Diário de Bordo #2: Indicados ao Oscar de Melhor Filme – Pt. 2

Segunda parte dos comentários sobre os indicados a Melhor Filme no Oscar 2023, cuja cerimônia de entrega dos prêmios acontece logo mais, às 21h, e você pode conferir pelo canal por assinatura TNT e pelo streaming da HBO Max. Desta vez, falo sobre Os Fabelman, Nada de Novo no Front, Entre Mulheres e Triângulo da Tristeza. Quanto a Avatar: O Caminho da Água… Bem, esse eu vou ficar devendo.

Os Fabelmans (2022)
Direção: Steven Spielberg
★★★

“Quando o horizonte está no topo, é interessante. Quando o horizonte está no fundo, é interessante. Quando o horizonte está no meio, é chato pra caramba”.

Um coming-of-age sobre um garoto apaixonado por cinema e que sonha em ser cineasta, baseado na vida do próprio Steven Spielberg, mas que aqui se chama Sam Fabelman e é interpretado por Gabriel LaBelle. Da primeira e aterrorizante experiência em uma sala de cinema – quando o protagonista assiste, ao lado de seus pais, a O Maior Espetáculo da Terra, filme de 1952, dirigido por Cecil B. DeMille – aos seus primeiros passos como cineasta profissional. É a mãe do pequeno Sam Fabelman, Mitzi (Michelle Williams), que percebe que o grande tormento do filho é o desejo íntimo de ter o controle sobre a sequência do acidente de trem. Ela sugere que Sam filme seu trem de brinquedo atingindo em cheio a um de seus carrinhos para que ele possa conferir a sequência inúmeras vezes depois de revelar o filme. É a partir daí que Sam desenvolve sua paixão e realiza seus primeiros filmes caseiros, estrelados pelas irmãs e amigos. Apesar de amadores, seus trabalhos já evidenciam toda a habilidade narrativa do garoto e soam bastante profissionais. Ele também filma passeios e viagens em família, registrando tudo para a posteridade. Sam acredita ter o controle sobre tudo quando está com a câmera na mão até assistir suas próprias filmagens e fazer descobertas dolorosas sobre sua família, especialmente sobre sua mãe. O garoto mergulha em melancolia e desiste da câmera na mesma época em que o filme feliz da família perfeita de margarina que vivia no Arizona sofre um plot twist e é interrompido quando os Fabelmans partem para a Califórnia, após seu pai, Burt (Paul Dano) receber uma proposta irrecusável de emprego. É também uma chance de recomeçarem e superarem o caso extraconjugal de Mitzi. Assim, Sam muda de cidade com a família e vai morar em uma casa alugada que ele não gosta, passa a frequentar uma nova escola onde sofre bullying e vê a mãe padecer dia após dia, vítima de uma profunda depressão. As circunstâncias levam Sam a pegar a câmera novamente e descobrir aos poucos que filmar é o seu maior dom. Sam tem um olhar único, raro e especial que capta e transmite o que poucos conseguem ver e provoca diferentes emoções em quem os assiste. Porém, ele ainda deve enfrentar mais um desafio: a relutância de seu pai que deseja que o filho encare cinema como hobby e siga em uma carreira mais tradicional, como engenheiro. Tudo no longa grita Spielberg. Da grandiosidade do projeto aos personagens profundos, da narrativa solene à trilha sonora, o realizador compõe outro de seus típicos Oscar bait. Spielberg é um diretor extremamente talentoso e sempre foi audaz. Sua autobiografia é algo mais delicado na extensa filmografia do cineasta, que inclui grandes filmes de ação, aventura, fantasia, guerra, dramas históricos, estrelados por tubarões, dinossauros, extraterrestres, heróis de guerra, Peter Pan e Abraham Lincoln. David Lynch coroa a obra fazendo uma participação especialíssima como o cineasta John Ford (cuja influência na carreira de Spielberg ganha destaque ao longo do filme), retratando um encontro que, de fato, aconteceu. Bonitinho, delicado, mas não necessariamente memorável.

Nada de Novo no Front (2022)
Direção: Edward Berger
★★

Superprodução alemã, indicada ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional, ilustra os horrores da Primeira Guerra Mundial pelo ponto de vista de um soldado alemão. Como de praxe, temos um empolgado grupo de jovens rapazes que romantizam a guerra e se alistam no Exército Imperial Alemão com o desejo de se tornarem heróis. Porém, se deparam com uma realidade bem diferente nas trincheiras. A medida que Paul Bäumer (Felix Kammerer) vai perdendo os companheiros em batalha, acompanhamos o desenrolar de um acordo por cessar-fogo entre o Alto Comando Alemão e as potências aliadas, com o objetivo de encerrar as hostilidades na Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial, após um elevado número de perdas em campo. O armistício, no entanto, é assinado tarde demais. Nada de Novo no Front, adaptado do romance homônimo do autor alemão Erich Maria Remarque, lançado em 1929, e que já ganhou as telas em 1930 pelas mãos do cineasta Lewis Milestone, agora é dirigido por Edward Berger; traz, além de Kammerer, Daniel Brühl em seu elenco, nos apresenta belíssimas construções de cena, imagens impactantes, cenários convincentes, uma trilha sonora arrepiante e potente e mostra, sem pudores ou meios-termos, corpos mutilados, sangue em profusão, soldados desesperados à beira da loucura e outras consequências do conflito. Mas não é nada que já não tenhamos visto em outras produções que carregam a mesma temática anti-guerra (abusando, ironicamente, da estética de guerra). Isto é, não traz nenhuma inovação. Como nos alerta o próprio título do longa: nada de novo no front.

