Tecnicamente irretocável e emocionalmente vazio. Eis um modo preciso de definir o último petardo de Christopher Nolan. A proposta do longa é narrar os pormenores da Operação Dunkirk, ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial e cujo objetivo era evacuar quase quatrocentos mil soldados aliados das praias da cidade portuária que dava nome à operação, localizada no norte da França. Isso sob o intenso bombardeio das tropas nazistas que haviam invadido o país.
Recorrendo a poucos diálogos e se distanciando dos filmes mais convencionais do gênero, Nolan não elege seu herói de guerra e se dedica a acompanhar sua jornada conferindo um tom épico à narrativa. O filme nem mesmo conta com um protagonista, de fato. O cineasta está mais interessado em criar um clima de tensão psicológica absoluta; mal há tempo para respirar. Dunkirk se destaca por ser uma experiência única de imersão para o espectador, ao concentrar a câmera no meio da ação, aproximando-a dos personagens e das batalhas, seguindo os soldados em um cenário caótico, ainda que não invista em tomadas brutais, violentas e explosivas. O impacto é mais sonoro do que gráfico. Os enquadramentos e movimentos de câmera, precisos e sofisticados, são espantosamente articulados à engenharia de som – de longe o aspecto mais interessante do filme.
Pra variar, Nolan é didático e detalhista. Tanto em termos visuais quanto narrativos. A trama é dividida em três segmentos: Terra, mar e água. Assim, vemos a batalha se desenrolar em cada um desses planos, focando em um soldado específico – Tommy (Fionn Whitehead) em Terra, o Sr. Dawson (Mark Rylance) no mar e o piloto Farrier (Tom Hardy) no ar. Prolongar-se muito ao discorrer sobre os personagens é perda de tempo. Como peças descartáveis de um jogo sangrento (exceto por Tommy que chega mais próximo de ter uma história), e com a espessura de um pires, eles existem unicamente em função da guerra, o que faz com que o espectador pouco se importe, se afeiçoe, ou que sinta a mínima empatia por eles, mesmo em situações de perigo iminente.
Se permitem um trocadilho infame, Nolan se preocupou tanto em buscar profundidade de campo, rodando seu filme em 70mm no sistema Imax, e tornando Dunkirk uma experiência realmente estarrecedora em termos visuais, que esqueceu de dar a mínima profundidade aos personagens retratados. Os comumente ótimos, Tom Hardy e Cillian Murphy, são um desperdício de cast. O mesmo vale para o vencedor do Oscar, Mark Rylance. A performance do músico Harry Styles, conhecido como membro da boyband One Direction, parece estar aqui por mera curiosidade. O aspirante a ator até mostra competência na pele do soldado Alex, mas tem seu potencial pouco explorado. E, por isso mesmo, o final melodramático e pretensamente glorioso não combina com o teor realista e a ótica quase documental apresentados durante uma hora e meia na tela. O texto tenta empurrar um momento forçado de emoção goela abaixo do espectador que não condiz com toda a frieza, apatia e didatismo que deram o tom ao longa até então.
O trabalho de montagem é interessante ao intercalar as tramas que ocorrem simultaneamente, conferindo a cada uma delas um tempo adequado de tela. Porém, não deixa de ser enfadonha, dando um ritmo lento e cansativo à obra.
Curiosamente, apesar de toda a pompa visual, este parece ser dos trabalhos menos pretensiosos de Nolan nos últimos tempos. Talvez por não recorrer ao melodrama (excetuando-se, como já mencionado, a cena final) que destruiu a boa vontade de muitos espectadores no caso de Interstellar, por exemplo. Em Dunkirk, há acuro técnico de sobra, mas não se enxerga aquela paixão por parte do cineasta. Esteticamente soberbo, porém, um filme sem alma.
★★½
Andrizy Bento
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