Me peguei julgando a protagonista de Maid em vários momentos enquanto maratonava a série da Netflix. Foi não apenas difícil como doloroso assistir a uma pessoa sempre se voltando para aqueles que costumavam sabotá-la em todas as oportunidades possíveis (a saber: o ex-namorado e a mãe). Mas isso parte de uma perspectiva pessoal. Eu sempre afastei do meu caminho pessoas que me sabotavam. Isso porque eu não precisava de pessoas que fizessem por mim o que eu sempre fui capaz de fazer por mim mesma…
Isso mesmo. Eu me autossaboto constantemente. Eu mesma arruíno minhas chances sempre que me percebo no caminho certo de possibilidades de mudanças positivas. Foi quando me voltei para essa reflexão sobre mim mesma que parei de julgar a protagonista de Maid. Cada um tem sua história e suas dificuldades; às vezes estamos tão presos a uma determinada situação que não enxergamos outra saída a não ser permanecer na rotina em que estamos. Mudar exige não somente esforço mental e físico de um indivíduo como depende de vários outros fatores: financeiros, ambientais, culturais, às vezes familiares…
Aquela linha do filme Closer de Mike Nichols não poderia ser mais certeira: “você ama quem você ama, não importa quem você ama”. E Alex (Margaret Qualley), a personagem central de Maid, ama sua mãe, Paula (Andie MacDowell), sua filha, Maddy (Rylea Nevaeh Whittet) e até mesmo o ex-namorado, Sean (Nick Robinson). E nesse último caso, eu nem falo de amor físico, carnal, ou do sentimento que serve de base e sustentação para um relacionamento amoroso. O amor a que me refiro diz muito mais respeito a carinho e preocupação. Ela quer que ele mude, amadureça e largue o vício em álcool, pois deseja que sua filha usufrua da chance de ter um bom pai. E ela está acostumada a cuidar da mãe desde pequena; se sente responsável e culpada quando algo de ruim ocorre com Paula, que é bipolar não diagnosticada.
Disponível no catálogo do serviço de streaming desde outubro do ano passado, a produção da Netflix composta de dez episódios e que fez barulho na ocasião de seu lançamento, não apenas versa sobre, mas exemplifica muito bem temas como violência doméstica, abuso psicológico e patrimonial, maternidade solo, transtornos mentais, alcoolismo, machismo estrutural e preconceito social.
No primeiro episódio, Alex toma coragem e deixa o trailer em que morava com o ex-namorado. Com a filha no colo, ela vai parar em um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica. Logo, ela aprende que agressão não é apenas física, mas que violência psicológica também se configura desse modo. Dependendo de burocráticos programas de assistência do governo, Alex arranja um trabalho como empregada doméstica. Cada casa que ela limpa traz personagens e histórias diferentes. Algumas ternas e fascinantes, outras repelentes e assustadoras.
A estrutura narrativa se apoia demais na lógica do uma desgraça nunca vem só, mas muitas vezes é assim mesmo que funciona a vida. Parece que o universo conspira para que tudo de desagradável aconteça ao mesmo tempo para nos impulsionar para frente ou para trás. E não, não depende apenas de nós. Somos forçados a buscar mudanças drásticas, correndo riscos de perder o pouco que nos resta ou voltarmos atrás na decisão e permanecer em uma zona de conforto que traz conforto apenas no nome, mas é totalmente desconfortável. No caso da protagonista de Maid, ou ela segue em frente correndo o risco de não ter onde dormir com sua filha e nem mesmo ter o que comer ao se aventurar em busca de uma vida diferente, ou volta a viver com o ex-namorado no trailer dele e dependendo dos míseros dólares que ele ganha em seu emprego como barman.
O fato é que Alex já tem um histórico de abusos desde a infância, por ter presenciado a mãe sendo vítima de agressões. Ela não quer o mesmo para sua filha; que ela cresça traumatizada, sentindo medo e se vendo impotente diante de homens violentos.
Com um desenvolvimento, na maior parte do tempo, assertivo, personagens vão se redimindo e outros mostram que não eram tão aliados quanto pareciam. A metáfora visual da personagem sendo engolida pelo sofá e indo parar no fundo do poço é a que melhor ilustra a depressão. Nós, espectadores, torcemos para que ela reaja, mas só quem já viveu episódios depressivos, sabe que não é tão simples assim. É quando nos tornamos nossos piores inimigos, lutando contra nós mesmos.
Não cabe o julgamento à protagonista. Sem rede de apoio para cuidar da filha, sem casa, carro, emprego e dinheiro, só lhe resta recorrer às únicas pessoas que ela tem em sua vida, que são justamente aquelas que a machucaram e a levaram à situação em que se encontra. No percurso, Alex tem várias oportunidades destruídas.
Dentre os deméritos, estão algumas sequências dispensáveis como quando Alex avalia perfis de diferentes homens em um aplicativo de encontros e o momento em que ela finalmente alcança uma vitória e sai dançando por diversos espaços da cidade, como se estrelasse um musical de Hollywood. Entendo que é para dar leveza a uma série majoritariamente carregada e intensamente dramática, mas tira um pouco a trama dos eixos. Acredito que a história poderia ser contada em menos episódios, pois a minissérie é constituída de alguns fillers (há quanto tempo não uso essa palavra!) e o roteiro acaba soando redundante.
Mas nada disso diminui as qualidades da produção, que conta com boas atuações, especialmente da protagonista, Margaret Qualley, e de Nick Robinson (quem diria que o simpático protagonista de Love, Simon seria responsável por um dos papéis mais odiosos da minissérie?) e a garotinha que interpreta a filha, Maddy, é uma graça, sorridente e uma prodígio no campo da atuação. Quem está acima do tom é Andie MacDowell, que nunca foi uma grande atriz, mas cujos excessos são um tanto constrangedores nessa produção.
Vale ver porque espelha a realidade de muitas mulheres que conhecemos; para entendermos melhor o quanto a maternidade pode ser um ofício solitário – o papel de cuidar dos filhos, na maioria das vezes, sempre pesa mais para o lado da mãe -; porque tantas mulheres acabam retornando à convivência com parceiros abusivos, mesmo com medo, mesmo cobertas de feridas e cicatrizes desses relacionamentos. Existe uma gama de fatores que vai muito além de dependência emocional e afetiva. E espero que seja uma série que faça muitas de nós, mulheres, pararmos de julgar umas às outras por tais decisões.
Andrizy Bento