The Mandalorian

“Este é o caminho.”

Os aficionados por Star Wars têm viva na memória a lembrança de Boba Fett, personagem introduzido no melhor exemplar cinematográfico da saga até aqui, o lendário O Império Contra-Ataca, e que permaneceu naquela linha tênue entre vilão e anti-herói. O personagem ficou marcado pela característica armadura mandaloriana que utilizava, obtida através de seu “pai”, Jango Fett. Embora não fosse um mandaloriano legítimo, foi com Boba que os fãs de Star Wars tiveram acesso ao estilo de vida do povo de Mandalore. Tratava-se de um grupo de supercomandos de raças variadas, que trajavam armaduras totalmente impessoais e com aptidão acentuada para as funções de mercenários e caçadores de recompensa. E é um destes guerreiros que protagoniza a série criada por Jon Favreau, produzida originalmente para o serviço de streaming Disney + e baseado na space opera de George Lucas.

Embora o Mandaloriano dê nome à produção, as atenções do público têm se desviado constantemente a outro personagem.

Utilizado como isca para atrair assinantes da recém-chegada ao Brasil, plataforma digital da Disney, o bebê Yoda é realmente a melhor propaganda e cartão de visitas ideal da Disney +. A série teve seus dois primeiros episódios veiculados pela Rede Globo, em uma estratégia certeira para angariar audiência para os serviços de streaming. A emissora carioca transmitiu um especial que apresentava brevemente as atrações da nova plataforma de vídeo on demand e não foi à toa. É possível assinar um combo Globoplay e Disney + e ter acesso a todo o conteúdo dos dois serviços em uma única assinatura.

Obviamente, o assunto mais comentado no twitter durante a exibição dos episódios na TV aberta foi o bebê Yoda. Uma overdose de gifs e memes tomou de assalto a rede social e fez muita gente considerar a assinatura do serviço. Mas e aí, vale investir o rico dinheirinho em mais uma plataforma que rivaliza com as atuais gigantes do mercado, Netflix e Amazon Prime, por um preço que, para quem aderir à assinatura mensal a partir dos próximos meses, é superior ao do pacote básico da Netflix?

Bem, essa resposta não é das mais fáceis. A plataforma agregará em seu conteúdo séries e longas da Marvel, animações e live-actions da Disney e os filmes da saga Star Wars que todo mundo que curte já viu. De produções inéditas, além de Mandalorian, teremos as séries WandaVision, Loki e Falcão e o Soldado Invernal da Marvel Studios. Por enquanto, é um conteúdo pouco variado, que deve atrair mais os fãs das marcas que a Disney engloba. Então, é relativo falar sobre se vale a pena ou não.

Agora, mais especificamente, vale a pena ver Mandalorian ou é apenas um caça-níquel que conta com um personagem fofo para impulsionar a venda de action figures e outros produtos licenciados? O gosto amargo consequente do último capítulo da saga exibido nos cinemas custa a deixar nossas bocas, mas, pessoalmente, afirmo que Mandalorian é capaz sim de reviver nosso entusiasmo por Star Wars.

Como uma fã de space westerns – devido à ousadia resultante do hibridismo das formas – que lamenta até hoje o cancelamento extremamente prematuro de Firefly; e também uma admiradora do trabalho de Jon Favreau – diretor do primeiro longa do Homem de Ferro, de 2008 (vulgo o pontapé inicial para a criação do universo compartilhado da Marvel nos cinemas) e intérprete do nosso querido Happy Hogan – eu não poderia estar mais empolgada diante de Mandalorian. Está certo que Favreau cometeu um equívoco dos grandes ao se aventurar por essa mistura de sci-fi com faroeste no longínquo ano de 2011 ao conceber o decepcionante Cowboys & Aliens, mas não é por um tropeço que o realizador não iria merecer um voto de confiança.

Auxiliado por um time de peso, Favreau – que acumula as funções de showrunner, roteirista e produtor executivo do show – compôs uma trama envolvente que respeita o cânone da obra consagrada de George Lucas, mas expande o universo, trazendo novas camadas e introduzindo à mitologia da saga personagens que nos conquistam de imediato e pelos quais passamos a nos importar mais e mais conforme a narrativa avança. Apostando em enredos dinâmicos e bem amarrados, Mandalorian se destaca como a primeira série live-action derivada da franquia Star Wars. E se ela é o seu único motivo para assinar Disney + no momento, então a assinatura do serviço é, por ora, bem justificada.

Situando-se cinco anos após os eventos de O Retorno de Jedi (que ilustra a queda do Império) e 25 anos antes de Star Wars: O Despertar da Força (que retrata a ascenção da Primeira Ordem), a trama acompanha um solitário e independente caçador de recompensas Mandaloriano que, longe da autoridade da Nova República, explora os confins da galáxia sempre em busca de aprimorar sua armadura. Com a frieza que lhe é inata, destreza no combate físico e manuseio de armas, sua natureza prática e objetiva (ele não faz perguntas, apenas executa o serviço para o qual é contratado) e o destemor diante dos desafios que surgem pela frente, ele parece o mais indicado para um trabalho especial e sigiloso. O que nem seus empregadores e nem o próprio contava era que ele pudesse ser capaz de desenvolver sentimentos, prejudicando seu raciocínio lógico e o tornando caça ao invés de caçador.

E quem pode julgá-lo?

