The Marvelous Mrs. Maisel – 1ª Temporada

Devo confessar que a cena que abre The Marvelous Mrs. Maisel não me inspirou confiança. Eu já tinha conhecimento de que a produção original da Amazon Prime Video era a queridinha do momento, sagrando-se como uma das grandes vencedoras do Emmy Awards 2018, afinal, a lista de premiados já havia sido publicada por aqui. No entanto, como premiações nem sempre funcionam como termômetro de garantia, não fui com muita sede ao pote.

A cena em questão tratava-se do discurso que a Mrs. Maisel do título fazia durante a cerimônia de seu próprio casamento. Quando os flashbacks começaram, tive receio de que estava diante de algo nos moldes de How I Met Your Mother (mas sem laugh track). Como não havia lido nada sobre a série antes de conferi-la, acreditei que a protagonista contaria toda a sua trajetória, por temporadas a fio, naquele discurso – de como foram seus anos durante a faculdade; como conheceu seu noivo; até o grande momento do casamento.

Eu não poderia estar mais errada, e Mrs. Maisel acabou se tornando a minha favorita de 2018. Além do texto inspirado e inteligente, a produção se destaca pela direção de arte que é puro luxo, com cenários e figurinos requintados, cores bem definidas, sem jamais desbancar para o kitsch. E não tem como não ressaltar a atuação premiada de Rachel Brosnahan, vencedora do Globo de Ouro, do Emmy e do Critic’s Choice TV Awards de melhor atriz de comédia por sua performance como Miriam Midge Maisel, que consegue ser engraçada sem afetações. Com imensa naturalidade, ela esbanja presença de cena, reluzindo brilho próprio.

Toda a sequência inicial do casamento é emblemática, pois seu discurso consegue envolver, cativar e chocar os convidados. Características que lhe serão inerentes e de fundamental importância para sua carreira mais tarde. Afinal, a protagonista é uma mulher forte, independente, segura de si, que corre atrás do que quer e não se importa com a opinião e o julgamento dos outros.

No entanto, ela só descobre que é tudo isso após o fim de seu casamento.

Miriam Maisel é uma esposa perfeita com uma vida perfeita, que mora em uma casa perfeita situada em um bairro sofisticado de Nova York. E não poderia ser diferente, uma vez que ela foi criada para tal. A série é ambientada no final da década de 1950, época em que a definição de mulher bem-sucedida se aplicava a todas aquelas que, muito jovens, já haviam feito um bom casamento, construído uma família e sabiam conciliar muito bem os papéis de esposa e mãe com sua vida social – que se limitava a visitar a casa das amigas para um chá e frequentar lojas a fim de abastecer o guarda-roupa e a penteadeira. Miriam faz tudo isso com precisão cirúrgica e praticamente sem esforços. Para ela, é tão natural quanto respirar, visto que foi educada dessa maneira.

Todas as noites, ela finge adormecer impecável ao lado do marido, Joel (Michael Zegen), ainda maquiada e com seus cachos bem penteados. Ela espera que seu cônjuge caia no sono para só então, nas pontas dos pés, escapulir para o banheiro a fim de se “desconstruir”, tirando a maquiagem do rosto e desfazendo os cachos. Todas as manhãs, acorda antes de o despertador tocar, para ficar impecável novamente, jamais permitindo que o marido a veja desarrumada.

Seu marido é o provedor do lar. Trabalha em um escritório durante o dia, mas, insatisfeito com essa rotina regrada, se aventura em um bar no lado mais sujo e underground da cidade como comediante stand-up à noite. A comédia é o seu grande sonho. Mas é Miriam quem convence os gerentes do local a oferecerem um melhor horário para que ele se apresente. Ela anota tudo em seu inseparável caderno, incluindo o número de risadas que ele consegue arrancar do público; cronometra o tempo de suas apresentações e relata tudo a ele no táxi, de volta para casa. Até que, em uma noite, tudo sai errado. Miriam se atrasa para pegar o marido no trabalho, não consegue um horário melhor para ele fazer seu show no exato dia em que seus amigos foram prestigiá-lo e, por indicação da esposa, insere uma piada por ela sugerida como abertura de seu show e ninguém ri. Tenso com a resposta negativa de sua pequena e pouco simpática plateia, ele se perde no texto e faz uma apresentação risível.

