Diário de Bordo #2: Indicados ao Oscar de Melhor Filme – Pt. 1

Nesta primeira parte do diário de bordo sobre os indicados ao Oscar de Melhor Filme, teço alguns comentários sobre ElvisTop Gun e Os Banshees de Inisherin. Lembrando que já tem posts por aqui sobre Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo Tár, que também concorrem à estatueta mais cobiçada da noite do próximo domingo, dia 12 😉

Elvis (2022)
Direção: Baz Luhrmann
★★★★

Há dois cineastas em quem eu confiaria sempre o trabalho de dirigir cinebiografias musicais: Baz Luhrmann e Todd Haynes. Ambos possuem identidade e estilo, além de não se limitarem a contar uma história convencional. Nenhum deles produziria uma cinebiografia quadrada e desinteressante como tantos outros. São diretores que pensam e fazem cinema. Felizmente, o mesmo diretor do apaixonante Romeu + Julieta e do aclamado Moulin Rouge, assumiu o risco de cinebiografar o rei do rock, Elvis Presley e, ao invés de apostar na decisão mais segura, de escolher um recorte da vida do biografado e se focar nesse recorte durante duas horas de projeção, Luhrmann resolveu jogar alto e contar em quase três horas toda a vida do ícone da música mundial nas telas. E o faz com maestria. O realizador captura a essência e a energia do artista e traduz em forma de cinema aquele espírito rebelde, o fascínio e o deslumbre que exercia nas multidões e a histeria coletiva que causava na mulherada com seus movimentos considerados obscenos e seu requebrado sensual. Sem muito esforço, mas com talento de sobra, Luhrmann alcança a proeza de fazer o público entender os motivos de o precursor da androginia nos palcos e o primeiro grande ídolo a provocar gritos na plateia, ainda despertar paixões quase setenta anos depois de despontar para o estrelato e mais de quarenta anos depois de sua morte. Você pode até não gostar de Elvis, mas não pode contestar o fato de ele ser uma lenda da música e ainda permanecer um artista relevante após tantas décadas desde o auge de sua fama. Elvis narra a história do lendário artista a partir de uma montagem dinâmica, uma estética videocliptica e uma narrativa lúdica e cheia de trucagens, além de pitadas generosas de psicodelia, incorporando ao visual elementos circenses, de quadrinhos e lançando mão de cenários vibrantes que emulam parques de diversões, cassinos e hotéis da época, abusando de cores e compondo uma ótima reconstituição da época. O longa pincela momentos históricos, como os assassinatos de Martin Luther King, Bobby Kennedy e Sharon Tate, a ascensão dos Beatles e Rolling Stones ao estrelato, ao mesmo tempo que corre para contar em duas horas e meia toda a história do rei do rock, seus sonhos e aspirações, êxitos e fracassos, vícios e paixões, a relação com a família; mas, na maior parte do tempo, se concentrando profundamente na relação conturbada que desenvolveu e manteve com seu empresário, o Coronel Tom Parker, por um longo período em sua vida e que o levou ao franco declínio. Tom Hanks em uma toada caricatural, dá vida e voz ao personagem no grande ecrã. Mas, apesar do renome e talento de Hanks, é mesmo Austin Butler, na pele do protagonista, que rouba a cena para si e aparece em grandioso momento, não se limitando a mimetizar trejeitos do biografado, mas interpretando o músico de maneira visceral, provocante e fascinante. E estamos falando de um artista que até hoje é intensamente copiado e parodiado, portanto, é um alívio ver que Butler não se rendeu a simples condição de imitação. Dentre outros pontos a serem destacados, o roteiro é muito feliz ao destacar o papel da imprensa na vida do músico, como a mídia o enaltecia ao mesmo tempo que os tabloides maliciosos tentavam a todo custo desestruturá-lo e destruí-lo. Também é um projeto cuidadoso ao grifar a influência da música black na carreira de Elvis, que foi a pedra angular de toda a sua obra e o que o tornou famoso e popular. Felizmente, não santifica seu retratado, mostrando o artista como um humano falho, o distanciando da aura mítica e deixando evidente o quanto sua trajetória foi marcada por inúmeros conflitos de ordem pessoal. Mas se tem um momento para ficar gravado na memória, este é sem dúvida, quando vemos Butler na pele de Elvis interpretando a belíssima (e minha favorita) Suspicious Minds em um momento crucial do longa – a letra traduzindo toda a sua relação profissional e pessoal com o controlador Parker. O longa peca um pouco na duração, mas é uma excelente cinebiografia.

Disponível em: HBO Max

Top Gun: Maverick (2022)
Direção: Joseph Kosinski
★★★

“Fale comigo, Goose!”

