Em um tarde do dia 22 de Fevereiro de 1988, estreavam duas séries japonesas que entrariam para a história da TV brasileira. Foi no programa infantil Clube da Criança apresentado por Angélica, na extinta TV Manchete, que a estreia de Jaspion e Changeman marcaram o inicio da era Tokusatsu no Brasil.

Tokusatsu é a união de três palavras japonesas “tokushu kouka satsuei”, que quer dizer “filme de efeitos especiais”. O gênero se notabilizou por realizar produções cinematográficas e televisivas com efeitos especiais, tornando-se sinônimo de filmes e séries live-action de super-heróis do Japão. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma enorme expansão nacionalista iniciada pelos Estados Unidos que, nessa onda, divulgou para o mundo histórias em quadrinhos de seus heróis. Acreditava-se que, no Japão (que enfrentou os Estados Unidos na citada guerra), temia-se a invasão de heróis da chamada “nação da liberdade” e resolveram criar os primeiros projetos de seus heróis. As primeiras produções de Tokusatsu de que se tem notícia são os longas-metragens da saga do monstro Godzilla, que fez muito sucesso na década de 1950. Fundada em 1957, a poderosa Toei Company deu inicio à primeira produção de um super-herói japonês da história, o Gekko Kamen.

De características diferentes, Jaspion e Changeman foram produzidos pela Toei Company e exibidas na TV Asahi em 1985. Jaspion é o quarto seriado do gênero metal hero e seu nome verdadeiro é Kyojuu Tokuson Juspion que, em português, é O Investigador de Monstros Jaspion. Já no Brasil se tornou O Fantástico Jaspion. Changeman era do gênero Super Sentai (Super Esquadrão em japonês) e seu nome oficial é Dengueki Sentai Changeman que, no Brasil, foi rebatizado por sua tradução como Esquadrão Relâmpago Changeman. A história de cada um, mais detalhada, eu contarei em um futuro próximo.