O Mandaloriano era um homem com uma missão…

Um cliente misterioso, que aparenta possuir relações com o Império, lhe propõe executar um trabalho relativamente simples (para os seus padrões) no submundo de Nevarro. Ele deve rastrear e realizar a captura de um alvo que, segundo as informações que recebe previamente, possui cinquenta anos. No caminho, cruza com o fazendeiro Kuiil que já farto do clima caótico trazido por inúmeros caçadores de recompensa anteriores para o local, orienta o mandaloriano na sua busca pelo alvo. Chegando ao destino, precisa abater as forças que defendem o acampamento no qual o alvo se encontra escondido e, para tanto, ainda que relutante, conta com o aúxilio de um droide – estirpe pela qual ele nutre um sincero desprezo. O mandaloriano e o droide de caça, contra todas as expectativas, são bem-sucedidos em exterminar os guardas que protegem o local e, enfim, encontram o objeto que causou tamanho conflito: uma criança da mesma espécie de Yoda – sim, o próprio. Mesmo com meio século de vida, a adorável criaturinha tem trejeitos e um comportamento infantil e, quando o droide de caça tenta matá-lo em ordem de garantir sua recompensa, Mando atira sem hesitar no droide e leva a criança consigo.

Após se arrepender de entregar o bebê Yoda para seu cliente, temendo o que podem fazer com ele, o guerreiro retorna ao local onde o deixou, e dá início a um plano de fuga, exterminando quem estiver em seu caminho com o objetivo de escapar com o bebê para longe dali. De posse de sua nave, a Razor Crest, o Mandaloriano passa a viver em fuga com a criança, se aventurando por planetas diversos e se metendo em um sem número de confusões e conflitos, ao mesmo tempo em que vai se apegando cada vez mais ao bebê e procura pistas de sua origem. E são as interações entre o Mandaloriano frio e a criança fofa que arrebatam o espectador.

Isso não quer dizer que a série não tenha outros atrativos e méritos. Muito pelo contrário.

The Mandalorian acerta ao se concentrar em um recorte diferente do plot original da saga, fazendo com que sua trama não gire em torno do clã Skywalker, distanciando-se da narrativa das telonas, mas mantendo a essência da space opera de Lucas. Relativamente curta – a primeira temporada é composta de apenas oito episódios e a segunda, atualmente em exibição, seguirá a mesma linha -, a proposta, além de garantir mais dinamismo ao enredo, torna fácil de maratonar e evita fillers. O que não quer dizer que não tenha um outro filler… Mas, no geral, a primeira temporada é bem consistente e estruturada. A narrativa recorre, vez ou outra, a algumas saídas fáceis, mas nada que comprometa o todo.

O visual também surpreende, especialmente levando-se em conta o orçamento modesto. Aliás, quanto menor o budget, mais a produção tem de se empenhar para encontrar soluções criativas de modo a contornar as limitações. E, talvez, esteja aí o charme de Mandalorian que faz com que a série até mesmo se aproxime daquele caráter genuíno e mais experimental da primeira e clássica trilogia Star Wars, que teve início no final da década de 1970. O design de produção é extremamente competente no que diz respeito à ambientação e caracterização de seus personagens – ao retratar planetas distintos e as raças diversas que os povoam com estilo e naturalidade. De pretensão, felizmente, o produto não sofre.

É notável a paixão e o carinho de todo o time que conta, além de Favreau, com nomes respeitáveis como os de Dave Filoni e Colin Wilson na produção executiva e gente do calibre de Taika Waititi (Thor: Ragnarok) e Peyton Reed (Homem-Formiga) na direção dos episódios. Destaque para o capítulo 4 da primeira temporada, Santuário, dirigido por Bryce Dallas Howard. A profissional – que é mais conhecida por seu trabalho como atriz – mostra todo o seu talento também como cineasta, arrasando na condução do episódio e dando demonstrações vigorosas de sua expertise na arte da mise-en-scène. Não à toa, ela retornou à direção no capítulo 11, A Herdeira, da atual temporada. Os episódios realizados por Bryce, além de muito bem executados, são altamente elegantes.

Outro dos méritos do show está na qualidade do elenco. Na tela, desfilam intérpretes de alto nível, o que é puro deleite para os espectadores: Giancarlo Esposito, Werner Herzog, Ming-Na Wen, Nick Nolte (fantástico!), Natalia Tena… Mas o grande acerto de cast é, sem dúvida o de Pedro Pascal como o personagem-título. Ele tinha a difícil tarefa de dar vida a um tipo que mantém o rosto sempre coberto e cuja voz metalizada torna difícil identificar algum vestígio emocional e outras variações em sua entonação. E é impressionante o fato de ele conseguir imprimir carisma em seu personagem, mesmo com todos esses reveses.

Embora estabelecendo boas conexões com o universo original da obra, repleto de referências que fazem os fanáticos vibrar sempre que ouvem uma nova alusão à história original, a série constrói, com autonomia suficiente, sua própria jornada e identidade nas telas e faz os fãs recuperarem a fé em boas produções situadas no tão rico e prolífico universo de Star Wars. Está longe de representar uma obra-prima ou mesmo de carregar o título de melhor spin-off da franquia. Mas é divertido, emocionante, dinâmico e bem conduzido, se destacando como um dos melhores entretenimentos da atualidade e com boas chances de se tornar um dos novos fenômenos do mundo das séries.

E tenho dito!

Andrizy Bento

Uma consideração sobre “The Mandalorian”

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