Data de lançamento: 8 de dezembro de 1972
Duração: 39:04
Faixas: 7 faixas
Estilo: Hard Rock
Produção: Martin Birch
Gravadora: Purple Records
Lado A:
Highway Star
Child in Time
Lado B:
Smoke On The Water
The Mule
Lado C:
Strange Kind of Woman
Lazy
Lado D:
Space Trucking
Minha amiga, Adryz Herven, começou 2022 comemorando meio século do lançamento de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars, o disco mais celebrado da carreira de David Bowie. Decidi, conforme falei a ela, que vou encerrar o ano resenhando outro grande álbum, que também está festejando bodas de ouro.
É a primeira vez que eu resenho um disco ao vivo internacional. Assim como estou cumprindo a promessa que fiz no Cinco Discos Ao Vivo Gravados no Japão. Sua história é grande demais para caber em uma lista, mesmo sendo um dos discos ao vivo mais lembrados da história da música. Made in Japan é o primeiro registro ao vivo do grupo de hard rock inglês Deep Purple.
O quinteto egresso da capital inglesa, Londres, forma com os contemporâneos Black Sabbath e Led Zeppelin a trindade do rock inglês dos anos 1970. Da mesma forma que, na década anterior, a Inglaterra presenteou o mundo com The Beatles, Rolling Stones e The Who. Diferentemente de outras bandas, o Deep Purple não foi formado no colegial, mas, sim, por músicos com experiência em outros projetos. Sua primeira formação, também chamada de Mark 1 (ou MK 1), contava com Rod Evans (voz), Ritchie Blackmore (guitarra), Jon Lord (teclados), Nick Simper (baixo) e Ian Paice (bateria). Com ela, o quinteto foi contratado pela gravadora EMI e lançou os seus três primeiros discos, o Shades of Deep Purple (1968), The Book of Taliesyn (1969) e Deep Purple (1969).
Em 1969, o grupo sofreu sua primeira mudança na formação, com a saída de Rod Evans e Nick Simper. No lugar dos respectivos, ingressaram Ian Gillan (voz) e Roger Glover (baixo), vindos do grupo Episode Six. Com os dois novos componentes, o Deep Purple iniciou a sua formação clássica, conhecida como Mark 2 (ou MK 2), no disco Concerto for Group and Orchestra, em parceria com a Orquestra Sinfônica de Londres. Foi um desejo do Jon Lord, que tinha amizade com os integrantes da mencionada orquestra. Apesar de ter sido gravado em uma apresentação no lendário Royal Albert Hall, em Londres, esse não é um disco ao vivo oficial do Deep Purple, mas sim um álbum de parceria, embora tenha uma importância para o quinteto.
A parceria com a Orquestra Sinfônica de Londres ajudou o Deep Purple a moldar o seu estilo. A prova são os discos de estúdio que compõem sua trilogia de sucesso, como Deep Purple in Rock (1970), Fireball (1971) e Machine Head (1972). Foi nesse período que o grupo criou o seu próprio selo, a Purple Records, visando proteger suas canções das gravadoras. A mesma tática foi utilizada antes pelos seus compatriotas The Beatles (Apple Records) e The Rolling Stones (Rolling Stones Records). A Purple Records fez seu début em Machine Head, o sexto e mais celebrado álbum de estúdio do quinteto londrino. Foi na turnê desse disco que a banda foi ao Japão pela primeira vez, em agosto de 1972. Assim que desembarcaram na terra do sol nascente, os membros do Deep Purple foram recebidos como verdadeiras estrelas, ganhando até buquê de flores.
