Musical não é um gênero que me agrada muito. Sim, há exceções pontuais, como é o caso do francês Canções de Amor, de 2007, (no qual a música surgia de maneira natural e espontânea) e Hairspray, do mesmo ano. Aliás, é com este último que Festa de Formatura guarda paralelos. Assim como o musical de Adam Shankman de 2007, o longa de Ryan Murphy também já ganhou os palcos em um espetáculo da Broadway e é engajado, versando sobre tópicos fundamentais (o primeiro sobre o racismo, o segundo trata da homofobia), mas com leveza no texto e no ritmo da trama, equilibrando bom humor e sensibilidade, sem nunca se levar a sério demais, mas não banalizando as questões que aborda. E o resultado de Festa de Formatura é uma trama divertida, simpática e agradável.
Conheço o trabalho de Ryan Murphy desde Popular, série de televisão de 1999, exibida por aqui na TV aberta. Depois disso, veio Nip/Tuck e, óbvio, a estrela de maior grandeza de sua filmografia, Glee. Os fãs saudosos do maior hit do realizador, certamente irão identificar semelhanças de seu longa, disponível no catálogo da Netflix desde dezembro do ano passado, com a série que foi sensação na Fox entre 2009 e 2015. Além da inserção de números musicais na narrativa, a produção retrata na tela dramas escolares e os conflitos que atravessam personagens adolescentes e LGBTQ que procuram se encontrar, enquanto outros tentam fazê-los se perder. Como as obras pregressas de Murphy, Festa de Formatura carrega algumas das marcas registradas do produtor e cineasta, tais quais o humor ácido e os excessos estéticos. A extravagância está nas cores, figurinos e ambientação. Os personagens são caricaturais. A atmosfera do longa é coruscante, efusiva e exagerada. Mas o texto, apesar da acidez, traz bastante sensibilidade.
A maior parte do longa se concentra e se passa no interior de Indiana, em uma cidadezinha conservadora, onde o baile de formatura é suspenso unicamente porque uma das estudantes, Emma Nolan (Jo Ellen Pellman) quer comparecer ao lado da namorada. A regra é: levar um acompanhante do sexo oposto. A decisão de cancelar os festejos ao tomar conhecimento do fato, parte da presidente da associação de pais, Mrs. Greene (Kerry Washington).
Enquanto isso, Dee Dee Allen (Meryl Streep) e Barry Glickman (James Corden) fracassam na Broadway com um musical sobre a primeira-dama Eleanor Roosevelt, que recebe críticas severas e não conquista o público. Ao lado do decadente ator Trent Oliver (Andrew Rannells) e da corista Angie Dickinson (Nicole Kidman), eles arquitetam uma maneira de atrair os holofotes, ganhando publicidade através do ativismo – o que, infelizmente, acontece muito por aí… – e veem no caso de Emma uma ótima oportunidade de chamar a atenção e ficar em evidência, protestando pelo direito da garota de levar sua namorada ao baile.
Explorando também a cultura das celebridades, a decadência e o oportunismo que rola solto nesse meio, o longa traz algumas tiradas ótimas, como a passagem em que a personagem de Streep afirma veementemente que o Tony nada mais é do que um prêmio político que destaca a imagem em detrimento do talento. Pouco depois, ela protagoniza uma cena impagável, colocando suas duas estatuetas do Tony diante do recepcionista do hotel na tentativa de descolar uma suíte – o que o estabelecimento três estrelas, obviamente, não oferece.
O que prejudica Festa de Formatura é o fato de possuir muitas subtramas para serem resolvidas (embora todas sejam bem costuradas ao plot central), fazendo com que o filme se delongue muito além do necessário, totalizando pouco mais de duas horas. Enquanto Hairspray era mais redondinho, bem resolvido e menos pretensioso, o longa de Murphy se excede um pouco, beirando o cansativo em sua segunda metade, resvala no melodrama em algumas sequências, escorrega em alguns clichês sentimentais em outras e quase não tem fôlego e sagacidade para contornar e escapar dessas armadilhas. Felizmente, o elenco é bem afinado, mostrando ótima química e desenvoltura na tela, mesmo quando a produção ameaça abraçar o tom de dramalhão. São grandes estrelas e todas aparecem muito à vontade em seus papéis e cada uma delas tem seu momento particular de brilhar.
Na vida real, palavras, comentários e ações que para alguns podem parecer pequenos e triviais, para outros, em contrapartida, podem soar ofensivos e machucar. O filme tenta explanar isso com humor e sensibilidade, porém, recorre a algumas soluções fáceis e simplistas. E sabemos que não é bem assim que acontece. Muito, muito longe disso. Mas trata-se de ficção bonitinha da Netflix, feita na medida para agradar o público mais romântico, então a gente até faz uma concessão. Sobretudo porque o longa apresenta uma linha de diálogo terna que faz com que perdoemos seus deméritos – quando Tom Hawkins (Keegan-Michael Key), o diretor da escola em que Emma estuda, e que está totalmente do lado da garota, fala sobre como os espetáculos da Broadway, para ele, são como uma fuga: “Uma distração é momentânea. Uma fuga ajuda a curar”. Uma verdadeira declaração de amor à arte, que nos ajuda a escapar dos problemas, da realidade, de quem somos e do mundo, quando nos permitimos imergir nela.
Sobre ser um musical, gênero que não me apetece, posso dizer com segurança que Festa de Formatura consegue, sim, ser envolvente e cativar a atenção. Poderia ser mais curto e não se render a tantos chavões narrativos. Mas diverte e até é capaz de emocionar os mais impressionáveis. Pode soar pueril e sonhador demais, limitado em seu discurso, mas há uma aura esperançosa de filmes Disney que não chega a ofender. É ficção pra trazer um pouco de conforto e otimismo a coraçõezinhos machucados. Isso, o filme de Murphy faz bem. E, obviamente, os números musicais são muito bem coreografados e executados. Para quem curte o gênero, é um prato apetitoso, sem dúvidas.
Andrizy Bento