Tornou-se assustadoramente comum abrirmos o facebook e nos depararmos com notas de luto nestes tempos de pandemia. Portanto, o novo livro de Chimamanda Ngozi Adichie, Notas Sobre o Luto, surge no momento ideal. A escritora nigeriana traduziu a experiência e o sentimento de maneira precisa e poderosa.
Foi por meio de uma chamada de zoom, durante o início do lockdown no ano passado, que a escritora recebeu a notícia de que seu pai havia falecido. Chimamanda recebeu a notícia como muitos de nós receberíamos a notícia da perda de um ente querido: primeiro com descrédito, depois sentiu revolta, entrou em desespero e, por fim, sentiu-se devastada, aos pedaços. Lidar com luto nunca foi fácil, falo por experiência própria. Já lidei algumas vezes com isso nos últimos anos. Porém, nestes tempos em que vivemos, a dor parece ainda mais insuportável diante da certeza de que aqueles responsáveis por gerenciar crises estivessem lidando com o problema de maneira mais responsável, não estaríamos passando por todas essas perdas.
A autora descreve o luto e todas as suas fases com extrema sensibilidade – em cada capítulo, ela foca em uma emoção diferente: a tristeza, a raiva, o medo de perder mais alguém, o ressentimento que nos leva a ter estranhos e amargos pensamentos (“Como assim a vida ousa continuar? As pessoas continuam vivendo normalmente? A vida não deveria parar?”). A vida não só não para, como obriga os que ficam a serem fortes, seguir em frente e, pior ainda, planejar e cumprir rituais a contragosto. É de admirar a resiliência de sua família, e de qualquer família que experiência o luto, diante do fato inesperado, tendo de organizar um funeral e lidar com outras questões burocráticas consequentes desse momento fatídico.
Para quem já passou por isso, a identificação é imediata. Particularmente, me identifiquei especialmente no trecho em que a autora divaga sobre as palavras de conforto transmitidas por amigos, colegas, agregados, conhecidos e parentes distantes. Elas vêm carregadas de boas intenções, mas conseguem machucar mais do que um simples e sincero “sinto muito”. Ironicamente, quem já viveu o luto, é quem mais tem dificuldade em expressar alguma palavra de alento, pelo simples fato de saber que palavras não são suficientes para aliviar a dor. Eu sempre preferi ouvir e dizer apenas “sinto muito”. É suficiente.
A autora ainda divaga sobre a primeira vez em que falamos sobre a pessoa que perdemos no passado (a certeza incontestável e incontornável de que ela não está mais aqui). Também pontua que o luto se trata de uma experiência individual, ainda que acometa a todos universalmente em algum momento da vida – fato é que cada um lida de forma diferente com o luto e não cabe a ninguém julgar.
Notas Sobre o Luto é avassalador. Mas, contraditoriamente, soa como um afago na alma. Como um abraço de uma escritora machucada pela perda e que entende tão bem o sentimento pelo qual tantos de nós passamos. Chimamanda é objetiva nas palavras, mas não economiza em sentimentos, compondo uma obra profunda, sutil e arrasadora. Uma leitura indispensável nesses tempos atuais. O relato mais sincero, comovente e tocante sobre o luto durante uma pandemia.
Andrizy Bento