Greta Gerwig tem um jeito único de retratar o fracasso. Com desenvoltura e humor, temperados por uma melancolia genuína, ela apresenta sua relação com o mundo ingrato que não parece reconhecer seus talentos, valorizá-la devidamente e que se mostra sempre disposto a lhe dar uma nova rasteira ao invés de uma nova chance. Contudo, não há espaço para vitimismo; ela parece rir de sua própria desgraça. Como atriz e roteirista, já havia nos brindado com uma série de desventuras no excelente Frances Ha (2012). Agora, acumulando as funções de roteirista e diretora, presenteia o espectador com um texto esperto recheado de diálogos brilhantes e intensos, fugindo – ainda que não completamente, mas com sabedoria – das artimanhas de uma autobiografia. A própria Gerwig assume que se espelhou em trechos de sua vida para compor Lady Bird – A Hora de Voar. Mas isso não significa que o filme seja necessariamente baseado em suas frustradas experiências ao longo da vida.
Lady Bird, alcunha adotada por Christine McPherson (Saoirse Ronan), é uma sonhadora. A começar pelo fato de que exige ser chamada de Lady Bird, como se tratasse de um personagem e quisesse fugir da vida real. Ela idealiza romances ideais, a casa em que pretende morar, as amizades que quer cultivar, a faculdade que deseja cursar. Porém, a realidade em que vive fica situada bem distante do universo de ilusão e ficção contornados em sua mente. No mundo real, suas expectativas são frustradas e seus castelos de conto de fadas desmoronam facilmente. Ela romantiza tanto sua própria existência que não sabe o que fazer quando vê seus sonhos adolescentes ruindo além de dar de ombros com um ar condescendente e blasé e acumular mágoas dentro de si.
Com o primeiro amor, vem a decepção; suas notas na escola são baixas; ela troca a melhor amiga de verdade por uma amizade que não tem nada a ver com ela, construída a base de mentiras e que não demora muito a se desfazer; consegue papéis ínfimos no teatro do colégio católico em que estuda, sem nunca se destacar como deseja; suas aspirações acadêmicas vão sendo rejeitadas pouco a pouco a cada nova carta de recusa que recebe das universidades para as quais se inscreve.
Em meio a ritos de passagens naturais da adolescência e as decepções provenientes destes, ela trava verdadeiros embates com a mãe que, na cabeça da protagonista, parece apenas querer impedi-la de crescer e de deixar Sacramento, na Califórnia, sua cidade-natal e que ela não vê a hora de abandonar. No entanto, tudo o que sua mãe verdadeiramente deseja é protegê-la dos desencontros com os sonhos, com as frustrações ao não conseguir satisfazer, tampouco superar suas altas expectativas. O que leva a discussões calorosas e exaltadas, repletas de verdades jogadas na cara uma da outra em performances soberbas e cativantes de Ronan e Laurie Metcalf.
Sacramento é quase um personagem na história. Estruturando-se como um ensaio acerca da relação intrínseca da protagonista com a paisagem que a rodeia, enfatizando seus laços sociais, culturais e emocionais com o lugar em que vive (e, nesse sentido, aproximando-se de outra impressionante produção recente, Columbus do ano passado), não é nenhuma surpresa que esta seja também a cidade-natal de Gerwig, daí o caráter afetivo expresso ao longo da trama.
Pode até parecer irônico, mas Greta confere doçura e leveza a vidas repletas de amargura e recheadas de dissabor nos filmes em que atua, roteiriza e dirige. Multifacetada e talentosa, ela deixa sua assinatura bem marcada e traz um sopro de inovação ao território do cinema indie – tão saturado pela fórmula costumeira dos últimos tempos – apostando na despretensão e em um retrato simples de pessoas e relações de verdade, sem emoldurar ou adornar demais seu longa.
Adendo: O filme se passa em 2002. E você percebe que está envelhecendo quando já existem filmes que olham com nostalgia para o início dos anos 2000 como é o caso.
★★★½
Andrizy Bento
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