Noah Baumbach dirigiu um dos meus filmes favoritos da década passada: A Lula e a Baleia. Um longa que também versava sobre uma família disfuncional, a qual assistíamos se desestruturar e despedaçar gradualmente na tela – algo sugerido desde a sequência de abertura, com um competitivo jogo de tênis. Em História de um Casamento, ele adentra novamente o mesmo território e explora basicamente o mesmo tema. Ecos de Kramer vs. Kramer, vencedor do Oscar de melhor filme em 1990, também podem ser ouvidos. Mas nada aqui soa como repetição ou revival.
A trama acompanha o difícil e doloroso processo de separação e divórcio de um casal que parecia perfeito e se completar. A atriz Nicole (Scarlett Johansson) e o diretor de teatro Charlie (Adam Driver) protagonizam essa ruptura. Eles têm um filho juntos, Henry (Azhy Robertson) e é por conta dele que o ex-casal procura equilibrar e harmonizar sua relação, tentando superar as adversidades e percalços oriundos do término de seu casamento. O processo ainda envolve a mudança de Nicole de Nova York para Los Angeles, o que acaba agravando a situação.
Para um relacionamento funcionar, ambas as partes precisam ceder de vez em quando. Não quer dizer que o casamento é sobre se anular. Mas é fundamental se doar. A vida necessita ser reestruturada com base na relação. A convivência diária com alguém que escolhemos ser parte de nossa família é complexa e, muitas vezes, os sonhos individuais acabam não se alinhando, não tendo meios de coexistir e os objetivos de vida de cada um batem de frente. E quando nenhuma das partes está disposta a abrir mão, a separação se torna iminente e inevitável. E é essa a situação tão bem ilustrada nesse longa de Baumbach.
O casamento termina, o relacionamento tem um ponto final, o amor pode acabar, mas não se pode acabar o respeito. Os laços perduram. Nada apaga os anos de convivência lado a lado. É necessário trabalhar isso… Fácil falar, o difícil é pôr em prática. Nos momentos de tensão, muitas verdades duras são jogadas na cara um do outro. Palavras rudes e pesadas são ditas durante uma violenta e explosiva discussão. E um culpa o outro não só pelo fracasso de seu casamento, como pelos seus próprios fracassos individuais.
Um dos momentos mais dolorosos dessa produção da Netflix, é quando percebemos nos olhos dos protagonistas a decepção e o arrependimento pela quebra de confiança. O sentimento é mútuo. É durante a ótima cena do tribunal, em que os respectivos advogados do casal resolvem jogar sujo, que esse sentimento vem à tona. Ambos os profissionais não medem esforços para defender suas causas e clientes e, portanto, jogam na roda segredos que não precisavam ser verbalizados, apontando razões que tornam um e outro maus pais.
Outro dos trunfos do longa são as cartas que Nicole e Charlie escrevem enumerando os predicados e falhas de cada um. Elas não apenas abrem o filme, como são cruciais ao longo de toda a narrativa. Lançando mão de diálogos afiados e com um humor tão ácido quanto inteligente, Baumbach compõe cenas memoráveis. Uma delas é durante uma festa de Halloween quando a personagem de Johansson, fantasiada de David Bowie, discute com o ex-marido pelo telefone. Impagável. O filme possui uma série de longas e eloquentes sequências, porém, a verborragia do cineasta é sempre pontual.
Assim como em A Lula e a Baleia, Baumbach ainda recheia seu filme com referências pop deliciosas, outra vez mostrando o quão rico é seu repertório, o que ajuda a injetar realismo e mais humanidade à trama. Por falar em realismo, História de um Casamento retrata uma situação tão real que a identificação é imediata. Pelo menos para aqueles que já viveram um drama similar ou viram acontecer dentro da própria família. Sabemos que não há chances de o casal na tela continuar junto devido à incompatibilidade de gênios e diferenças irreconciliáveis. Mas espera-se que ambos, pelo menos, consigam reparar alguns danos causados por todo o processo de divórcio, cheguem a um consenso, a um ponto de equilíbrio e voltem a se entender. Como amigos. E pelo bem de seu filho.
Atuações poderosas de Scarlett Johansson e Adam Driver que defendem seus papéis de maneira irrepreensível. Os coadjuvantes, Laura Dern e Alan Alda, estão ótimos também. A primeira se destaca especialmente pelo monólogo em que reflete sobre a maternidade e o modo injusto como a sociedade enxerga uma mãe solteira – uma das melhores cenas do ano. Ray Liotta, por sua vez, surpreende na pele de um cínico e até mesmo hostil advogado.
Impressionante como Baumbach desmistifica e desromantiza a instituição do matrimônio sem, no entanto, apresentar um olhar cético e frio sobre o tema. Muito pelo contrário. O cineasta analisa a situação sob uma ótica sensível e entrega um dos mais belos, agridoces e contundentes filmes do ano passado. História de um Casamento é carregado de profundos lirismo e melancolia.
Andrizy Bento
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