Entre Mulheres (2022)
Direção: Sarah Polley
★★

Entre Mulheres é baseado no romance best-seller homônimo de Miriam Toews que, por sua vez, é inspirado pela história real de uma colônia de Manitoba, na Bolívia, que seguia a religião da igreja Menonita, movimento do cristianismo evangélico com raízes na Alemanha do século XVI e Holanda, que prega o pacifismo, o batismo de adultos e a crença em uma existência simples. A trama acompanha um grupo de mulheres de uma comunidade religiosa isolada que seguem a religião da igreja Menonita, vivendo a constante tormenta de conciliar sua fé e devoção religiosa com a realidade de serem vítimas regulares de opressão e violência sexual pelos homens que vivem na colônia. Rejeitando a inovação e modernidade, a tradição é manter as mulheres iletradas, analfabetas e sem conhecimento do mundo, de modo que sejam sempre submissas aos homens. Em 2010, elas descobrem que os homens da comunidade vêm, ao longo dos anos, dopando e estuprando as meninas e mulheres da colônia, inclusive, ocasionando a gravidez de muitas delas. A descoberta gera revolta e conflito com a própria fé e as mulheres decidem organizar uma votação acerca do que fazer mediante aquela situação: permanecer e lutar; fugir; ou permanecer e perdoar. Apesar da importância de se conhecer essa história real e da habilidade de Sarah Polley de tratar cuidadosamente de um tema delicado, o grande pecado de Entre Mulheres é o ritmo que torna o conjunto da obra repetitivo, enfadonho e resulta em uma discussão circular que sempre retorna ao ponto de partida e se volta para as mesmas questões. É, sobretudo, superficial ao tocar em um aspecto tão relevante e que carece de discussões mais aprofundadas quanto às circunstâncias que levam uma estrutura a internalizar condutas machistas e violentas, pelo fato de serem tratadas com normalidade e transmitidas de geração em geração. Além da temática, outro ponto positivo de Entre Mulheres é o fato de contar com as atuações sensíveis de Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, dentre outras. Mas nada disso é suficiente para cativar efetivamente o espectador.

Triângulo da Tristeza (2022)
Direção: Ruben Östlund

Uma aberração sem escopo definido que não sabe para onde ir. Uma bobagem escatológica que tenciona discutir questões como igualdade de gênero, hierarquia social e relações de poder dentro de um relacionamento, mas sem grande sucesso. Na primeira parte do longa, um casal de modelos extremamente fotogênico discute sobre quem vai pagar a conta do jantar em um restaurante caríssimo. A namorada, Yaya (Charlbi Dean), se recusa a princípio, mas, conforme a discussão avança, passa um cartão de crédito que sabe que será recusado e joga na cara de seu companheiro, Carl (Harris Dickinson) que ganha muito mais do que ele com seu trabalho. A briga continua no elevador e acaba rendendo uma ofensa, proferida enquanto Carl segue sozinho pelo corredor do hotel até o quarto: feminista de araque. Após fazer as pazes, o casal parte em um luxuoso cruzeiro pelo qual não precisam pagar, pois é um “mimo” recebido por Yaya, influenciadora digital. A típica viagem para se postar em redes sociais constitui a segunda parte do filme. No iate, os dois se deparam com toda a sorte de milionários com personalidades e comportamentos bizarros e opiniões controversas. Durante o tradicional jantar para o capitão do iate, Thomas Smith (Woody Harrelson), realizado em meio a uma violenta tempestade, todos passam mal e dá-lhe escatologia. É um festival de vômito que inunda os banheiros, escadas e corredores da embarcação. Como desgraça pouca é bobagem, ocorre um naufrágio. Juntamente com o iate, as hierarquias também naufragam. Um número reduzido de sobreviventes, dentre tripulantes e pasageiros, vai parar em uma ilha onde precisa lutar por sobrevivência. Após deixarem, assim sem mais nem menos, de serem o foco da narrativa, novamente os modelos Yaya e Carl ganham atenção. Nesta terceira parte, Abigail (Dolly De Leon), camareira invisível do iate, se torna a comandante a quem todos devem obedecer na ilha, pois é a única que sabe pescar e fazer uma fogueira. As relações de domínio se invertem e angústias, inquietações e inseguranças se acentuam, sempre tratados pela ótica da sátira. Dirigido pelo sueco Ruben Östlund e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes no ano passado, Triângulo da Tristeza se apresenta como uma comédia de humor ácido e crítica social, mas não leva a lugar nenhum. Uma abobrinha que não sei como foi parar entre os indicados ao Oscar de melhor filme e nem como ganhou uma Palma de Ouro.

Andrizy Bento

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