Bienal de Quadrinhos de Curitiba 2018

As cinzas em que se converteu o Museu Nacional do Rio de Janeiro suscitaram mais uma vez, pelas redes sociais, a discussão acerca do descaso e desleixo para com a cultura no Brasil. Infelizmente, esse trágico e lamentável episódio é somente a ponta do iceberg.

Acredito que a cultura, bem como o esporte, pode ter um efeito transformador na vida de muitas crianças e adolescentes que não dispõem de privilégios e recursos. Ao expressar-se artisticamente, eles transformam o sonho em realidade, e são capazes de evitar caminhos sombrios.

Cultura deveria andar de mãos dadas com a educação. Deveriam ser elementos intrínsecos. “A educação é a base de tudo”, você já deve ter ouvido essa frase milhares de vezes por aí. Investindo em mais educação, na reforma e construção de mais escolas, oferecendo salários mais dignos para professores e fomentando o aprendizado constante e a vontade de educar, estaríamos trilhando certamente um caminho mais seguro. Ao invés de cultivar a cultura da punição, estaríamos incentivando a cultura da prevenção, pensando em um futuro melhor para as crianças.

Mas é mais do que óbvio que educação não é prioridade no país. Tampouco cultura. Um povo letrado e instruído desenvolveria senso crítico, o que poderia ser uma poderosa arma contra governantes picaretas e corruptos. Um país bem educado está longe, muito longe, de representar uma prioridade, pois não traz aos poderosos nenhuma vantagem. Quanto menos instrução, menor é o risco de o povo começar a ponderar, a refletir. Quanto mais iletrado, mais fácil de ser manipulado.

Mas, Andrizy, o que isso tem a ver com a Bienal de Quadrinhos?

Tudo.

Embora não seja um evento com foco no meio acadêmico, as possibilidades citadas e sugeridas por convidados e palestrantes durante sua realização, foram a de estreitar os laços entre quadrinhos e educação.

Herven, staff do site escolhendo HQs para levar para casa
Comix

A Bienal aconteceu entre os dias 6 e 9 de setembro no MuMA, Museu Municipal de Arte, localizado no bairro do Portão, em Curitiba. O evento é um catalisador do desenvolvimento da nona arte, contando com nomes de peso do cenário nacional e internacional de quadrinhos, com especial destaque para obras de autores locais e independentes. Assim, durante os quatro dias, a Bienal se preocupa em ocupar os espaços do museu com mesas, painéis, oficinas, stands e exposições. É uma oportunidade perfeita para novatos e veteranos do mercado em questão exporem seus trabalhos e suas opiniões; para potenciais talentos desenvolverem suas habilidades com o traço; para folhas em branco ganharem vida por meio de ilustrações. E, justamente, um dos temas mais debatidos durante a Bienal, foi a presença dos quadrinhos no meio acadêmico e as HQs como linguagem.

Mesa Super-Herói Faz Mal?

A relação entre os quadrinhos e a educação, o estudo aprofundado e crítico da nona arte, sua presença na grande de ensino de instituições de nível elementar, fundamental e superior foram alguns dos temas amplamente debatidos durante os quatro dias de evento.

No dia 6, primeiro dia de Bienal, Chico Lam discutiu, no Palco Ocupa, acerca do uso dos quadrinhos na escola ou na comunidade. Na Casa de Leitura Wilson Bueno, no segundo dia de Bienal, Alexandre Lourenço, Fefé Torquato, Fabiane Langona, Allan Ledo e Rafael Correa, com mediação de Rodrigo Scama, integraram a mesa Quando o Quadrinista Estuda? sobre o aprendizado constante na produção de quadrinhos. No Palco Ocupa, Dennis Mello e Rapha Pinheiro deram Dicas Para Estudar Quadrinhos Fora do Brasil; Pryscila Vieira e Marco Jacobsen falaram sobre a Profissão Cartunista, Marcos A. Cortez discursou a respeito de Quadrinhos Independentes e Institucionais e Rotfather tocou em um tema urgente e atual: Transmídia.

