pode esperar de um entretenimento que surgiu em meio a tantos livros que vem apresentando exatamente as mesmas fórmulas como Fallen e outros genéricos.
Ao leitor desavisado, prepare-se: Jogos Vorazes é dinâmico, divertido e bastante sangrento.
Em tempo: O teaser da adaptação para os cinemas de Jogos Vorazes foi exibido no último domingo, na premiação musical da MTV, o Video Music Awards. É muito cedo para se tecer qualquer comentário mais aprofundado, mas a primeira impressão é que a estética Crepúsculo fez escola. Movimentos de câmera, edição, cortes, fotografia, trilha sonora e até o voice-over soam como herança do estilo Crepuscular… Antes que achem que estou exagerando, aí vai o teaser que não me deixa mentir:
Vamos esperar que seja apenas uma falsa primeira impressão…
Fonte da imagem: http://www.sobrelivros.com.br
Andrizy Bento