Badalado em festivais de cinema ao redor do mundo, como de Toronto e Telluride, e consagrado na edição de 2020 do Spirit Awards – premiação que celebra o cinema independente – a produção dirigida por Josh e Benny Safdie estreou na plataforma de streaming Netflix em janeiro do ano passado, fazendo barulho.
O surpreendente Adam Sandler mostra, cada vez mais, que é um ótimo ator quando aposta em longas sérios, muito superior ao humorista medíocre das comédias insípidas e anódinas que costuma estrelar. Em Uncut Gems (título original do filme), Sandler é Howard Ratner, proprietário de uma loja de joias que acumula dívida atrás de dívida. Para completar, Ratner é do tipo de apostador agressivo que arrisca altas quantias em palpites que ou podem lhe garantir uma fortuna absurda ou arruiná-lo completamente. Ele ainda leva um padrão de vida luxuoso, ostentando casa e apartamento caríssimos e carro último tipo. Todo esse cenário aponta para uma inevitável falência, uma vez que o joalheiro adentra um terreno perigoso conforme o filme avança, e passa a ser alvo constante da perseguição de seus impacientes e violentos cobradores. Sua sorte depende de uma opala altamente preciosa, enviada diretamente da Etiópia e que parece impregnada de uma aura mística.
A pedra não lapidada, aqui, representa um inteligente simbolismo da própria vida alucinada do joalheiro. Joias Brutas praticamente não dá pausa para respiros. Com uma câmera ágil e nervosa, overdose de enquadramentos fechados e angustiantes e planos claustrofóbicos, a fotografia do sempre ótimo Darius Khondji confere um clima acertado de tensão e frenesi ao longa. Soma-se a isso os cortes abruptos, o ritmo dinâmico garantido pela montagem e os diálogos rápidos, e o resultado é uma obra densa e aflitiva na medida certa, orquestrada magistralmente pelos Irmãos Safdie. Impressiona seu absurdo domínio da mise-en-scène enquanto o clima caótico se instala e se desenrola na tela. A violência gráfica causa impacto sensorial, tendo certo grau de crueza, ao mesmo tempo que alcança um invejável refinamento estético.
Novamente o grande destaque da obra dos Safdie fica por conta da aplicação da paleta cromática, repleta de contrastes, filtros, luzes fluorescentes que corroboram uma atmosfera psicodélica e quase artificial, que ainda encontra correspondência na trilha sonora hipnótica e imersiva, proveniente do impacto de sintetizadores aliado à orquestra. Elementos, estes, que se tornaram marca registrada dos Safdie. Mas diferentemente de Bom Comportamento (Good Times), um ótimo filme, mas que era muito mais conceitual, Uncut Gems privilegia o enredo ao invés do visual, tem mais estofo narrativo para além do exercício estético.
Após a introdução ambientada na Etiópia, onde mineradores judeus aparecem extraindo uma opala que se torna o elemento nuclear da narrativa, em uma transição de cena marcante, como se a joia representasse o cerne do próprio protagonista, ele se submete a uma colonoscopia – um exame invasivo que captura imagens em tempo real do intestino grosso e de parte do íleo terminal e que, dentre outras coisas, serve para identificar cânceres em seus diversos estágios. Mais tarde, o joalheiro expressa alívio ao saber que o resultado dos seus exames está ok, afinal sua preocupação vinha do fato de que seu pai morreu devido a um câncer de cólon. Mas a tragédia vem do inesperado, em forma de reviravoltas chocantes e pelas quais o espectador não consegue passar incólume.
Joias Brutas é visceral, eletrizante e traz um final imprevisível e surpreendente. Para completar, os créditos ainda apontam o nome de Martin Scorsese na produção executiva. Só a cereja no topo do bolo.
Andrizy Bento