Fuck Wolverine!
É com esta exclamação que Deadpool dá início à sua aguardada segunda aventura nas telas. E engana-se quem esperava mais do mesmo. Deadpool 2 não se trata de mera repetição, mas uma sequência turbinada e uma blasfêmia ainda maior e mais exagerada do que seu antecessor. Em todos os sentidos.
Em 2016, o personagem criado pelo controverso desenhista Rob Liefeld ao lado do roteirista e editor Fabian Nicieza, estreou na telona com uma proposta inusitada e audaciosa: um filme baseado em quadrinhos com censura R, isto é, para maiores de 18 anos. Claro que já havia Sin City, 300 e Watchmen dentre as adaptações voltadas para o público adulto, mas estamos falando de um longa centrado em um mutante da Marvel – um anti-herói que deu as caras pela primeira vez, em 1991, em uma HQ dos X-Men. Isso, sim, era novidade. Afinal, as outras citadas já se tratavam de obras direcionadas a leitores maduros desde seu meio de origem.
Claro que também podemos contestar o pioneirismo de Deadpool como um filme da Marvel com censura R, pois a fórmula já havia sido testada em um passado sombrio, com o longa do Justiceiro de 2004. Mas a verdade é que, desse, ninguém lembra, afinal, ele teve uma carreira curta, mal-sucedida e inexpressiva em telas ianques. Já por estas bandas, foi recebido com ostracismo, amargando nas prateleiras das, hoje, praticamente obsoletas videolocadoras, uma vez que a produção foi lançada diretamente para o mercado de home video.
Desse modo, com seu estilo desbocado e cínico, e mirabolantes sequências de ação que abusavam de computação gráfica, pirotecnia e muita violência, Deadpool conquistou o público, sendo um dos êxitos cinematográficos daquele ano.
Na esteira do sucesso do mutante mercenário, a Fox tomou coragem e investiu em um longa voltado para um público maduro, centrado no mutante mais famoso da Marvel: Logan, o Wolverine. Assim, o emblemático e rebelde integrante dos X-Men ganhou um filme digno e à altura de seu prestígio (após amargar dois longas solos inócuos) e que ainda foi considerado por especialistas um dos melhores filmes adaptados de quadrinhos de todos os tempos.
E, por isso mesmo, ele é o primeiro alvo de Wade Wilson (o nome de batismo de Deadpool) que não perde tempo em zombar de seu filme e dá a uma action figure de Logan o mesmo final trágico que o carcaju conheceu em sua terceira aventura solo no cinema. A participação dos X-Men e de Wolverine, no entanto, não param por aí. Além de debochar de Logan e de sua alta classificação indicativa, Wade ainda faz graça do fato de o estúdio ainda não levar o Deadpool a sério, mesmo depois de seu sucesso de bilheteria em 2016, contratando poucos mutantes (e mesmo assim, não muito expressivos) para integrar o elenco de seu filme, o que rende uma hilária figuração de alguns X-Men mais famosos. Além disso, Deadpool continua rindo de si mesmo, do universo Marvel, da DC e da cultura pop em geral. O texto mantém o tom metalinguístico de sua incursão anterior no grande ecrã, mas consegue ser ainda mais afiado, especialmente quando o protagonista decide cutucar outros personagens célebres dessa indústria. Disparando referências a torto e a direito, apostando no alto teor de comédia combinada à ação, Deadpool nada mais é do que uma crítica contudente travestida de humor nonsense.
Há dois anos trabalhando como mercenário e recebendo um relativo reconhecimento pelos seus feitos, Wade Wilson (Ryan Reynolds) encontra-se em um bom momento de sua vida, fazendo planos de ter uma família com a namorada, Vanessa (Morena Baccarin). No entanto, justamente em seu aniversário, Vanessa é assassinada por um dos alvos de Deadpool que ele deixou escapar previamente. A partir daí, o mercenário mergulha em uma espiral de depressão, culpa e autodestruição, abusando do álcool mais do que o normal e desejando a todo custo dar cabo de si mesmo. Resgatado por Colossus (Stefan Kapicic) que faz de tudo para reerguê-lo, Deadpool vai parar na mansão X, para que se recupere. Apesar de uma inicial resistência, logo o mutante aceita integrar os X-Men, mas coloca tudo a perder após uma fracassada missão envolvendo o jovem mutante Russell Collins/Firefist (Julian Dennison) que se revoltou contra o internato em que morava. Wade não demora a perceber que o garoto sofria abusos no chamado Centro de Reeducação Mutante, uma alcunha para o orfanato que não trata bem seus jovens especiais.