A ideia de gravar Made in Japan partiu da sucursal japonesa da EMI. Um dos executivos pediu para a banda gravar um disco ao vivo, em um dos shows no Japão, para lançá-lo exclusivamente no mercado japonês. Eis que a banda resolveu transformá-lo em disco ao vivo com lançamento mundial. Made in Japan teve como base os três shows da turnê japonesa, dias 15 e 16 no Festival Hall, em Osaka, além do dia 17 no Nippon Budokan Hall, na capital japonesa Tóquio. Festival Hall é um teatro, enquanto que o Budokan é uma arena de lutas, que ficou conhecida na Olimpíada de 1964, onde recebeu as lutas de judô. O mesmo Budokan recebeu novamente o judô e o estreante karatê nos Jogos Olímpicos de 2020.
Nenhuma das faixas do álbum contou com o recurso de overdubs (esquema usado em estúdio para esconder imperfeições das gravações). As faixas também não estão ligadas umas às outras, como um típico disco ao vivo, mas isso não tira o brilho de Made in Japan. Outra marca do álbum foi o improviso na maioria das canções. O que foi alvo de bronca dos punks paulistas no documentário brasileiro Botinada: A Origem do Punk no Brasil (2005), dirigido por Gastão Moreira, que adora o Deep Purple. O documentário ainda destaca a discordância entre paulistas e brasilienses, sobre o pioneirismo do gênero em nosso país. Me arrisco em dizer que o punk ajudou a reeducar o rock, diminuindo as improvisações nos shows. Voltando ao Made in Japan, o álbum ainda contou com a produção de Martin Birch, o mesmo de Machine Head.
O disco abre com Highway Star, um dos maiores sucessos do Deep Purple. Presente no álbum Machine Head, a letra fala sobre a paixão por carros. A segunda faixa é a psicodélica Child in Time que o quinteto gravou em Deep Purple in Rock, cuja letra fala da violência e suas consequências. Sua versão ao vivo contém improvisos, tanto que encerra o lado A do vinil. As duas faixas foram gravadas no segundo show, em Osaka, no dia 16 de agosto.
O lado B abre com Smoke On The Water, hino do Purple, gravado originalmente para Machine Head. A letra fala do famoso incidente no show do cantor americano Frank Zappa, no Cassino de Montreux, Suíça, em 4 de dezembro de 1971. Um espectador resolveu soltar fogos no local, dando início a um incêndio do qual todos, felizmente, escaparam, mas o cassino foi destruído. A banda iria gravar um disco ao vivo no local, mas teve que fazer outro álbum de inéditas, em um estúdio improvisado em um hotel na mesma Montreux, com a unidade móvel do grupo Rolling Stones. A versão ao vivo de Smoke On The Water foi gravada no primeiro show, em Osaka, no dia 15 de agosto. A segunda e última faixa do lado B é The Mule, lançada originalmente em Fireball. A versão ao vivo foi gravada no único show em realizado em Tóquio, no dia 17. A improvisação na faixa é o solo de bateria de Ian Paice.
O lado C abre com Strange Kind of Woman, gravada nas sessões de Fireball, mas que não entrou no álbum por falta de espaço no vinil. A faixa foi lançada em compacto, junto com a canção I’m Alone. Sua versão ao vivo foi gravada no segundo show em Osaka e a improvisação é o duelo entre a guitarra de Ritchie Blackmore e a voz de Ian Gillan. A segunda e última faixa do lado C é a jazzista Lazy, que marca presença em Machine Head. Assim como na original, Ian Gillan tocou gaita na versão ao vivo, que foi registrada no já mencionado único show em Tóquio. O improviso da vez é o solo de teclado de Jon Lord. Ainda, no meio da faixa, Ritchie Blackmore tirou na guitarra o tema musical do desenho animado Os Três Porquinhos.
Todo o lado D é ocupado por Space Truckin’, gravada originalmente em Machine Head. A versão ao vivo foi gravada no segundo show, em Osaka. A duração da faixa é 19:40, a mais longa do Made in Japan. Nos seus primeiros minutos, a canção mencionada fez a sua parte. Porém, a partir de 5:18 em diante, a faixa passa a ser comandada por um ritmo instrumental galopante, tirada do final de Mandrake Root, que o Deep Purple gravou em seu primeiro disco, o Shades of Deep Purple. Nela, o vocalista Ian Gillan resolveu tocar harmônicas, um hábito dele em shows quando não cantava nas faixas, seja no Deep Purple, na Ian Gillan Band ou até no Black Sabbath, com quem gravou apenas um disco, o Born Again (1983).
