“Three is the magic number”
O terceiro longa da trilogia do aracnídeo, estrelada por Tom Holland, se encaixa naquela categoria de filme-evento, em que o lançamento em si é considerado um evento cultural tão importante quanto a própria produção e os fãs aguardam ansiosos a estreia que vem cercada de inúmeras expectativas. Comparável ao alarde em torno de Vingadores: Ultimato, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa também foi aquele filme em que o público digladiou por um ingresso para a pré-estreia, temendo o risco de spoilers que poderiam prejudicar a experiência dentro da sala de cinema – em que o fator surpresa é fundamental e desperta as reações mais interessantes dos espectadores presentes.
A Sony Pictures, responsável pela distribuição do filme, em uma estratégia para evitar o vazamento dos tão desagradáveis spoilers, barrou cabines de imprensa para outras praças fora de São Paulo, um verdadeiro desrespeito com jornalistas culturais… Mas não vou me delongar neste tópico. Vamos falar do terceiro filme do teioso que, sim, é um grandioso entretenimento e digno de se presenciar no grande ecrã.
É Jon Watts que ocupa novamente a cadeira de diretor em Sem Volta Para Casa. Eu já falei diversas vezes (o discurso chega até a ser cansativo) sobre a zona de conforto da Marvel Studios. Com isso, eu não quero dizer que as produções que integram o Universo Cinematográfico da Marvel sejam burocráticos; mas são, de maneira recorrente, reféns de uma fórmula e têm muito mais a cara de seus produtores do que dos diretores. Watts não foge muito à regra e emprega os elementos característicos da cartilha do MCU, contudo, não deixa de, ao menos, tentar conferir certa personalidade aos longas, ainda que com limitações.
Em De Volta ao Lar, o realizador recheou sua trama de referências visuais e narrativas a clássicos adolescentes dos anos 1980 de maneira bem orgânica, sem soar anacrônico, jamais se esquecendo que estava lidando com um elenco GenZ, que cresceu na era da internet. Por mais que tenha cometido seus tropeços e deslizes com Longe de Casa, sendo esta uma produção bastante aquém de seu potencial e quase dispensável no que diz respeito à estrutura do MCU, ainda assim, Watts deixa evidente que é um diretor honesto e cheio de boas intenções. Sem Volta Para Casa, por sua vez, é puro fanservice; um deleite para os fãs do Miranha. Mas o cineasta não deixa de conferir solidez à história que está contando na tela, tornando a trama funcional. De modo que, o que poderia ser apenas conveniência de roteiro (ao trazer de volta personagens clássicos dos filmes anteriores do teioso, protagonizados por Tobey Maguire e Andrew Garfield), tem real propósito na narrativa.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. E a responsabilidade de Jon Watts e dos roteiristas, Chris McKenna e Erik Sommers era respeitar o legado de um herói emblemático que transcendeu o universo em que foi concebido, as HQS, e trilhou uma trajetória bem-sucedida em outras mídias, como desenhos animados, jogos de videogame e, lógico, o cinema. O maior mérito da nova trilogia do Aracnídeo continua sendo a humanização do herói.
Peter Parker provoca uma identificação imediata no público, por ser aquele adolescente meio desajustado, que se vira como pode, precisa focar nos estudos, se preocupa demasiadamente com os amigos e com a tia (sua única família) e se vê em uma encruzilhada ao adquirir superpoderes em plena puberdade. Já não é fácil lidar com todas as mudanças físicas, emocionais e psicológicas dessa fase da vida, imagine então passar por tamanha transformação? Ele se empenha para se adaptar à nova realidade, ao mesmo tempo em que faz esforços hercúleos para manter seu segredo em segurança. Entende que, com os poderes adquiridos, seu dever é ajudar as outras pessoas, mas não deixa de ficar um tanto deslumbrado com o que pode fazer.
Em Sem Volta Para Casa, ele inicia em um novo patamar. Lutou ao lado dos Vingadores contra o poderoso Thanos (Josh Brolin), está namorando M.J. (Zendaya) e finalmente parece mais seguro de si e autoconfiante. No entanto, após ter sua identidade revelada pelo vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) no filme anterior, e um vídeo com essa confissão ser veiculado pelo controverso J. Jonah Jameson (J.K. Simmons de volta, yay!), um dos maiores detratores do herói, agora Peter Parker é a personalidade mais famosa e demonizada do mundo. Não apenas ele, mas as pessoas que ama também passam a ser alvos de perseguição da mídia, como sua tia May (Marisa Tomei), o antigo guarda-costas de Tony Stark, Happy Hogan (Jon Favreau), seu amigo Ned (Jacob Batalon) e a namorada, M.J. Todos estão no meio do caos em que a vida privada, e agora pública, de Peter se tornou. E tudo o que o jovem quer é passar em uma boa universidade e viver o mais próximo de uma vida normal que o fardo de ser um herói conhecido é capaz de lhe permitir.
