Antes de qualquer coisa, há uma boa quantidade de artigos sobre a série aqui no site. Se quiserem dar uma olhada, consultem a tag. Não se espantem com meu primeiro texto… Minha opinião mudou muito de lá pra cá.
Na história das produções seriadas para a televisão, são raríssimas as que permaneceram tanto tempo no ar e foram capazes de manter uma constância – na narrativa, no elenco, na qualidade do produto. E um número menor ainda de séries duradouras conseguiu entregar um final satisfatório e digno de toda a sua jornada ao longo dos anos. Sempre ficam as famosas brechas, lacunas, pontas soltas, personagens com final em aberto… Agents of SHIELD, no entanto, contra todas as expectativas e graças à tenacidade de seus showrunners, conseguiu alcançar essas duas proezas com louvor. Admirável!
Agents, por vezes, pareceu refletir a sina de dois de seus personagens principais, o duo FitzSimmons (brilhantemente interpretados por Iain De Caestecker e Elizabeth Henstridge, convém dizer). A dupla/casal foi constantemente separada pelo espaço, tempo, linhas alternativas e até mesmo a morte no decorrer de sete anos, a ponto de Fitz declarar que ambos eram amaldiçoados e o universo estava contra eles. Os dois trilharam um árduo caminho até o tão almejado e merecido happy ending. E com a série que eles estrelavam, não foi diferente. A produção da Marvel TV também enfrentou inúmeras adversidades enquanto esteve no ar e conseguiu superar bravamente todas elas.
Criada pelo multifacetado Joss Whedon, diretor do primeiro longa dos Vingadores, AoS surgiu como o pontapé inicial da ramificação televisiva da Marvel, tendo sua trama situada dentro do MCU (Universo Cinematográfico da Marvel). Por isso mesmo, houve grande expectativa acerca de sua estreia. O piloto (também dirigido por Whedon) foi ovacionado quando exibido na Comic Con em 2013, mas ao surgir na tela da ABC, em 24 de setembro daquele mesmo ano, não foram poucos os comentários amargos expressando a decepção com o show. Aparentemente, os fãs dos filmes da Marvel esperavam por participações grandiosas de personagens, como Homem de Ferro, Gavião Arqueiro, Viúva Negra, dada a conexão intrínseca, oriunda dos quadrinhos, entre os heróis e a SHIELD (Superintendência Humana de Intervenção, Espionagem, Logística e Dissuasão), algo que vinha se repetindo na telona. A agência de espionagem estava sempre lá, participando ativamente dos filmes dos Vingadores. Mas as aparições importantes dentro da série limitaram-se, além, obviamente do protagonista Philip Coulson (Clark Gregg) – para quem não se recorda, o impacto da morte do agente foi o que culminou na formação dos Avengers -, a Nick Fury (Samuel L. Jackson), Maria Hill (Cobie Smulders) e a guerreira asgardiana Lady Sif (Jaimie Alexander) em alguns poucos episódios da primeira e segunda temporada. Além das associações esquálidas e meras menções aos eventos dos filmes, no início, Agents of SHIELD seguiu a famigerada estrutura procedural – de “o monstro da semana”.
AoS viu sua audiência despencar drasticamente já em seu primeiro ano de exibição, ao investir em um time disfuncional de personagens que procuravam trabalhar em equipe e eram desconhecidos do público que acompanhava a Marvel no cinema e nos quadrinhos. A série era protagonizada por personagens originais, criados especialmente para o show: a princípio, uma equipe que costumava se aventurar em um estiloso avião apelidado de Bus – um presente de Fury a Coulson – e trabalhar em casos sigilosos e não classificados pela SHIELD, deparando-se com toda a sorte de personagens lado B das comics.
Não preciso nem dizer que a série não agradou a maioria dos fãs dos Marvetes…
Nos bastidores, Joss Whedon já dava sinais de exaustão e de estar descontente com o andamento do MCU. Algum tempo depois, em 2015, expressou verbalmente para a imprensa sua frustração com o impacto negativo que as decisões tomadas em Capitão América: Soldado Invernal exerceu na atração televisiva e ironizou a falta de comunicação entre os produtores dos filmes e os responsáveis pela série, que resultou nas inúmeras divergências criativas. Refrescando a memória de quem não se lembra do longínquo ano de 2014, a SHIELD foi praticamente liquidada no segundo longa do Capitão América – descobriu-se que a agência estava tomada por membros infiltrados da HYDRA, organização subversiva, terrorista e nazista. Se a ideia era transmitir sutilmente (mas nem tanto) um recado para a série sair do ar (aparentemente, pelo que Whedon alegou, o show foi criado contra a vontade da Marvel Studios), o tiro saiu totalmente pela culatra. Agents ficou ainda melhor após a queda e dissolução da SHIELD no filme. Inclusive trazendo uma revelação bombástica que pegou os espectadores de surpresa em um dos episódios finais da série: um dos integrantes do time dos bonzinhos que protagonizava o show era, também, um infiltrado da HYDRA. E, assim, AoS conseguiu construir um dos melhores vilões de que se tem notícia, capaz de eclipsar muitos dos antagonistas inexpressivos e sem brilho dos filmes solos dos heróis.
