Uma obra tocante, sensível e belíssima sobre o luto.

Este filme português, dirigido por Catarina Vasconcelos, acompanha a saga de uma família, desdobrando-se de maneira intimista e apresentando paralelos entre o clã familiar e a natureza. A obra revela-se como um ensaio; um híbrido de documentário e ficção, baseado na história da família da diretora, com especial foco em sua avó, Beatriz, que, aos 21 anos, casou-se com Henrique, um oficial da marinha. Com medo do mar, Beatriz permaneceu em terra firme, ficando em casa e cuidando dos seis filhos sozinha, enquanto o marido seguia a rotina marítima, perdendo importantes momentos do desenvolvimento de seus filhos e recebendo notícias de casa sempre que possível.

A mãe simboliza a árvore, com profundas raízes e galhos firmes e seguros. O pai é como o mar: distante, nostálgico, embalando a saudade em suas ondas. A mãe protetora com seus herdeiros, o pai saudoso de sua prole. Os filhos representam os pássaros, que pousam nos galhos da árvore mãe, a princípio com os pés bem fincados, sonhando em voar para perto do pai no mar que se expande indefinidamente. E, conforme o tempo passa, vão finalmente aprendendo a bater asas.

A cineasta é sagaz em sua analogia, apresentando ao espectador uma coleção de cenas plasticamente admiráveis que não se limitam a reproduzir o que está sendo narrado, evitando a redundância e revelando um perfeito casamento entre texto e imagem, onde um complemente o outro primorosamente.

A câmera se move muito pouco, optando por muitos planos fixos e planos detalhe. A câmera estática capta o momento, as ondas do mar, o desabrochar das flores, o pôr do sol, o farfalhar de folhas e galhos das árvores, os retratos da família sobre aparadores; deixando a vida acontecer na tela sem trucagens e compondo fotogramas de uma estética impressionante em sua simplicidade.

A Metamorfose dos Pássaros é um excelente exercício de semiótica, mas não é só tecnicamente perfeito. O roteiro possui alma e toca profundamente. Assisti ao filme praticamente um mês antes do falecimento de minha mãe. Ainda pude conversar com ela sobre a obra e eu nem imaginava o quanto esse filme seria essencial em me preparar para um momento tão difícil de luto. Portanto, não à toa, este foi o escolhido para ser o primeiro filme comentado por aqui em 2023.

Talvez não encante a todos, especialmente aqueles acostumados ao dinamismo do cinema hollywoodiano e as montagens aceleradas destes tempos de streamings. O longa de Catarina é mais lento e contemplativo, mas é importante reiterar que as imagens não soam como pura perfumaria. A Metamorfose dos Pássaros é a definição cinematográfica perfeita do que é nostalgia. Uma linda e pungente reflexão sobre o luto. A obra máxima sobre a saudade.

Apresentado pela primeira vez no Festival de Cinema de Berlim, em 2020, o filme encontra-se disponível na Netflix.

Andrizy Bento