Com o futuro de seus amigos de ter uma boa carreira universitária em risco, Peter fica na linha tênue entre o altruísmo e o egoísmo. Por um lado, ele quer modificar a realidade por se preocupar com Ned e M.J., colocando-os acima dele mesmo e de seus sonhos e necessidades. No entanto, ao fazer isso, ele põe em risco todo o tecido espaço-tempo. Na ânsia de corrigir seu próprio microverso, acessa acidentalmente o multiverso, com o auxílio do mago Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), causando consequências desastrosas e trazendo o melhor e o pior de outras realidades alternativas.
Apesar de ficar devendo no quesito ação (nenhuma luta é realmente memorável, a não ser pelo confronto entre o Peter de Holland e o Duende Verde) e os efeitos especiais serem apenas funcionais e nunca impressionantes, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é um entretenimento emocionante e o filme desta trilogia do Miranha que melhor retrata a jornada de amadurecimento do herói, além de um eficiente desenvolvimento dos personagens secundários.
A tragédia sempre foi o elemento que despertou tanto o lado heroico quanto o mais sombrio do Homem-Aranha. A duras penas, ele percebe que seu dever é ir em busca de justiça e não de vingança; que deve reconhecer sua culpa, mas não se deixar ser consumido por ela; e que, embora não haja reparação pelas vidas que se perderam pelo caminho, seus poderes são recursos valiosos de auxílio e assistência a todos aqueles que se encontram em perigo.
Em suma, o longa reflete a essência do Aranha que nos acostumamos a ler nos quadrinhos da Marvel Comics e que os filmes de Sam Raimi, no começo dos anos 2000, tão bem souberam emular na tela. Peter, mesmo cometendo erros e sendo abalado por tragédias pessoais, não perde aquela aura genuína. Procura seguir em frente, mantendo seu bom-humor, mas nunca se esquecendo dos sacrifícios que outros fizeram por ele e que se tornam seu combustível para lutar pelo que acredita ser o certo.
O novo exemplar do Aranha nas telas, acrescenta uma agridoce e bem-vinda dose de melancolia à uma trilogia divertida e dinâmica, ilustrando uma metáfora acertada do crescimento de um herói adolescente. E, com todo respeito a Tobey Maguire (de quem sou fã confessa da interpretação) e a Andrew Garfield, Peter Parker encontrou em Tom Holland seu intérprete ideal.
ATENÇÃO PARA A RODADA DE SPOILERS:
- A interação entre os três Homem-Aranhas – Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland – é deliciosamente cômica e emocionante. Tobey estrelou os filmes do Miranha que marcaram minha adolescência. Eu nunca tive grande simpatia por Andrew, mas gostei da participação dele neste filme.
- O melhor de tudo é ver como mantiveram, neste filme, as personalidades dos três Peter Parker: o mais ácido e humano de Tobey; o, ao mesmo tempo, sentimental e bem-humorado de Andrew; e o nerd conectado com espírito curioso e juvenil de Tom Holland.
- O roteiro arranja um modo funcional e genuíno de conectar e encerrar o legado dos vilões lendários (destaque para os brilhantes Willem Dafoe e Alfred Molina como Duende Verde e Dr. Octopus e o sempre carismático Jamie Foxx como Electro) e dos Homem-Aranhas dos filmes predecessores.
- Além das inúmeras referências, existe um tom de autocrítica e autossátira que é muito bem representado por Tobey e Andrew acerca dos filmes que protagonizaram.
- Utilizar um mashup das trilhas sonoras daqueles longas é uma mostra de carinho e respeito pelo que os filmes de Sam Raimi e Marc Webb representaram na mitologia do teioso.
- O que une os diferentes Peters é a perda de um ente querido, assim como na excelente animação Homem-Aranha no Aranhaverso. Aliás, há uma referência a Miles Morales também! E é inegável o quanto este Sem Volta Para Casa bebe da fonte de Aranhaverso, levando em consideração o sucesso da animação que, inclusive, saiu ganhadora de um Oscar.
- O filme ainda conta com a participação especial (minúscula e até mesmo gratuita) do advogado Matt Murdock, o Demolidor, novamente interpretado por Charlie Cox da série da Netflix. Ele abraça o caso de Parker no início do filme, quando nenhum outro advogado se dispõe a defendê-lo. Parece que Murdock só está ali para deixar nítido que o demônio de Hell’s Kitchen da Netflix é canônico e integra o MCU.
* FIM DOS SPOILERS *
Pessoal, gostaria de desejar um feliz 2022 para todos os leitores do Bloggallerya. Ano que vem, o site irá passar por pequenas mudanças – sendo (ainda) mais focado em artigos atemporais. Contudo, os posts de lançamentos de filmes, livros e quadrinhos, bem como algumas resenhas de filmes novos continuarão. Espero que vocês continuem com a gente! Muito obrigada pelas pouco mais de 64.000 visitas! Nosso maior índice anual até então.
Andrizy Bento
2 comentários em “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”