Whedon abandonou o barco para abraçar a indústria rival, a DC, tendo finalizado o longa da Liga da Justiça a convite de seu diretor, Zack Snyder, que teve de se afastar por motivos de força maior. Foi ainda com certa amargura que Whedon disse que a série se tratava de uma fanfic e que não existia oficialmente no universo do MCU.
Ignorada pelos filmes, embora sempre fizesse questão de mencioná-los, AoS passou, cada vez mais, a andar com as próprias pernas, uma vez que não recebia demonstrações de respeito do universo cinematográfico – especialmente após a conclusão de sua primeira temporada. Assim, Agents of SHIELD tornou-se praticamente um produto independente, livrando-se das amarras do ingrato MCU. Surgiram outras séries da Marvel nesse meio tempo, como as produções da Netflix (Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage, Punhos de Ferro, O Justiceiro, Os Defensores), Cloak and Dagger da ABC Signature Studios, Runaways da Hulu, e muitos não perdiam a oportunidade de cutucar e dizer que todas essas eram muito superiores em qualidade a AoS…
(Runaways melhor que Agents? Pelamor…)
… Todas canceladas com pouquíssimas temporadas enquanto Agents, por outro lado, se tornou a mais longeva das produções da Marvel TV, permanecendo durante sete anos no ar, e sendo a mais bem avaliada no Rotten Tomatoes. AoS nem sequer foi cancelada como as demais. Ela foi finalizada. Isto é, os showrunners anunciaram que o sétimo seria o último ano da série, garantindo a eles mesmos a chance de trabalhar a derradeira temporada como um encerramento digno de sua saga nas telinhas.
E, ainda nesse tópico, não tem como não falar dos incansáveis comentaristas de instagram que não perdiam a oportunidade de, cada vez que o perfil oficial da Marvel postava algo relacionado à série no aplicativo de compartilhamento de fotos, deixarem o seu “mas essa série ainda existe? Ainda está no ar? Alguém ainda assiste isso”.
Pois é, meus caros. E os problemas nem pararam por aí.
Durante a produção, o show ainda teve de lidar com saídas de integrantes do elenco, um spin-off que não foi aprovado e só serviu para tirar de cena dois dos melhores e mais carismáticos personagens que estrelariam a produção derivada (Barbara “Bobbi” Morse interpretada por Adrianne Palicki e Lance Hunter, vivido por Nick Blood) e seu último grande conflito de bastidores foi a ausência de um de seus atores principais justamente na temporada final, de modo que toda a narrativa do sétimo ano teve de ser escrita não apenas de modo a contemplar e contornar esse empecilho, como em função desse fato, conferindo a devida relevância a um dos personagens mais queridos em seu encerramento, ainda que ele estivesse a maior parte do tempo distante do time.
É incrível como algo que tinha tudo para dar errado, deu absolutamente certo. O sucesso artístico (embora não de audiência, contando com uma relativamente pequena, mas fiel e ativa fanbase) parece quase acidental em meio a tantos problemas. Mas a verdade é que a série contava com um time talentoso de atores, roteiristas, diretores e produtores, que se entregou com paixão ao projeto; o abraçando quando sua própria casa tentou derrubá-lo.
Nesses sete anos, Agents of SHIELD preservou sua identidade e essência, soube se reinventar com inteligência a cada nova temporada – sempre constituídas de diferentes e interessantes arcos –, construiu uma mitologia sólida e invejável na tela, envolvendo aliens, inumanos, universos simulados, realidades alternativas, outros planetas, monólitos…. E soube emular, melhor do que os filmes, o universo dos quadrinhos, que sempre trabalhou amplamente com conceitos de viagens temporais e espaciais, morte e ressurreição de personagens principais e casos bizarros articulados por engenhosos roteiristas.
AoS nos proporcionou cenas emblemáticas e episódios marcantes que os fãs jamais se cansarão de rever. Desafio os fiéis espectadores a não chorar com a impactante cena da transformação de Daisy (vivida por Chloe Bennet e na época conhecida como Skye), que ao ser exposta à Terrigênese, descobre ser uma inumana com habilidades sísmicas. A sequência representa um divisor de águas na série e é coroada por uma arrebatadora trilha sonora. Além dessa, há outros momentos emocionantes que merecem menção como o spies goodbye – a despedida de Bobbi e Hunter do enredo –; o episódio que narra a origem do apelido Cavalaria, rejeitado (e com razão) por Melinda May (Ming-Na Wen); ou aquele centrado em Simmons, 4722 hours, que mostra a jornada da personagem presa e isolada em um planeta inóspito, tentando desesperadamente escapar de lá; diversas sequências que compõem o excelente arco do Framework; a cena que retrata a ruptura mental de Leopold Fitz, que leva suas duas personalidades conflitantes a colapsarem; o casamento de FitzSimmons no episódio 100 e a origem dessa duplinha de nerds cientistas (que se converteu em um casal adorável) no episódio intitulado Inescapable; a inumana Yo-yo (Natalia Cordova-Buckley) tendo seus braços decepados; a cumplicidade entre Deke (Jeff Ward) e Mack (Henry Simmons) em um momento particularmente delicado para este último, enquanto eles se veem presos na década de 1980; Coulson vivendo seus dias finais em paz no Taiti; a última cena do personagem pilotando sua inseparável Lola…
Isso sem falar na presença do Motorista Fantasma (Gabriel Luna ) durante a quarta temporada; da androide do mal, Aida (Mallory Jansen); do inumano Lincoln (Luke Mitchell); do psiquiatra e ex-marido de Melinda May, Andrew Garner (Blair Underwood); do vínculo entre Deke e FitzSimmons; dos diversos retornos do traidor Grant Ward (Brett Dalton); e do regresso especial de Hunter após sua saída definitiva do show para o episódio Rewind, protagonizado por Fitz, espelhando a amizade que os dois atores possuem na vida real.
