[Cinema] Adão Negro

Com ação ininterrupta e um CGI respeitável, Adão Negro segue a cartilha dos filmes de herói mais tradicionais, se apresentando como uma aventura descaradamente cartunesca e soando, por vezes, como uma autoparódia do gênero, ao mesclar elementos e referências de outras produções grifando o tom de autocrítica.

O longa dirigido por Jaume Collet-Serra e estrelado por Dwayne “The Rock” Johnson (com uma presença admirável) não se preocupa muito com exposições. O público em geral já está acostumado com o sistema cosmogônico dos super-heróis de quadrinhos transpostos para as telas e entende como funciona esse universo. É claro que a produção dedica algumas cenas a explanar suas origens, mas nada muito didático. A produção avança em clímax constante, praticamente sem pausa para respiro, abusando da pirotecnia.

Baseado nas HQs da DC Comics, Adão Negro tem início 5.000 anos antes da era atual, no fictício Kahndaq – um país árabe situado no continente africano. O povo da nação Kahndaqiana é escravizado por um rei tirano que os força a extrair um mineral poderoso do solo do país, utilizado como fonte de energia mágica para armas e veículos, o Eternium. Quando Teth-Adam, um dos meninos escravizados, em posse de um pouco da substância, se levanta contra o rei, a população explorada daquela nação assiste ao início de uma revolução e vê no garoto um herói, um líder que ousou desafiar a autoridade máxima dispondo apenas de um recurso: a coragem, que lhe é inata.

Qualquer um consideraria impossível uma vitória de um garoto escravo contra um rei poderoso e seu fiel exército. Mas quando está a ponto de ser executado, Teth-Adam é salvo pelo Conselho dos Magos que lhe concede superpoderes e uma palavra passe para acessá-los: Shazam! Tem início uma lenda. O herói idolatrado pelo povo e com um poder imbatível surge para libertar Kahndaq, contudo, some após derrotar o rei.

Na Kahndaq dos tempos atuais, no entanto, pouca coisa mudou. A forma de escravidão do povo é que se modernizou, mas agora a terra encontra-se ocupada por uma organização criminosa com força militar, a Intergangue. Os invasores dominaram o país à procura de Eternium. Diante da ocupação e da violência da Intergangue, a professora Adrianna (Sarah Shahi), auxiliada pelo filho, o skatista Amon (Bodhi Sabongui), e seu irmão, Karim (Mohammed Amer), se compromete a encontrar a Coroa de Sabbac – um dispositivo que ela planeja manter seguro, longe das mãos dos invasores, pois do contrário, poderia causar um enorme estrago.

Em sua busca por esse instrumento – forjado pelo antigo rei, a partir de uma quantidade razoável de Eternium, com instruções gravadas para ativá-la e que tem por finalidade abrir as portas do submundo – Adrianna acaba libertando o Adão Negro. A verdade sobre Teth-Adam é revelada. Ao invés de um guerreiro que luta por justiça, ele é um anti-herói sem limites éticos ou morais. O despertar de um ser tão poderoso quanto perigoso chama a atenção de Amanda Waller (Viola Davis), mentora do Esquadrão Suicida, que convoca um time de super-heróis mais alternativos da DC a fim de parar o anti-herói: a Sociedade da Justiça.

Como já foi pontuado aqui em outros artigos, a DC costuma trabalhar com deuses e mitos e explorar muito bem sua gênese e sua posterior adaptação ao mundo moderno, bem como a recepção da população diante de seres míticos. A editora, salvo exceções, sempre seguiu pelo caminho contrário ao da Marvel Comics, que costuma dar mais protagonismo a indivíduos comuns modificados cientificamente e que se tornam heróis por força das circunstâncias, provocando uma identificação maior com o público. Em sua maioria, as lendas da DC já foram concebidas com o poder e o entendimento de que surgiram com o peso de salvar o mundo e a humanidade. Nesse ponto,  o longa que adapta Adão Negro para as telas é bem-sucedido.

O filme também acerta em seu teor autorreferente, tirando o máximo de proveito possível da canastrice de Dwayne Johnson, brincando com os clichês de filmes de super-heróis (e dá-lhe explosões como plano de fundo de cenas que trazem o anti-herói em primeiro plano, com a clássica pose de machão que não se deixa afetar por algumas faíscas) e fazendo alusão a velhos westerns (com direito a um filme estrelado por Clint Eastwood sendo exibido na TV) e até a The Walking Dead!

Isso sem contar as diversas similaridades entre os heróis apresentados aqui e outras produções do gênero, especialmente da Marvel. A Sociedade da Justiça convocada por Waller traz suas próprias versões de personagens que já vimos em outros longas por aí. Impossível não comparar Gavião Negro (Aldis Hodge) a Pantera Negra, Senhor Destino (Pierce Brosnan) a Doutor Estranho, Esmaga-Átomo (Noah Centineo) a Homem-Formiga (com um toque do Homem-Aranha de Tom Holland), Ciclone (Quintessa Swindell) a Tempestade, Eternium a Vibranium, a aeronave utilizada pela equipe ao X-Jet dos X-Men (com direito a uma cena que evoca o primeiro longa dos mutantes, de 2000, quando o chão da quadra de basquete se abre e dele sai o jato dos mutantes pilotado por Ciclope).

As semelhanças não param por aí. É possível traçar paralelos entre os conflitos protagonizados por Gavião e Adão Negro e as tretas vividas por Capitão América e Homem de Ferro no primeiro filme dos Vingadores como equipe. O jato da Sociedade da Justiça também traz uma tecnologia holográfica reminiscente da Holotable onipresente nos filmes dos Vingadores e de Agents of SHIELD.

Obviamente, é necessário fazer vista grossa para uma série de aspectos, como por exemplo, ao mesmo tempo em que o povo oprimido de Kahndaq adora o Teth-Adam, o personagem avança destruindo cidades ao lutar contra os vilões, causando o prejuízo típico de filmes dessa estirpe. Para quem apreciou a sinfonia de destruição dos longas dirigidos por Zack Snyder para o DCEU, Adão Negro é o crème de la crème no quesito explosões e pirotecnia. Incomoda um pouco o fato de o personagem-título ser praticamente indestrutível, mas lógico que, lá pelas tantas, ele apresenta uma vulnerabilidade que o leva a reversão de poderes. Algo um tanto simplista e previsível. O rancor e violência que amaldiçoam a existência do anti-herói e mesmo sua história de vingança são ancoradas na perda de sua família. É algo comum, mas que soa como uma justificativa razoável.

Nem toda tentativa de piadinha funciona, mas as tiradas do protagonista são bem espirituosas, temperadas com um humor orgânico, possível por conta da limitação de expressividade de Dwayne Johnson que as torna engraçadas quase que involuntariamente. O problemático filtro amarelo utilizado para retratar países subdesenvolvidos no grande ecrã está lá. E os excessos musicais são tão exaustivos quanto em Aquaman.

Munido de méritos e deméritos, e com um saldo negativo de críticas lá fora, Adão Negro é uma daquelas bobagens divertidas, um bom filme ruim que mantém o senso de diversão em alta durante toda a projeção. Não emociona como um Wakanda Forever, mas entretém os fãs dos filmes de ação, especialmente quem curte os pastiches protagonizados por The Rock.

Andrizy Bento

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