Antes de 1988, a televisão brasileira já tinha experiência em exibir Tokusatsu como National Kid, Ultraman e Spectreman (só para citar alguns). O auge dessas produções por aqui aconteceu mesmo no fim dos anos 1980 e inicio dos anos 1990. Graça ao investimento do empresário nipo-brasileiro Toshihiro Egashira, que trabalhava com produtos japoneses. Em 1985, ele abriu no bairro paulistano da Liberdade (conhecida por ter imigrantes do Extremo Oriente) uma locadora chamada Golden Fox, que contava com fitas de vídeo de programas gravados diretamente da TV japonesa. Mesmo sem legendas, essas fitas tiveram grande aceitação fora do público nipo-brasileiro e um cliente dessa locadora sugeriu trabalhar no licenciamento de algumas séries japonesas.
Chamada de Jaspion e Changeman na TV japonesa:
Toshihiro foi para o Japão sozinho negociar com a Toei Company um acordo para a distribuição das séries no Brasil. Tendo sido bem recebido na Terra do Sol Nascente, ele fechou um contrato para lançar nacionalmente três produções em vídeo, o mangá Comando Dolbuck e as séries live-action Jaspion e Changeman que, na época, eram exibidas no Japão. Para trazer as três produções no Brasil, Toshi teve dificuldade por enfrentar as leis de importação em nosso país que, na época, eram extremamente burocráticas. Para colocá-las em sua locadora, Toshihiro levou as três produções para serem dubladas pelo extinto estúdio paulista Alamo e as lançou pela Everest Vídeo, que foi criada por ele. No começo o Comando Dulbock foi o primeiro a obter sucesso, mas depois foi superado por Jaspion e Changeman.
Propaganda do boneco do Jaspion:
Apesar de as fitas serem muito vendidas, a Everest Vídeo estava à beira da falência. Toshi resolveu tentar negociar Jaspion e Changeman para as emissoras de TV no Brasil. A Bandeirantes recusou porque tinha mais preocupação com as transmissões esportivas, o SBT temia pelo contrato com a Televisa e a Globo deu um sonoro não. A TV Manchete foi o único canal brasileiro que aceitou exibi-las no já mencionado programa infantil Clube da Criança, se tornando um enorme sucesso, tirando a audiência da Sessão Aventura da TV Globo.
Propaganda do Change Kit:
Percebendo o sucesso de Jaspion e Changeman, a Manchete resolveu exibi-los em outros horários, como nas manhãs de segunda a sábado para concorrer com o Xou da Xuxa e deu certo. Depois, ganhou exibição nas tardes de domingo para fazer frente com o Programa Sílvio Santos. Segundo dados da extinta revista Herói, Jaspion sozinho foi responsável por 12% da audiência da emissora de Adolpho Bloch. As crianças brasileiras de 1988 não tinha outro assunto no recreio das escolas e nas brincadeiras na rua, a não ser comentar ou imitar os seus heróis de olhos puxados.
Propaganda do álbum de figurinhas na TV:
Jaspion e Changeman foram exibidos no Japão semanalmente, mas no Brasil as duas séries tiveram as suas exibições diárias. Para segurar a audiência, a Manchete deixava de exibir os últimos episódios, reexibindo tudo de novo. Em Jaspion, após a exibição do 44º episódio, intitulado Retorno Satânico, a Manchete voltou a exibir os episódios antigos, deixando de apresentar os dois últimos. Em Changeman, após a exibição do 52º episódio chamado A Morte de Buba, a emissora deixou de transmitir os três últimos. Esse procedimento se repetiu até 1990, quando a Manchete decidiu exibir os episódios finais de ambos.
Propaganda do circo de Jaspion e Changeman:
A pessoa que vos escreve é testemunha desse fenômeno. Não demorou para Jaspion e Changeman se tornarem álbum de figurinhas, que também obteve um grande êxito. Uniformes, armas de plástico, gibis, bonecos dos heróis, camisas, mochilas e cadernos também chegaram ao mercado brasileiro, fora um circo próprio. Também foram lançados discos com as canções que tocam nas duas séries e traduzidas para o português. Ainda no embalo musical, as duas séries viraram tema de canção do grupo Trem da Alegria.
Sátira da Turma da Mônica com os tokusatsus acompanhado da canção Jaspion e Changeman do Trem da Alegria:
De 1989 até 1991, a TV Manchete trouxe outros Tokusatsu para o Brasil como foi o caso de Flashman, Lion Man, Jiraya, Jiban, Cybercops, Black Kamen Rider, Maskman e Spielvan (rebatizada de Jaspion 2). Em 1990, as outras emissoras brasileiras também investiram em tokusatsus como a TV Bandeirantes, que exibiu Goggle Five, Metalder, Sharivan e Machine Man. Ambas também foram dubladas pela Alamo. O SBT voltou a exibir Spectreman e com a dublagem da Maga (o mesmo estúdio responsável pela dublagem de Chaves e Chapolin). Até a arredia TV Globo resolveu apostar nos Tokusatsu, botando no ar, em 1991, Bicrossers, Gyavan e Shaider. Ao contrário das produções citadas antes, os três foram dublados pelo estúdio carioca Herbert Richers.
Chamada da Record para a exibição de Flashman, Jaspion e Changeman:
Em 1994, a Manchete investiu em novos Tokusatsus como Patrine e Winspector. Mas antes, vendeu os direitos de exibição de Jaspion, Changeman e Flashman para a TV Record, que já exibia Goggle Five, Machine Man e Sharivan. Em 1995, o canal do Glória exibiu mais dois Tokusatsus, Solbrain e Kamen Rider Black RX, que são a continuação de Winspector e Black Kamen Rider respectivamente.
Justamente o ano 1995 marcou o fim da era dos Tokusatsu, que começaram a perder espaço na TV brasileira para os animes como Os Cavaleiros do Zodiaco. Piorou quando a Globo lançou a série americana Power Rangers, que a principio agradou quem acompanhava Tokusatsu. Porém, ao folhearem uma edição da revista Herói, descobriram que Power Rangers era uma reciclagem da produção japonesa Zyuranger, que foi exibida em 1992. Vários telespectadores enviaram cartas e telefonaram para a Manchete pedindo a exibição de Zyuranger, mas ouviram um não, porque a sua exportação mundial estava proibida por contrato pela Saban, que é responsável direto por Power Rangers. A partir daí, os tokufãs do Brasil passaram a boicotar Power Rangers em todas as temporadas. Para piorar, a Saban produziu VR Troopers, que foi feita da reciclagem de duas séries japonesas exibidas no Brasil, Spielvan e Metalder, além de ter sido exibida pela Globo.
Os tokusatsus são revividos através de eventos como o Anime Friends e o Comic Con Experience, ambos em São Paulo. Alguns dos atores japoneses participaram desses eventos como Hiroshi Watari (Sharivan e Spielvan), Takumi Tsutsui (Jiraya), Tetsuo Kurata (Black Kamen Rider), Shouhei Kurata (Jiban) e Kenji Ohba (Gyaban). Os intérpretes de canção-tema dos tokusatsus como Hironobu Kageyama e Akira Kushida também marcam presença. Outra ferramenta que mantém o tokusatsu vivo no Brasil é o canal TokuDoc, que é apresentado por Danilo Modolo no site Youtube. Toshihiro Egashira não trabalha mais no licenciamento de tokusatsus e atualmente se dedica a ramos bem diferentes como a agropecuária e medicina estética.
Trailer do TokuDoc:
No século 21 os tokusatsus Jaspion, Changeman e Jiraya foram lançados em formato DVD no Brasil. Além disso, juntamente com Flashman, foram reprisados no canal Rede Brasil. Ambos, mas Jiban, tiveram seus episódios postados em um canal no Youtube chamado Tokusatsu TV, que foi criado em 2017 pela distribuidora de audiovisual Sato Company, do empresário Nelson Sato. Em 2008, o gênero ganhou uma sobrevida na TV brasileira quando a RedeTV! botou no ar a série Ryukendo. Nesse ano de 2018, foi anunciado que Jaspion vai ganhar um remake brasileiro, previsto para 2020.
Windson Alves
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