Quadrinhos e cinema são dois temas fundamentais aqui, no Bloggallerya. Portanto, vamos dar início a uma série de artigos focados no encontro entre as duas mídias.
Adaptações de HQs para o cinema tornaram-se praticamente um subgênero hollywoodiano de uns tempos para cá – mais propriamente dizendo, desde o início do novo milênio. Também pudera, um encontro entre as duas formas de expressão sempre pareceu propenso. Afinal, as semelhanças entre a sétima e a nona arte vão muito além do óbvio fato de ambas associarem o texto à imagem.
Tanto as histórias em quadrinhos quanto o cinema se desenvolveram no auge da indústria cultural, fabricados como produtos de massa. E tanto uma quanto a outra foram alvo de preconceito em seus primórdios. Os quadrinhos eram vistos como uma arte menor e considerada leitura fácil por muitos, inclusive por educadores, devido à associação entre verbalidade e imagem. Muitos nutriam o raciocínio equivocado de que se um livro possui figuras não compreende uma leitura realmente desafiadora. De qualquer forma, foi com esse preconceito que os quadrinhos foram tratados durante muito tempo. Com o surgimento dos super-heróis, então, muitos intelectualóides alegaram que HQs se restringiam a narrativas pueris. Já o cinema foi marginalizado por se tratar de um meio de entretenimento que objetivava o lucro. Não ajudava o fato de os primeiros filmes serem tão triviais. O cinema era uma criação inovadora em si, mas a temática das projeções pioneiras eram corriqueiras e banais.
Apesar do preconceito inicial, a linguagem dos quadrinhos evoluiu e, dessa forma, muitos autores aperfeiçoaram a técnica e inovaram a linguagem. A qualidade do traço e da narrativa trouxe a muitas HQs o status de obra-prima, Na década de 1980, surgiu a tríade de mestres dos quadrinhos composta por Alan Moore (Watchmen), Neil Gaiman (Sandman) e Frank Miller (Batman – O Cavaleiro das Trevas, Sin City) que desconstruíram todos os mitos que rondavam o universo das comics, inclusive sendo alguns dos poucos quadrinistas a ganharem importantes prêmios no meio literário e a terem suas obras comercializadas como álbuns de luxo. Estas apresentavam um conteúdo mais maduro e complexo do que outras obras do gênero. Os quadrinhos passaram a ser vistos como obras de autor, não mais de personagens.
O mesmo com relação ao cinema, cujo alguns expoentes mostraram, com produções mais autorais e artísticas, que esta mídia se tratava de mais do que um produto para alimentar o mercado e saciar as massas sedentas por imagens em movimento. Havia potencial nessa forma de linguagem para obras de estirpe artística e mais elaboradas em termos de visual e enredo. Georges Méliès, mesmo fazendo cinema destinado às massas, se preocupava com a qualidade de seus filmes, sendo hoje considerado o precursor dos efeitos especiais e da ficção científica. D. W. Griffith, diretor que, apesar da controvérsias que ronda sua principal obra, O Nascimento de Uma Nação de 1915, considerada extremamente racista, é apontado como o criador da linguagem cinematográfica, revolucionou técnica e esteticamente esta mídia.
Adaptar para o cinema histórias de personagens que já faziam parte do imaginário dos leitores de quadrinhos, deu mostras desde o início de ser um negócio com alto potencial lucrativo. O cruzamento entre essas mídias não demorou a ocorrer. As inúmeras semelhanças entre as duas artes, principalmente pelo fato de ambas se tratarem de exemplos de linguagem sequencial, facilitava uma adaptação do material impresso para o audiovisual. Outro fator que contribuiu para essa convergência entre os meios foi o fato de ambas se apropriarem de signos e mitos que povoavam o imaginário popular, proporcionando ao público um alto grau de identificação com os personagens. Por trabalharem com os mesmos elementos essenciais, esse encontro entre as mídias era inevitável.