Como Wade foi longe demais, desafiando os protocolos estabelecidos por Colossus – derramando sangue e incitando o caos – ele é levado a uma prisão exclusiva para criminosos mutantes ao lado de Russell, com ambos portando colares que inibem seus poderes, o que deixa Wade bastante debilitado. E como nada está tão ruim que não possa piorar, um soldado do futuro denominado Cable (Josh Brolin), volta ao passado para vingar sua família, visando assassinar Russell e impedir que ele se torne o terrível homicida que subjugou sua mulher e filha. Cabe a Wade tentar proteger o jovem mutante, evitar que ele se torne o maligno ser que Cable descreve e procurar negociar com o homem do futuro uma saída satisfatória para todas as partes.
Wade escapa da prisão e, sem demora, monta um super esquadrão lado B, chamado de X-Force, Um bando de mutantes de quinto escalão da Marvel, cujos integrantes, despreparados, sequer sobrevivem a um salto de paraquedas em meio a uma ventania.
Pois é.
Uma das sobreviventes é Dominó (Zazie Beetz) que tem o curioso poder de ser extremamente sortuda e escapar ilesa de terríveis acidentes. Ela se torna uma poderosa e vantajosa aliada para Deadpool que, circunstancialmente, acaba trabalhando ao lado dela e de Cable para resgatar Russell de um futuro sombrio após este ser seduzido pela força destrutiva do Fanático (Ryan Reynolds novamente).
Ok, vamos por partes: a versão de Dominó para o filme ficou bem bacana e a personagem é um dos destaques do longa. Apesar de divergir dos quadrinhos, a mutante ganhou uma caracterização excelente e é possível perceber o quanto a atriz está se divertindo no papel. Falando em caracterização, o Colossus continua tão artificial quanto no primeiro filme, mas é algo proposital e que condiz perfeitamente com o contexto em que ele está inserido. O Fanático não impressiona realmente, mas é funcional e muito mais fiel do que aquele apresentado em X-Men: O Confronto Final. E só um filme como esse para fazer um personagem como o Cable se tornar passável e até mesmo legal. Interpretado por Josh Brolin, o mesmo ator que deu vida a Thanos no colossal Guerra Infinita, óbvio que o Deadpool não perderia a oportunidade de aludir ao petardo bilionário da Marvel Studios.
Um dos grandes acertos de Deadpool está exatamente na escalação de seu cast, o que contribuiu muito para o sucesso do primeiro filme. O rostinho bonito Ryan Reynolds, aqui despido de sua beleza, sabe dar vida ao personagem como ninguém, tirando bom proveito de sua canastrice e apresentando um invejável timing cômico.
O tom de zombaria é constante, embora não passe despercebido o fato de que a figura de Russell e toda a sua trajetória façam menção à trágica realidade americana de crianças que entram em escolas portando armas com o propósito de executar um massacre, muitas vezes argumentando que estavam fartas de sofrerem bullying e abusos de seus colegas. Mas nada é muito profundo. Deadpool existe com propósito de entretenimento chulo, de diversão escapista carregada de adrenalina e humor politicamente incorreto. Tanto que até mesmo denuncia as fragilidades do próprio roteiro, especialmente ao fazer uso de um exaurido, embora frequentemente utilizado, recurso de viagem temporal para consertar os erros do passado. E como não se lembrar de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido ou até mesmo de todas as teorias fervilhando na internet a respeito de a sequência de Guerra Infinita partir de uma premissa similar? De qualquer forma, aqui a estratégia manjada é executada como sabedoria, inclusive nas cenas escondidas nos créditos – seja para apagar a aparição de Deadpool em X-Men Origens: Wolverine, procurando consertar a linha do tempo ou até mesmo anulando Lanterna Verde da história – filme, este, também estrelado por Reynolds. Deadpool não perde a oportunidade de meter uma bala na cabeça do ator que o interpreta, evitando a tamanha sandice e tragédia que foi aquela produção.
Em resumo, Deadpool 2 é isso: mais violento, debochado, escatológico, transgressor do que seu original e continua esbanjando estilo acompanhado de uma trilha sonora potente. Sem medo de exceder limites, aposta na linguagem de baixo calão e na ira e sarcasmo de um protagonista que não hesita em rasgar o verbo. É é justamente isso que precisamos em um anti-herói. Cômico e dinâmico, munido de cenas indigestas que nem podem ser apontadas como desnecessárias dado o teor do filme e seu tom já característico, Deadpool 2, felizmente, não se limita a ser uma piada contada duas vezes como tantos temiam. E que venha um terceiro!
Andrizy Bento
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