O Deep Purple não esqueceu do pedido feito pela sucursal japonesa da gravadora. O show em Tóquio resultou no disco Live in Japan, que depois virou item de colecionador. Em entrevista ao documentário Global Metal (2008), dirigido por Sam Dunn, o jornalista japonês Masa Itoh disse que o show do Deep Purple na capital japonesa foi tão surreal, que a banda de imediato virou lenda no país. No mesmo documentário, foi mostrado que, em Tóquio, há uma reunião de roqueiros veteranos em um bar chamado Blackmore’s, batizado em homenagem ao próprio Ritchie Blackmore.
Made in Japan não foi o único legado da primeira passagem do Deep Purple pelo Japão. O quinteto inglês se encantou pelas tietes japonesas. Isso inspirou o grupo a compor Woman From Tokyo, um de seus maiores sucessos e que abre o sétimo disco da banda, Who Do We Think We Are (1973). O álbum também influenciou várias bandas gringas, nos anos 1970, a gravarem discos ao vivo no Japão, tais como The Runaways, Cheap Trick, Scorpions e Judas Priest (só para citar alguns). Após encerrar as atividades, em 1976 (voltando em 1984), o Deep Purple lançou, no mesmo ano, o seu segundo disco ao vivo e com o título quase semelhante, o Made in Europe. Ele foi concebido pela Mark 3, com David Coverdale (voz) e Glenn Hughes (baixo).
O Deep Purple é tão querido no Japão, que a banda ainda gravou mais dois discos ao vivo no país. Em 1977, a banda lançou no mercado Last Concert in Japan, gravado no mencionado Budokan, em dezembro de 1975, durante a turnê do 10º disco Come Taste The Band (1975), o único álbum de estúdio da Mark 4, com o guitarrista Tommy Bolin. O álbum é uma homenagem ao mencionado músico, que morreu de overdose aos 25 anos, em 4 de dezembro de 1976. Tommy Bolin substituiu Ritchie Blackmore, que depois montou o Rainbow.
Trailer do documentário:
O terceiro disco ao vivo gravado no Japão é o … To The Rising Sun (2015), que também foi concebido no Budokan em 2014, além de ter sido lançado em DVD. A formação que o gravou era a Mark 7, com Steve Morse (guitarra) e Don Airey (teclados). O show era válido pela turnê do 19º disco Now What?! (2013). Em uma próxima ocasião, eu vou explicar as diferentes formações do Deep Purple.
Em 2002, o Deep Purple celebrou os 30 anos de Made in Japan, relançado o álbum com três faixas bônus: Black Night, Speed King e o cover de Lucille do Little Richard, ambos gravados em Budokan. O século XXI ainda ficou marcado por duas descobertas referentes à banda: os vídeos de shows registrados no Budokan na década de 1970. Primeiro, o concerto de 1975 e que resultou no Last Concert in Japan. Este foi lançado no Japão, em formato VHS, na década de 1980; e mundialmente junto ao DVD intitulado Phoenix Rising (2011), que conta a história do período MK3 e MK4.
Já do show de 1972, foi descoberta uma filmagem amadora, feita com uma câmera super-8 em preto e branco. A banda utilizou essas imagens em um documentário de 2014 que conta a história da gravação de Made in Japan. Na obra, além da formação que gravou o álbum em destaque, também foram incluídos depoimentos de Bruce Dickinson (Iron Maiden) e Lars Ulrich (Metallica). Aliás, foi este último que introduziu o Deep Purple ao Rock and Roll Hall of Fame, em 2016.
Windson Alves