Na ocasião de seus respectivos lançamentos e, mesmo alguns anos após, público e crítica eram unânimes em dizer que X-Men 2 e Homem-Aranha 2 eram alguns dos melhores e mais perfeitos filmes de heróis de todos os tempos ao lado do Superman de Richard Donner. Não era para tanto. Perfeitos, não. Talvez nem mesmo beirassem a perfeição. Talvez porque, naquela época, o pessoal acreditasse que aquele era o melhor que se podia fazer, o máximo que se podia alcançar em termos de adaptações de HQs para o cinema. Como se fala por aí: é o que tem para hoje.

Os recursos ainda eram limitados e o orçamento não era de todo satisfatório. Histórias em quadrinhos eram vistas como coisa de público segmentado. Também era necessário que os filmes baseados nelas agradassem tanto os versados quanto os não-leitores de HQs e, por fim, aquele era apenas o início de um subgênero que, sem ninguém esperar, iria dominar as telonas nos anos subsequentes.
Agora, é bastante comum ver aqueles que antes elogiaram se tornarem detratores vorazes.
Ora, qualquer um que leu a graphic novel Deus Ama, o Homem Mata, reconhece que X-Men 2 é uma obra ímpar, uma das melhores traduções de um quadrinho para o cinema. Sim, X-Men ainda não havia atingido todo o seu potencial com este filme, mas o que faltava na época era budget para reproduzir mais elementos canônicos do original (a ideia era introduzir os Sentinelas nesse filme, mas faltou verba) e um maior senso de equipe no vídeo. Todavia, reunir tantos personagens em um tempo tão curto de projeção, permanece sendo um desafio dos grandes e que, sim, foi contornado magistralmente em Capitão América: Guerra Civil – é necessário reconhecer.

Já Homem-Aranha 2 era descrito por críticos ranzinzas e fanboys ardorosos como uma evolução do primeiro filme em todos os sentidos, bem como X-Men. Contava com uma trama sólida, um roteiro inteligente, ação vibrante e era conduzido com muita destreza por Sam Raimi. Mais seguro, graças ao sucesso de seu antecessor, Raimi não se absteve de optar por movimentos de câmera mais ousados e de imprimir sua assinatura em cada quadro do longa. O cineasta criou um filme autoral, repleto de licenças poéticas, mas que não incomodavam ou feriam a essência do emblemático personagem da Marvel Comics.
De uns tempos pra cá, no entanto, tornou-se comum falar mal de ambos os filmes, e isso não parte apenas de uma geração que teve seu primeiro contato com adaptações a partir do primeiro Homem de Ferro e da consolidação do MCU (Marvel Cinematic Universe) nas telonas. Vem de quem antes defendia X-Men e Homem-Aranha como obras máximas do terreno de adaptações cinematográficas de HQs. Sim, ambas as franquias tinham seus defeitos, não eram exatamente fiéis ao material que as originou, entretanto se tratavam – e ainda se tratam – de grandes filmes. E pode soar até mesmo contraditório, mas era exatamente isso que os destacava dos demais. É necessário compreender que o conceito de adaptação não se refere, tampouco é sinônimo de fidelidade extrema; de uma reprodução quadro a quadro de uma HQ, mas, sim, de captar a essência da obra e saber traduzir e transmitir isso enquanto cinema.

Desde 2008, a Marvel decidiu se dedicar à produção de algo louvável: construir nas telas um universo similar ao dos quadrinhos, com histórias entrelaçadas, heróis que se interligam, narrativas que se entrecruzam. Se, nos quadrinhos, eles sempre fizeram parte de um mesmo mundo, por que não reproduzir e emular isso nas telonas? E foi com alegria que recebi essa notícia por meio de um programa de rádio (!) sobre cinema e, depois, corri para a internet conversar com meus colegas de fórum de discussão (!) a respeito da grande e colossal novidade. Alguns ainda tinham receios de que o negócio não funcionasse. Adaptar quadrinhos para o cinema ainda compreendiam um risco dos grandes. Mas a estratégia funcionou e está aí para todo mundo ver.
Histórias em quadrinhos deixaram de ser coisa de público segmentado. Hoje, existem fãs dos Vingadores em cada esquina, todos, orgulhosos, com suas camisetas do Capitão América e do Homem de Ferro. Action Figures são vendidas aos montes. As salas de cinema lotam nos fins de semana de estreia dos filmes da Marvel e, graças a ela (convém dizer), da DC também. Até mesmo quem desdenhava de HQs dizendo se tratar de coisa de criança (eu ouvi muito isso quando se metiam a bisbilhotar minha coleção de formatinhos que adquiri por centavos em minhas escavações em sebos), hoje gastam pequenas fortunas comprando graphic novels de oitenta pilas para encher sua estante, fazer volume, tirar fotos e fazer o geek cool no instagram.