Curioso é que além de ser comumente atribuído aos irmãos Lumière o título de inventores do cinema, também é de responsabilidade deles a primeira adaptação cinematográfica de quadrinhos. O curta-metragem L’arroseur arrosé (O Regador Regado), de 1895, é baseado na história em quadrinhos L’arroseur, de 1887, de autoria de um dos artistas precursores do gênero na França, Christophe. Algumas das primeiras adaptações de HQs de heróis para o cinema foram produzidas e lançadas na década de 1930, estreladas pelos populares personagens da época, Flash Gordon e Dick Tracy (em narrativas seriadas). O pioneiro dos heróis a possuir super poderes, Superman, teve seu primeiro longa-metragem lançado duas décadas mais tarde, em 1950. Filmes baseados em quadrinhos provaram ser algo lucrativo que atraía o público para as salas de projeção a fim de ver seus personagens favoritos na tela grande, tornando esta uma bem-sucedida convergência entre os meios.
Longe de se tratar de uma novidade, o gênero considerado recente teve início mesmo com o Superman de Richard Donner (1978), mas o boom só se deu a partir do início dos anos 2000 com a estréia do filme X-Men (2000), baseado nos heróis da Marvel Comics, uma das diversas criações do prolífico Stan Lee (também criador de personagens como Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, Hulk, Capitão América, dentre outros). Dirigido por Bryan Singer, o filme estabeleceu conceitos e padrões para adaptações posteriores, como é possível perceber pela estética e temática mais realistas de outros filmes baseados em super-heróis de HQs e que foram lançados depois do êxito de X-Men. O filme apostava em um enredo denso, sobriedade visual, na identificação do público com a humanidade dos heróis e tratava a trajetória dos personagens com seriedade, fugindo do aspecto kitsch de outras incursões do gênero – como os filmes do Batman dirigidos por Joel Schumacher na década de 1990, com cores saturadas e personagens caricaturais.
Antes disso, porém, a adaptação de Blade: O Caçador de Vampiros (1998), também da editora Marvel Comics, já havia feito um relativo sucesso nos cinemas. No entanto, tratava-se de um personagem cuja maioria do público desconhecia a origem das HQs. Mas o retorno que o filme gerou, abriu portas para que outras HQs fossem adaptadas para o cinema e, encorajados, grandes estúdios vissem as adaptações como uma oportunidade lucrativa de investimento.
Nem sempre, no entanto, os filmes baseados em quadrinhos desfrutaram de sucesso comercial e artístico. Durante décadas, o cruzamento entre as duas linguagens sofreu com filmes e séries adaptados de HQs que frustraram a expectativa dos fãs e do grande público, com enredos pouco consistentes e visuais berrantes, o que garantia fracassos de bilheteria e crítica, como é o caso dos filmes Batman Eternamente (1995) e Batman e Robin (1997) de Joel Schumacher.
Foi somente a partir do lançamento de Blade e, posteriormente, de X-Men e Homem-Aranha, que finalmente os estúdios pareceram encontrar a fórmula ideal para adaptações bem-sucedidas. Foi em meio a essa efervescência do novo gênero que surgiu a trilogia do Batman (que compreende os filmes lançados em 2005, 2008 e 2012) assinada por Christopher Nolan e vista por muitos como a versão cinematográfica definitiva do personagem. Em 2012, o primeiro longa dos Vingadores inaugurou o chamado Universo Compartilhado da Marvel, reunindo suas estrelas de maior grandeza na tela (Homem de Ferro, Capitão América, Hulk, Thor, dentre outros).
Isso sem falar nas adaptações de obras ditas mais maduras, como é o caso de Watchmen, Sincity, V de Vingança e alguns títulos underground, desconhecidos do grande público, como Anti-Herói Americano e Marcas da Violência, dirigido por David Cronenberg. Até mesmo o desbocado e politicamente incorreto Deadpool, ganhou sua adaptação.
Dessa forma, diversos personagens e tramas oriundas das HQs foram transportados para as telas, invadindo definitivamente o grande ecrã. Em meados da primeira década do século XXI, os filmes baseados em quadrinhos se firmaram como uma espécie de subgênero cinematográfico e, com tantos lançamentos à vista, é seguro dizer que este se trata de um casamento feliz, que não dá mostras de desgaste pelos vindouros anos.
Andrizy Bento