Dirigido por Spike Jonze (na época, já altamente conhecido por sua carreira como diretor de videoclipes), e roteirizado pelo genial – e então estreante na função – Charlie Kaufman, este é um caso raro de roteiro inteiramente original. É diferente de qualquer coisa que se tenha visto antes.
Craig Schwartz (John Cusack) é um manipulador de marionetes que, depois de ficar desempregado por alguns meses, consegue um emprego como arquivista em uma empresa. O fato incomum é que o escritório está localizado no sétimo andar e meio do edifício. Meio, pois o teto é muito baixo, o que obriga os funcionários a andarem sempre curvados. Como se não bastasse essa bizarrice, Schwartz encontra sem querer, atrás de um arquivo, uma espécie de portal que dá acesso à cabeça do ator John Malkovich. Dessa forma, ele resolve ganhar dinheiro extra alugando o portal para diversas pessoas que desejam ser John Malkovich; sendo tragados para a mente do ator e permanecendo lá durante quinze minutos, até serem arremessadas para fora, curiosamente para uma estrada na saída de New Jersey.
O roteiro excêntrico, no entanto, versa acerca de coisas simples, ainda que fundamentais e até mesmo perigosas. O protagonista utiliza seu talento com marionetes para adentrar a mente de Malkovich e manipulá-lo da mesma forma que fazia com seus bonecos. Assim, de maneira filosófica, metafórica e com foco em questões existenciais, temas como a perda de identidade e autonomia, o domínio sobre o outro, a essência humana, a insanidade que provém da total ausência de controle sobre si mesmo e seus desejos, a obsessão por status e celebridades e até mesmo algo mais profundo como a reencarnação, são tratados nessa brilhante película permeada por simbolismos e que transmite mensagens simples e universais abusando da criatividade do formato. A própria ideia do sétimo andar e meio sugere uma metáfora de um ambiente opressivo e insalubre de trabalho que desvaloriza, constrange e diminui constante e diariamente seus funcionários que, por sua vez, se prestam a esse degradante papel e se curvam – de maneira literal – ao seus superiores.
O resultado surreal é fruto de uma parceria certeira entre diretor e roteirista – aliás, uma relação equilibrada, pois o filme é de ambos, tanto de Jonze como de Kaufman. Não tem como dizer que um é mais autor do que o outro.
Todo o elenco está ótimo, apresentando um desempenho sem igual. Destaque para John Cusack e Cameron Diaz (com uma aparência totalmente desleixada). Há uma overdose de sequências antológicas, mas a melhor de todas é quando Malkovich usa o portal e adentra a própria mente. O final, belo e melancólico, é certamente capaz de tocar o espectador mais apático e desacreditado. Inteligente e sofisticado, apresentando uma tênue linha entre a comédia e o drama, é um filme que vale ser visto e revisto, pois a cada nova revisão, percebemos algo novo que havíamos deixado escapar nas sessões anteriores.
Andrizy Bento
Uma consideração sobre “[Catálogo: Especial] Quero Ser John Malkovich”