[Cinema / Streaming] Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo – dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert e que lidera as indicações ao Oscar deste ano, concorrendo em 11 categorias – é um blockbuster sui generis que aborda um tema em alta atualmente no cinema, televisão, literatura e em toda a cultura pop: o multiverso.

Na trama, a imigrante chinesa Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é uma pacata, infeliz e estressada proprietária de uma lavanderia e vive em conflito com a filha, Joy (Stephanie Hsu), cuida do pai (o excepcional James Hong) que sempre a oprimiu, o comportamento do marido, Waymond (Ke Huy Quan) lhe desagrada constantemente e ela vive claustrofóbica no apartamento localizado acima do negócio que mantém com seu marido desde que ambos se casaram. Evelyn está sobrecarregada com a vida familiar e social, operando diariamente no piloto automático, abrindo a boca apenas para reclamar do pesado fardo que é sua vida e suas relações e enumerar a longa lista de tarefas que precisa cumprir.

É no elevador, a caminho de uma reunião de confronto com uma auditora da Receita Federal (Jamie Lee Curtis), correndo o risco de ter seus bens comerciais e pessoais apreendidos, que seu marido sofre uma súbita transformação de personalidade e lhe revela sobre o multiverso. Não há muito tempo a explicar e, portanto, Evelyn não consegue absorver todas as informações e nem levá-las a sério, afinal seu marido sempre foi, na percepção dela, um idiota. É somente quando estão cara a cara com a auditora e ela resolve seguir o passo a passo que Waymond anotou para ela no verso de um documento bombástico enquanto ainda estavam no elevador, que Evelyn percebe que seu marido (ou alguém muito parecido fisicamente com ele) não está para brincadeira.

O filme parte daquele conceito que já conhecemos sobre multiverso: cada decisão que tomamos na vida, por menor que seja, gera grandes mudanças em nossas vidas inteiras, proporcionando a existência de ramificações de um mesmo universo. No Alfaverso, que é onde tudo começou, a versão da Evelyn que existia por lá, era uma gênia que encontrou um modo de se conectar, ainda que temporariamente, a todas as suas versões ramificadas em diferentes realidades, absorvendo todas as suas habilidades, memórias e emoções. No entanto, há um mal rondando todos os mundos paralelos: um ser que se fragmentou e agora consegue acessar todas as dimensões ao mesmo tempo, planejando destruí-las, tragando todos os universos para dentro do nada. E, por algum motivo, acredita-se que a Evelyn com poder para conter o avanço da tal ameaça conhecida como Jobu Tupaki, é a frustrada dona da lavanderia.

A produção debocha de vários arquétipos e conceitos de sci-fis com temática similar. Mas não se dedica apenas a fazer troça, ser uma sátira do gênero ou se render à mera condição de paródia. Com características próprias, narrativa bem construída e um visual magnífico, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é um épico grandioso que vibra na frequência do drama, da ação e da comédia e trata de temas intimistas como a o núcleo familiar, a relação entre pais e filhos, o rompimento com as tradições, sugerindo abraçar a modernidade, ser você mesmo e abdicar da crença de que somos o centro do universo.

Tudo isso em meio a cenas de luta eximiamente coreografadas, comédia absurda, um senso de humor ácido, passagens grotescamente nonsense, diálogos existencialistas, muita bizarrice (especialmente no que diz respeito aos saltos multiversais) e uma overdose de referências a emblemáticos longas. Tem Ratatouille, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Amor à Flor da Pele, Matrix, Efeito Borboleta, filmes de Kung Fu, Super Mario, Jackass, TikTok, filtros de redes sociais e mais um punhado de pequenos e bem sacados tributos. Eis uma salada de influências díspares entre si, ao mesmo tempo que desponta como uma obra de rara originalidade.

Um alerta para os mais sensíveis: há várias cenas indigestas e desconcertantes também. Algumas sequências requerem estômago forte. É necessário comprar a brincadeira e se deixar guiar pelas sandices que tomam a tela. No mais, não há vergonha nenhuma em ser ridiculamente gentil ou ridiculamente sentimental ou simplesmente ridículo. A vida pode não passar de uma idiotice sem sentido, mas é importante que vivamos essa idiotice a pleno vapor. Tudo bem ser um desastre. Ainda mais um desastre dessa magnitude.

Pense da seguinte forma: se Wong Kar-Wai, Quentin Tarantino e David Lynch formassem um trisal e resolvessem ter um filho, esse seria Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. E desconfio que os três cinestas viveriam juntos em alguma dimensão em que eles teriam grandes dedos alongados que pareceriam com salsichas. No mais, só assistindo para entender. Inovador e revolucionário, um filme de vanguarda em meio a total mesmice que dominou nosso cinema mainstream de uns tempos para cá.

★★★★★

Andrizy Bento

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