Última obra assinada por Ernest Hemingway, o breve O Velho e o Mar é considerado o canto do cisne do autor. Após um longo hiato de dez anos desde o lançamento do bem-sucedido Por Quem Os Sinos Dobram, de 1940, Hemingway retornava à literatura com o insucesso Na Outra Margem, Entre as Árvores, lançado em 1950. Diante das duras e negativas avaliações que o romance recebeu, o expoente da Geração Perdida passou a ser considerado pela crítica especializada um escritor combalido e em fim de carreira. No entanto, O Velho e o Mar veio para mostrar que os ditos especialistas estavam redondamente enganados – o que não foi a primeira e nem a última vez, convém dizer.
Publicado originalmente na revista Life, em setembro de 1952, sua origem, no entanto, é um pouco mais antiga. O conto surgiu de um texto assinado pelo autor e publicado na revista Esquire em abril de 1936, intitulado “On the blue water: a Gulf Stream letter”. Durante os anos em que viveu em Cuba, Hemingway foi aprimorando sua narrativa, até conceber O Velho e o Mar, uma história que parece guardar paralelos com sua própria condição como escritor.

A trama acompanha o desafortunado pescador cubano Santiago, um homem simples já de idade avançada que está há 84 dias sem conseguir fisgar nenhum peixe. Devido à má sorte do velho pescador, seu aprendiz, Manolin, é pressionado pelos pais para que troque de barco, pulando para algum que lhe traga melhores resultados. No entanto, o jovem se afeiçoa a Santiago e é devido aos constantes incentivos do ex-ajudante, que o protagonista se lança em alto-mar, munido de autoconfiança, para a pesca de sua vida. É assim que Santiago conquista a proeza de fisgar um enorme Marlim de proporções nunca dantes vistas: o peixe possui cerca de 700 quilos.
Narrado como se a história acontecesse em tempo real, Hemingway apresenta todos os pormenores da luta de Santiago contra o mar, na tentativa de garantir que sua presa chegue intacta à terra firme. O pescador se depara com inúmeros desafios e perigos que rondam sua pesca no trajeto de volta para casa e a devoram sem clemência, sobrando nada além do que os restos mortais de sua pesca como prova cabal de sua conquista e de sua derrota ao chegar à costa cubana. A narração dos fatos, da ação, das emoções do desventurado pescador, bem como a descrição física das proporções do peixe é minuciosa, porém, precisa e objetiva, sem jamais tornar a história enfadonha. O autor não se atém a detalhes irrelevantes, contemplando em sua concisa narrativa apenas o que, de fato, vem fazer alguma diferença à história.
Hemingway rejeitava interpretações mais profundas e reflexivas desta obra, afirmando que seu texto nada tinha de metafórico ou alegórico. Tratava-se simplesmente de uma história breve, direta e sucinta sobre um velho e sua disputa com os perigos existentes no mar que terminam por estraçalhar sua pesca. Mas com todo o respeito que devo à memória do escritor, é impossível negar ou abrir mão de identificar os simbolismos presentes em seu texto, pois estes parecem intrínsecos à obra. Talvez o próprio não tenha percebido que ele narrou o seu próprio processo artístico, partindo de uma alegoria.
Como afirma o escritor e pesquisador Alberto Menguel, no recente Notas Para Uma Definição do Leitor ideal (Edições Sesc SP, 2021) : “Um texto depende da leitura que os leitores escolhem fazer. Toda leitura, no seu sentido mais profundo, é subversiva”. Em outro trecho, o autor destaca que “o leitor ideal sabe o que o escritor apenas intui (…) O leitor ideal subverte o texto”. Isso que eu nem vou transcrever aqui uma determinada citação do cineasta Stanley Kubrick acerca de especulações e interpretações sobre o sentido alegórico de sua obra, pois já a utilizei inúmeras vezes neste modesto e singelo blog. Mas é exatamente o que acontece ao findarmos a leitura de O Velho e o Mar, ainda mais se já temos de antemão o conhecimento de como foram os últimos anos de Ernest Hemingway até seu trágico suicídio em 1961, especialmente no que diz respeito à sua carreira.
Além de simbolizar seu próprio processo criativo, seu trajeto permeado por sucessos e fracassos até a concepção de sua última obra, é possível perceber como o conto explora e abrange temas como a solidão, a persistência, a busca pelos sonhos (permeada por medo, dor e desespero) e, por fim, a derrota. Sobretudo é uma metáfora precisa de como nenhuma luta alcança o fim em si mesma, afinal, ainda é preciso lidar com as implicações e o impacto provenientes desta. A vitória é breve, mas ela altera todo o curso de uma vida, trazendo consequências. Todos esses conceitos aparecem, aqui, traduzidos por Hemingway em uma linguagem simples e que vai direto ao ponto, sem ser rebuscada ou recheada de preciosismos. Ainda assim o resultado final alcança uma sofisticação devido à simplicidade do material e a intensidade das emoções descritas, raramente vista ou contemplada em uma literatura de tão curta extensão. Esse é um caso emblemático de que o velho e seguro aforismo que alega que o menos é mais não poderia estar mais correto.
Segundo estudiosos da obra do autor, Santiago seria a versão literária de Gregorio Fuentes, amigo pessoal de Hemingway e capitão e proprietário do barco de pesca Pilar. A partir da descrição das características físicas e psicológicas do personagem, é possível identificar traços similares aos de Fuentes.
O Velho e o Mar trouxe o Pulitzer ao autor em 1953 e ainda garantiu a Hemingway o Prêmio Nobel de Literatura no ano seguinte. O curto romance sobre um velho pescador e sua desesperada luta contra o mar veio para coroar um incontestável legado deixado pelo escritor de outros clássicos como Paris É Uma Festa e O Sol Também Se Levanta.
Andrizy Bento