A sétima e última temporada também foi recheada de momentos marcantes. Depois de um sexto ano fraco e insípido, a season 7 surgiu como uma grata surpresa, vibrante e repleta de episódios bem construídos que tão bem souberam trabalhar seus personagens e as diferentes dinâmicas existentes entre eles. Já tendo preparado terreno anteriormente e estabelecido suas convenções e regras, o enredo do sétimo ano do show soube lidar muito bem com viagens no tempo e linhas temporais alternativas, inclusive, adaptando cenários e figurinos com primor para as épocas em que eram ambientados os episódios. As décadas de 1930, 1950 e 1980 foram retratadas com um acuro visual impressionante para uma produção que sofreu cortes orçamentários drásticos após a quinta temporada.
Mais uma vez, a equipe criativa por trás do show, especialmente os showrunners Jed Whedon e Maurissa Tancharoen souberam contornar com sabedoria os empecilhos surgidos nos bastidores. Aliás, como já mencionado anteriormente, essa é uma das características de AoS e algo que o show soube fazer de melhor desde seu primeiro ano no ar – driblar os problemas com maestria, utilizando-os a favor da narrativa.
Os três grandes destaques da sétima temporada foram, sem dúvidas:
- O episódio 7, intitulado The Totally Excellent Adventures of Mack and The D, que se passa nos anos 1980 e é protagonizado por Mack e Deke Shaw, tendo este último como um astro do rock, com direito a performance da clássica Don’t You Forget About Me, original do Simple Minds, mas cujo crédito da canção na mitologia de AoS passa a ser do excêntrico e impostor personagem;
- Out of the Past, 4º episódio, que evoca uma atmosfera noir, totalmente em preto e branco, contando com a narração de Phil Coulson e a excelente inserção de Daniel Sousa (Enver Gjokaj) no enredo – um bom personagem de Agent Carter que jamais teve uma resolução e padeceu vítima do final em aberto, uma vez que a série foi cancelada. Sousa foi tão bem trabalhado e integrado ao time que é até estranho pensar que ele entrou apenas aos 45 do segundo tempo no show, de tão espantosamente natural que foi seu entrosamento com o restante do elenco;
- As I Have Always Been, episódio 9, dirigido por Elizabeth Henstridge, a intérprete de Jemma Simmons, que mostrou talento também atrás das câmeras, ao conduzir um episódio que traz os agentes presos em um loop temporal no melhor estilo O Feitiço do Tempo e Boneca Russa, apostando em idas e vindas na narrativa e constantes repetições, resultando em um capítulo bem humorado, denso e comovente na medida certa.
Em seu emocionante capítulo final, sentidas ausências de personagens que fizeram a história de Agents of SHIELD, tais quais Hunter, Bobbi, os Koenig (Patton Oswalt), Deathlok (J. August Richards; coadjuvante de fundamental importância na primeira temporada e presente desde o piloto)… Mas após o sabor amargo e o final totalmente em aberto da quinta temporada, que a princípio, era para ser a última; temos um último episódio não apenas cíclico, como satisfatório, que procurou proporcionar um final feliz e coerente aos integrantes da equipe de Coulson. Não agrada a todos e nem é perfeito. Mas quando se tem uma relativa fanbase, é uma tarefa árdua e praticamente impossível aprazer a gregos e troianos. Muitos stans vociferam na internet sua decepção, mas a verdade é que alguns confundem satisfação e qualidade com fanservice. Porém, tirando essas rixas entre os diversos grupos que integram o fandom, o final é, sim, uma carta de amor aos fãs e procura encerrar os arcos de todos os seus protagonistas com dignidade.
Vai deixar saudade.
Andrizy Bento
Por aqui assistimos somente até a 5a temporada, que foi o que chegou a ficar no ar na Netflix. Infelizmente, ao invés da estreia da 6a o que aconteceu foi a retirada gradual de todas as temporadas que estavam por lá…
Não sei agora onde posso ver, mas se a ideia for ter que assinar o serviço da Disney, creio que vou ficar sem saber por mais tempo o que o Deke apronta no tempo presente.
🙂
Pois é, uma pena que a Netflix removeu do catálogo… Bem agora que a série acabou e algumas pessoas estavam planejando maratonar ou reassistir desde o início…