Sequência infinitamente superior ao original. Eu nunca entendi o hype de Top Gun. Acho o filme chato, sem sal, brega e desnecessário. Mas, por algum motivo inexplicável, ele se converteu em um fenômeno da cultura pop. Essa continuação chegou aos cinemas 28 anos depois do primeiro filme, trazendo novamente Tom Cruise na pele de Maverick, o piloto rebelde de 1986, agora uma lenda da aviação – mais por sua reputação do que pela sua carreira, visto que permanece como Capitão por um longo período de tempo, sem avançar de posto, não decolando (com o perdão do trocadilho), como era esperado de um piloto com suas habilidades. Pete Mitchell (nome original do piloto) é o mesmo troublemaker, que segue desafiando a morte, do primeiro longa dirigido por Tony Scott. Agora mais velho, sem ter formado família, guarda arrependimentos com relação ao passado e é incumbido (aliás, pressionado) da missão de retornar à Escola de Armas de Caça da Marinha dos Estados Unidos, popularmente conhecida como Top Gun. Desta vez, como instrutor de vôo com a finalidade de treinar um time composto pelos melhores dos melhores em uma missão altamente perigosa e praticamente suicida. O longa é perfeitamente nostálgico e suficientemente emocional para os fãs pelo seu tratamento de respeito ao legado dos personagens clássicos e inúmeras referências ao original em linhas de diálogo, composição de cenas, cenários e até mesmo na trilha sonora. Agrada aos machos reclamões da internet por ser um filme sem “lacrações” com bastante testosterona para hétero top nenhum botar defeito. É um passatempo divertidíssimo para os fãs de ação e aventura que podem apreciar uma obra com um nível elevado de tensão, adrenalina e entretenimento do início ao fim. E é de encher os olhos dos cinéfilos, fãs de visuais exuberantes, com as cenas aéreas de tirar o fôlego, magistralmente orquestradas – mérito da fotografia impressionante do premiado Claudio Miranda e da direção notável de Joseph Kosinski. Para completar, diferentemente do primeiro longa, não se estende no romance, mas também não o coloca em segundo plano. O filme dosa a história de amor (mais realista e menos água com açúcar do primeiro filme) com ação e drama na medida certa. Em suma, um ótimo filme.

Disponível em: Telecine

Os Banshees de Inisherin (2022)
Direção: Os Banshees de Inisherin
★★★

Em meio à guerra civil na Irlanda, em uma ilha no sul do país – a fictícia Inisherin – Pádraic (Colin Farrell) experimenta uma quebra na rotina quando seu melhor amigo, o velho senhor Colm Doherty (Brendan Gleeson), não se levanta de sua cadeira para ir ao costumeiro bar com ele. Mais tarde, Colm o informa que não quer mais ser seu amigo. A decisão é súbita e deixa Pádraic confuso, sem entender o que houve para que seu amigo deixasse de gostar dele. E a explicação não é lá muito satisfatória: Colm acha Padric chato, somente interessante quando está bebado. E não quer desperdiçar o pouco de vida que lhe resta jogando conversa fora com um homem vazio e chato. Mas, sim, fazendo música em seu violino. Embora o homem não esteja de todo errado, a repentina mudança de comportamento intriga os moradores da ilha, já que todos se conhecem e conhecem também os hábitos e rotinas uns dos outros. Com uma fotografia magistral que explora os cenários exuberantes da ilha e uma direção de arte belíssima, cada quadro de Os Banshees de Inisherin é um deleite visual. O roteiro leva a guerra civil irlandesa para um campo intimista, traduzindo-a por meio da história desses dois personagens. Chega um momento em que a guerra travada entre os dois extrapola os limites e ambos os lados do conflito acabam por ferir mais a si mesmos com suas próprias atitudes do que um ao outro. Um exemplo é quando Colm resolve ameaçar Pádraic, dizendo que irá se automutilar cada vez que o ex-amigo ousar se dirigir a ele. Uma atitude drástica na guerra pela conquista do silêncio de seu rival. Brutalmente delicado e comicamente trágico, Os Banshees de Inisherin trafega por temas como depressão e violência intrafamiliar, ao mesmo tempo em que reflete sobre solidão, partidas, perda de amizades, a busca de um sentido para uma vida vazia e, por fim, a morte. Gradativamente, vamos acompanhando o protagonista perdendo tudo aquilo que lhe é mais caro. Até mesmo a amizade com o excêntrico filho (Barry Keoghan) de um violento policial (Gary Lydon) e a companhia da irmã, Siobhán (Kerry Condon), com quem vive às turras e que sonha em deixar a loucura da ilha pra trás em busca de uma vida diferente. Apesar de ser irritante e incômodo o comportamento teimoso e egoísta do personagem central (lá pelas tantas, é inevitável o espectador sentir raiva dele, de suas atitudes e achar que a história está seguindo não só por um caminho muito sombrio, como absurdo e fatalista também), Colin Farrell aparece em momento sensível, atormentado e inspirado. E outros personagens ali são tão irritantes quanto ele, não dá pra negar. Incômodo é também o estereótipo irlandês que o longa abraça, de maneira ofensiva e caricata. Pode não ser o melhor filme da temporada de prêmios, mas é, no mínimo, inquietante, ainda mais por lançar uma discussão válida sobre o que é mais durável e memorável: a simpatia e a gentileza ou a obra e o legado de um homem? Para quem, como eu, não esperava muito do diretor de Três Anúncios Para um Crime, Martin McDonagh, esse Os Banshees de Inisherin surge como uma grata surpresa. O cineasta repete alguns dos inconvenientes e desagradáveis vícios do filme anterior que tornam a narrativa, por vezes, embaraçosa, mostrando que McDonagh não conhece (mas precisa conhecer com urgência) a palavra limites. De qualquer modo, é uma obra bem superior ao título que o antecede na filmografia do cineasta.

Disponível em: Cinemas

Andrizy Bento

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