Drama intimista sul-coreano é um retrato contundente e preciso da solidão e da zona de conforto.
Aloners é inquietante. Perturbador, até. Talvez porque faça com que muitos de nós nos vejamos refletidos na protagonista. O longa de 2021, dirigido por Hong Sung-eun, acompanha a rotina praticamente imutável de Jina (Gong Seung-yeon), operadora de telemarketing em uma empresa de cartão de crédito. Parecendo confortável com seu dia a dia, seguindo sempre os mesmos passos e fazendo os mesmos trajetos de casa para o trabalho, do trabalho para casa, com uma pausa para o almoço, indo sempre ao mesmo restaurante e escolhendo sempre o mesmo prato, ela parece preferir a solidão.
Munida de seu inseparável celular e fones de ouvido sempre a postos, Jina evita as ligações e o contato pessoal com o pai, com quem possui conflitos mal resolvidos e problemas de convivência. A garota mantém uma aura de melancolia nevoenta ao seu redor, mesmo antes da morte da mãe, sempre mostrando-se apática e fria, não fazendo questão de se conectar às pessoas ao seu redor e sem se importar com o fato de que, muito provavelmente, ninguém nem perceberia sua ausência se ela, um dia, fosse embora do lugar em que vive.
A única coisa que Jina faz para fugir de sua realidade sem graça é afundar no entretenimento escapista ofertado por plataformas de vídeo e redes sociais. Assim, a protagonista divide seu tempo entre o módulo cubicular em que atende no call center em que trabalha e se fechar na claustrofobia de seu pequeno apartamento.
Contra sua vontade, Jina experimenta uma ruptura em sua rotina quando é designada por sua chefe para treinar uma novata no trabalho, Sujin (Jeong Da-eun). A nova funcionária tenta a todo custo conquistar sua atenção e simpatia, procurando ser amável, mas acabando por soar inconveniente. Outro fato que abala seu cotidiano é a morte de seu vizinho no bloco de apartamentos onde reside. Solitário como ela, o garoto morre soterrado por revistas pornográficas. A partir daí, a protagonista passa a repensar sua vida, a espiar o vazio em que se encontra, refletindo sobre o isolamento no qual mergulhou e do qual nunca mais submergiu. Pela primeira vez, o fato de ser antissocial parece lhe incomodar, bem como a ideia de ser excluída da sociedade por conta de seu jeito tímido de ser e de seu emprego, que a torna alvo de constantes grosserias e agressões verbais por telefone.
Atormentada por suas próprias emoções acarretadas pelas súbitas mudanças em sua rotina (novo vizinho, desconfianças sobre o pai, o comportamento da nova colega de trabalho), parece que algum botão é pressionado dentro de Jina e ela para de agir tão mecanicamente para experimentar sensações mais humanas. Mas isso não parece um alívio e nem lhe traz um sentimento de libertação. Pelo contrário, a deixa desnorteada e sem saber como proceder diante de situações comuns de sua vida, como um simples almoço ou uma ligação de um cliente no trabalho. Ela sente que perde o controle de sua vida e não consegue compreender se isso é bom ou ruim.
Aloners aposta nos longos e desconcertantes silêncios, pontuados por alguns poucos, mas significativos diálogos. Investe em uma atmosfera urbana para compor um retrato exato e objetivo da geração atual, imersa nos conteúdos que pode acessar fácil e rapidamente por meio do smartphone. Além dos ambientes clean que contribuem na transmissão da ideia do quão enfadonho, prosaico e desprovido de riscos e surpresas é o universo da protagonista, o figurino e visual de Jina também pouco sofrem alterações no decorrer do filme. A cinematografia alterna, de maneira sublime, entre close-ups que captam com exatidão a melancolia e o vazio no olhar da personagem central e planos médios e gerais que enfatizam o quanto Jina está completamente sozinha em uma cidade extremamente populosa, imersa em seu próprio eu e em seu smartphone.
Aloners está disponível para assinantes na plataforma Mubi.
Andrizy Bento