[Streaming] Aftersun

Dirigido por Charlotte Wells, esta produção do ano passado fez barulho em festivais de cinema mundo afora. O hype se justifica e nos faz novamente dar pouco crédito (não que déssemos muito antes) aos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood por tê-lo deixado de fora da indicação de Melhor Filme no Oscar deste ano. Com um olhar nostálgico, Aftersun traz a protagonista Sophie (interpretada pela impressionante Frankie Corio) refletindo sobre as últimas férias que passou ao lado do pai, Calum (o ótimo Paul Mescal) vinte anos atrás. Vários trechos nos levam a conclusão de que aquela foi a última vez que pai e filha estiveram juntos de fato.

As férias não foram perfeitas. Houve discussões e momentos embaraçosos; impasses que o jovem e pouco responsável progenitor e a filha de nove anos, cheia de personalidade e madura demais para a sua idade, souberam contornar com desenvoltura e uma impressionante capacidade de improviso. Repleto de momentos doces e melancólicos, o destaque fica por conta da cena em que Sophie está gravando seu pai no dia de seu aniversário e, de repente, desliga a câmera e obtém de Calum um relato sobre sua infância, sugerindo problemas de ordem afetiva. Enquanto narra aquela memória distante, é possível ver o pai de Sophie refletido na tela de um televisor desligado, como se aquela fosse uma recordação que não deveria ser partilhada por mais ninguém além dos dois protagonistas. Esse é o momento de intrusão do espectador.

Outra sequência que impacta sem mais explicações é o choro angustiado de Calum durante um momento de solidão. Sabemos de seus problemas financeiros e da sensação de abandono que ele parece experimentar por conta de um passado mal resolvido e de um presente fruto de inconsequência juvenil. Tudo isso sem a necessidade de grandes exposições. São pequenas dicas que o roteiro nos dá e que nos fazem compreender a situação de Calum. Um personagem misterioso e profundo que permanece um enigma para a própria filha mesmo duas décadas depois. Já adulta, Sophie tenta montar a figura de seu pai em sua própria mente, reconstruindo-a partindo de lembranças, de memórias das férias e de trechos imaginários a fim de tentar preencher os espaços deixados pelas peças ausentes em seu quebra-cabeça.

Tanto o tormento silencioso do pai quanto a aflição e agonia da filha em tentar desvendar aquele homem que ela jamais conheceu em sua totalidade, são palpáveis. O final em aberto coroa uma obra inquietante e dolorosa, com um sabor agridoce que permanece no imaginário dias após à sessão.

Disponível para assinantes no Mubi.

Andrizy Bento

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