Dirigido por Sam Mendes e contando com a fotografia irretocável do genial Roger Deakins, 1917 retrata a jornada percorrida por dois soldados britânicos, durante a Primeira Guerra Mundial, a fim de entregar uma mensagem capaz de parar um ataque brutal e salvar a vida de cerca de 1.600 homens. A missão delegada por seus superiores, como bem se vê, não é nada fácil e põe suas vidas em risco constante, afinal, para alcançar seu intento, William Schofield (George MacKay, ótimo) e Thomas Blake (Dean-Charles Chapman) precisam atravessar o território inimigo, ficando a mercê de toda a sorte de perigos que a guerra é capaz de proporcionar. Para Blake, no entanto, a missão torna-se algo pessoal. Isto porque um dos combatentes em risco é seu irmão.
Sejamos francos: 1917 só se destaca entre seus pares por ser tratar de uma experiência visual estarrecedora. Esse é o seu maior trunfo e seu principal diferencial. O longa é composto de alguns planos longos que, unificados em uma montagem quase invisível, trazem ao espectador a ilusão de um único plano-sequencia. É graças às transições suaves e quase imperceptíveis de cena, que este transmite a ideia de ter sido rodado em tomada única. E isso vale o filme. Por trazer uma premissa manjada como seu pilar de sustentação, podemos dizer seguramente que se apostasse em uma proposta narrativa mais tradicional e fosse filmado de maneira convencional, estaríamos diante de um roteiro de filme D. Aqui faz toda a diferença a forma como a história (saturada) é contada na tela. Um clichê bem contado é capaz de fazer toda a diferença.
Aproximando-se da vibe estética de um videogame (sinal dos tempos, que vem cada vez mais apostando no cruzamento entre as duas mídias e formas de linguagem), 1917 trata-se de uma experiência imersiva, profundamente sensorial – exatamente como vem sendo alardeado por aí – um espetáculo visual que utiliza a missão durante a Primeira Guerra como uma metáfora que alude à própria caminhada pessoal do ser humano. A direção de fotografia de Roger Deakens (órgão vital do longa) nos presenteia com sequências que são um verdadeiro deleite para os olhos, especialmente as primorosas tomadas noturnas. O desenho de produção a cargo de Dennis Gassner é feliz ao recriar o cenário da Primeira Guerra, garantindo um realismo notável ao ambiente tão desolador quanto aterrorizante das trincheiras inglesa e alemã.
O cineasta Sam Mendes conduz seu épico drama de guerra de maneira imponente, mantendo uma atmosfera constante e onipresente de tensão, além de investir em sequências secas e brutais de tiroteios e não ter nenhum pudor em mostrar corpos chacinados na tela. Mas também confere uma aura poética ao longa em alguns entrechos pontuais e mais intimistas que focam importância da família, na dor da perda e na simplicidade da natureza – o momento sobre o pomar de cerejeiras é um verdadeiro achado. Pode parecer cafona colocando dessa forma, mas essas cenas são de uma sensibilidade que fazem a produção ganhar mais pontos.
Óbvio que nem sempre as sequências utilizadas como pausa para respiro durante a arriscada jornada do protagonista funcionam. É o caso do momento em que Schofield encontra uma mulher e um bebê. Uma passagem dispensável, bem pouco memorável e que quebra totalmente o ritmo do longa. Por outro lado, a cena em que o personagem emerge de um lago cuja margem encontra-se repleta de corpos de soldados dilacerados, sintetizando sua dor em um pranto breve e lamurioso é tão bela quanto dolorosa. É interessante também o quão cíclico é o filme, apresentando um paralelo certeiro e inteligente entre seu primeiro e último frame.
Completam o combo, a edição de som irrepreensível e a trilha sonora solene de Thomas Newman – não exatamente impressionante, mas catártica na medida. Convém citar ainda a participação especial de nomes no elenco, tais quais os de Mark Strong, Richard Madden, além de Colin Firth e Benedict Cumberbatch. Por tudo isso, 1917 é um filme que vale a pena ser conferido no cinema, pois deve perder muito de sua força se não for visto na telona.
Visualmente fantástico, o grande demérito da produção assinada por Mendes é que trata-se de uma embalagem belíssima para um conteúdo raso. Uma pena realmente ter tão pouca espessura narrativa. Nesse quesito, é o mais do mesmo que a Academia tanto adora premiar, mantendo-se em sua zona de conforto e investindo na aposta segura de sempre. Vem bem a calhar em um ano que um longa da Coreia do Sul ameaça a hegemonia dos filmes falados em língua inglesa no Oscar. Deve dar 1917 mesmo.
Andrizy Bento
Uma consideração sobre “1917”