Após o fracasso, atribui toda a culpa à esposa e, naquela mesma noite, resolve sair de casa. Antes, porém, revela à Miriam que está tendo um caso com uma secretária de intelecto raso e é então que ela vê sua vida perfeita desmoronar. Em meio à pressão dos pais que a criaram para ser a esposa ideal, a desilusão devido ao abandono e uma chuva torrencial e impiedosa que desaba naquela noite, Miriam resolve perambular pela rua de camisola e robe, aparentemente sem rumo. Chega ao clube onde o marido costuma se apresentar, sobe bêbada ao palco e, no improviso, arranca risadas fervorosas da plateia (algo que seu marido jamais foi capaz de conquistar) ao relatar a série de infortúnios que a acometeu naquela noite. Seu estilo já fica bem destacado nessa primeira e inusitada apresentação: Miriam é espontânea, engraçada, autodepreciativa e controversa.

Sim, eu contei o plot do piloto, mas é que não tem como falar do quanto a série é brilhante sem fazer essa introdução. E, ainda assim, vale a pena ver. Especialmente porque, nos demais episódios, vemos o crescimento e amadurecimento da personagem e as consequências e mudanças resultantes desse ponto de ruptura em sua vida.

Miriam Maisel aprende muito sobre si mesma e o mundo à sua volta. Para não depender da renda de seus pais, começa a trabalhar. É formada em Literatura Russa, mas não hesita em procurar emprego como vendedora em uma loja, em um balcão de maquiagem. A princípio, mostra-se até mesmo orgulhosa e empolgada diante daquela nova aventura. Sentindo-se digna por bater o ponto todas as manhãs, faz o possível para conciliar o emprego com sua nova rotina noturna de aspirante a comediante stand-up, sem esquecer seu papel de mãe de dois filhos pequenos. O seu poder de persuasão funciona em ambas as profissões, seja como vendedora, seja como humorista e até mesmo se envolvendo, sem querer, em causas políticas. Carismática, conquista todos a sua volta sem fazer muito esforço e descobre um mundo novo além do invólucro de perfeição em que costumava viver.

Paralelamente a toda essa nova agitação em sua vida, ainda encontra-se em processo de adaptação ao ter de voltar a viver com os pais após ser despejada pelo próprio sogro do antigo apartamento que dividia com o marido. E este é outro ponto nada fácil em sua vida. A mãe, Rose (Marin Hinkle), obcecada por simetrias rigorosas – mesmo no que diz respeito ao corpo de sua filha – não aceita o fim do casamento. Tanto ela, quanto o pai da protagonista, Abe (o excelente Tony Shalhoub de Monk), acreditam que a culpa é da filha que deve ter feito algo simplesmente errado. De forte personalidade, ela suporta o terrorismo psicológico a que é submetida pelos próprios progenitores, talvez por já estar habituada ao estranho temperamento do pai e entender que sua mãe recebeu a mesma criação que ela e, portanto, acredita que o fracasso da filha, representa o seu próprio.

Porém, o fim de seu casamento simboliza um mal necessário em sua vida, afinal, era um talento que se desperdiçava e que só aflora após a separação e com a ajuda de sua nova amiga e “empresária”, Susie Myerson (Alex Borstein), outra personagem crucial da série. Assim, a protagonista permite se descobrir e reinventar ao adotar o bom e velho chavão da “tentativa e erro”. Acompanhamos seus altos e baixos, guinadas e derrocadas, em uma temporada redondinha e praticamente perfeita. Independente de gênero, geração ou época, todos temos muito a aprender com a maravilhosa Srta. Maisel.

Andrizy Bento

 

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