Mesa Quadrinho Também É Bom Para Criança?

No dia 8, foi a vez de Cátia Ana, pesquisadora da ASPA – Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial, apresentar as diversas linhas de pesquisa e abordagens feitas acerca de HQs na mesa Quadrinhos e Pesquisa. No mesmo dia e local, um pouco mais tarde, os quadrinistas e professores, Maria Clara Carneiro, Lielson Zeni e Rodrigo Scama, sob a mediação de Érico Assis, integraram a excelente mesa Criticando Quadrinhos. Enquanto isso, no Teatro Antônio Carlos Kraide, a jornalista e fundadora da editora Lote 42, Cecília Arbolave mediou a mesa Quadrinho Também é Bom Para Criança? que contou com as presenças de Odilon Moraes, Marcelo Del Anhoi, Afonso Andrade e Lelis que, dentre outros pontos, discutiram o panorama e os paralelos entre a literatura infantil e os quadrinhos voltados para crianças, tocando na questão da resistência em inserir HQs como objeto de pesquisa nas escolas, uma vez que livros ilustrados vem sendo utilizados como material de estudo há décadas.

Os arquitetos e quadrinistas, Ana Luiza Koehler, Luiz Gê Key Imaguire Junior integraram a mesa Arquitetura e Urbanismo nos Quadrinhos. Com mediação de Eduardo Ambrósio, o bate-papo tomou espaço na Casa de Leitura Wilson Bueno, e seus componentes versaram acerca dos paralelos entre suas duas profissões, Já o Selo Reverso discutiu um tópico pertinente: HQ e Pesquisa.

Mesa Criticando Quadrinhos

Claro que o evento não perdeu a oportunidade de discutir temas fundamentais da atualidade como a inclusão de personagens LGBTQ e a questão da representatividade no universo das HQs, com a participação de Mario Cesar, Adri A.Guilherme Smee, Aline Zouvi e Aureliano na mesa que debateu o tema; a relação sempre oportuna entre jornalismo e quadrinhos foi debatida na mesa A Cidade Desenhada e Noticiada, pelos quadrinistas Carol Ito, Alexandre de Maio, Robson Vilalba e Augusto Paim, com mediação do jornalista e agitador cultural Ben Hur Demeneck; e, obviamente, a política esteve em pauta em Ah, Como Era Boa a Ditatura, composta por Luiz Gê, Rafael Campos Rocha, Robson Villalba e pelo mediador Yuri Alhanati.

E a convenção não perdeu seu viés vanguardista, seu olhar perspicaz para o futuro, debatendo webcomics, plataformas digitais de consumo do formato, e contando com a presença de uma galera que fala semanal e quinzenalmente sobre o tema em seus canais no youtube, como é o caso do pessoal do Quadrilhagem. Os destaques ficaram por conta das presenças de Julio Shimamoto, Marcello Quintanilha e Marcelo D’Salete (atual vencedor do Eisner Awards), que abrilhantaram ainda mais a Bienal.

Cumbe de Marcelo D’Salete, vencedora do Eisner Awards 2018

Meus textos sobre a Bienal de Quadrinhos sempre tendem a ser muito pessoais e passionais, por eu mesma ter uma relação muito próxima com os quadrinhos. Eles me ensinaram a ler, expandiram meu vocabulário, foram meu refúgio em vários momentos sombrios da minha vida, é o formato que eu mais leio, a linguagem que eu mais consumo, foi tema de meus ensaios e trabalhos acadêmicos de conclusão de curso e a maior frustração da minha vida segue sendo o fato de eu não saber desenhar. Portanto, eu sou uma entusiasta da Bienal, sou a pessoa mais feliz do mundo enquanto participo do evento e transito pela feira, exposições e assisto às mesas e debates, saio carregada de sacolas de aquisições e gostaria de reiterar o orgulho que sinto por contar com um evento desse em uma cidade que nem sempre me traz orgulho…

O que eu levei da Bienal

Obrigada aos organizadores por mais esse presente.

Andrizy Bento

 

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