Eu sou fã das produções cinematográficas da Marvel, declaro abertamente que me divirto assistindo aos filmes, mas preciso admitir que grande parte dos longas do MCU são filmes de estúdio e não de autor. São divertidos, bem-humorados, coloridos e dinâmicos (como manda o padrão Marvel), mas falta estilo e algumas das produções que integram o universo cinemático da Marvel são até mesmo esquecíveis. Mal consigo me lembrar de Thor: O Mundo Sombrio e Vingadores: Era de Ultron, por exemplo. Não são ruins, mas também não são grandes filmes. São aventuras de fim de semana descompromissadas e nada mais. E por mais que eu tenha gostado e falado bem de Homem Formiga e Guardiões da Galáxia, tecendo elogios à trama e aos aspectos técnicos, não se pode negar que eles se rendem ao formulaico, seguindo rigorosamente um padrão, sem se atrever, não se arriscando muito a sair da zona de conforto estabelecida pelo estúdio.
Eu gosto, mas sinto muito. São ótimas reproduções do universo dos quadrinhos, todavia, aquela sensação de que falta algo, um elemento mais autoral, sempre os acompanha. As produções carecem de diretores-autores estilosos como eram Sam Raimi e Bryan Singer e, por que não, John Favreau? Mesmo os irmãos Russo, responsáveis por um dos melhores filmes do MCU, Capitão América: Soldado Invernal, não mostraram tanto estilo em Capitão América: Guerra Civil. Na contramão disso, o diretor de Homem-Aranha: De Volta Ao Lar, Jon Watts, surgiu como uma grata surpresa ao evocar John Hughes, trazer ecos de uma narrativa oitentista para um longa do Aranha, sem deixar de tornar o personagem atual, refletindo o comportamento desta geração. O cineasta acertou especialmente por dar mais humanidade ao herói, não investir tanto em sequências hiperbólicas de ação (embora conte com algumas cenas de lutas e perseguições bem interessantes), mas em construir uma personalidade carismática para o indivíduo por trás do uniforme e, especialmente, por fazer um filme estiloso. Os dois primeiros longas do Homem de Ferro traziam isso, esse foco no desenvolvimento do personagem e uma assinatura bem definida de seu diretor.. Nota-se de longe a diferença de tom e a falta de estilo em Homem de Ferro 3, quando Favreau deixou de ocupar a cadeira de cineasta e a cedeu para Shane Black.

Outra coisa que incomoda nos filmes da Marvel Studios é o fato de não se fecharem em si mesmos, como se fossem peças de um grande quebra-cabeça que só se completará mesmo na última grande aventura de uma determinada fase do MCU. Sim, eu sei que todos fazem parte de um mesmo universo, que essa é uma estratégia emprestada das HQs (que o leitor tinha de voltar correndo para a banca semana após semana, para garantir as continuações das histórias que sempre acabavam em um cliffhanger), mas não custa nada os filmes serem mais bem resolvidos. Todos tem essa cara de meio do caminho por se renderem à uma narrativa episódica. Não é apenas um recurso adotado de modo a remeter aos quadrinhos como podem pensar os mais ingênuos. Mas para garantir que os espectadores assistam a todos os filmes que integram o MCU (mesmo sem curtirem o herói que protagoniza algum deles), sempre retornando às salas de cinema mais caras e que exibem os filmes em formato 3D. Em suma, é uma estratégia pensada apenas para fins comerciais. O problema é que, ao final de tudo, pode funcionar no conjunto da obra, em um plano global; mas, como longas individuais, muitos deles já se tornaram imemoráveis, a não ser por uma ou outra sequência e algumas cenas pós-créditos.
Fora da MCU, temos alguns exemplos de filmes menos formulaicos e com mais estilo. É o caso de Deadpool, que se arrisca bastante em seu roteiro e visual e traz uma assinatura bem definida e até mesmo X-Men: Dias de um Futuro Esquecido. Os corpos dos mutantes no início do longa é uma cena que eu não consigo imaginar em um filme do MCU, especializado em aventuras dinâmicas e eletrizantes recomendadas para qualquer idade.

O que sempre busquei em histórias em quadrinhos, eram roteiristas e desenhistas que desafiassem o status quo, que subvertessem paradigmas, que não se rendessem ao comodismo, que fugissem do mais do mesmo e da zona de conforto, apresentando um traço e uma narrativa autorais. Foi o que fez Grant Morrison, Gail Simone e, antes deles, a tríade Alan Moore, Neil Gaiman e Frank Miller, que foram os que mais se destacarem nesse âmbito, por exemplo. No caso dos três últimos, as HQs passaram a ter mais prestígio depois que eles reinventaram os conceitos do gênero, sendo agraciados até mesmo com prêmios consagrados de literatura – algo impensável décadas atrás, quando quadrinhos eram vistos com preconceito; como literatura fácil e barata. Hoje, seus álbuns são artigos de luxo e comercializados por preços indizíveis.
E é exatamente o que espero de diretores de adaptações de HQs para o cinema. Que se atrevam mais, que se arrisquem sem comprometer a essência das obras originais. Saliento novamente que as licenças poéticas de Raimi eram muito bem-vindas. Sim, eu sou fã do MCU e me divirto nas salas dos multiplex assistindo às aventuras dos super-heróis que povoam meu imaginário desde a infância. Mas, acima de tudo, sou uma apreciadora de bom cinema. E ainda espero que o Universo Cinemático da Marvel me surpreenda com um filme que tenha tanto impacto sobre mim e me marque tanto como X2 me marcou em 2003. Estou no aguardo 😉
Andrizy Bento
5 comentários em “Vamos falar sobre o MCU?”