La La Land – Cantando Estações

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Como espectadora, musical é um gênero que me deixa desconfortável. Por mais que reconheça os méritos, especialmente dos grandes clássicos, se trata de um gênero que não consegue me convencer ou atrair. Geralmente, acho que são artificiais. A exceção é As Canções de Amor de Christophe Honoré, no qual a música surge de maneira espontânea e natural, como se os personagens estivessem dialogando através de canções e imersos em uma atmosfera videoclíptica que contribui muito para que o longa funcione.

Não é constrangimento nenhum admitir que fui munida de preconceitos assistir La La Land  tanto por se enquadrar na categoria de musical, quanto pelo fato de que todo filme adotado como o queridinho da Awards Season é promessa de muito alarde por pouca coisa. Afinal, o que se privilegia nessa época é o famigerado padrão Oscar, de filmes quadrados, mornos, que não incomodam, nem causam comoção. E a sequência de abertura, extremamente elogiada pelos quatro cantos do globo, só serviu para cutucar a minha aversão.

La La Land abre com uma cena musical, em que dezenas de pessoas, presas em um engarrafamento (que remete imediatamente ao 8 ½ de Fellini) rumo à Los Angeles, saem de seus carros e iniciam um número de cantoria e dança em um plano-sequência realmente admirável. A metáfora é pública e notória: mesmo diante das dificuldades e barreiras, os jovens aspirantes a artistas estão em busca de seus sonhos na cidade dos sonhos. Sim, não tem como não reconhecer seus méritos, mas que a cena me deu certo embrulho no estômago diante da desconcertante impressão de que o longa seria inteiramente cantado, também é inegável.

Depois disso, a impressão se desfez, felizmente. E La La Land se provou uma grata surpresa.

O longa acompanha a jovem aspirante a atriz, Mia, interpretada adoravelmente por Emma Stone, emprestando charme, descontração, elegância e competência à sua barista que trabalha em uma cafeteria localizada próxima a um grande estúdio cinematográfico e faz audições regularmente, mas sempre com resultados pífios. Seu caminho se cruza, desde o engarrafamento do início do longa, com o do pianista de jazz, Sebastian (Ryan Gosling), que também se encontra em uma fase fracassada da vida. Ambos estão tentando seu lugar ao sol em um mundo altamente competitivo e, que por vezes, não valoriza devidamente o talento. E por mais que haja animosidade entre eles nos primeiros contatos, a identificação e conexão logo surgem e o filme retrata a evolução e os percalços de seu relacionamento ao longo de um ano, aliás, ao longo das estações. Daí o subtítulo do filme em português.

Há um quote, logo na metade do filme, que o define de certa maneira: Como ser revolucionário sendo tradicionalista? Embora, o diretor Damien Chazelle, invista em aspectos tradicionais, fazendo de seu filme uma ode aos grandes clássicos perpetuados da sétima arte – uma carta de amor à era de ouro do cinema – evocando a deliciosa atmosfera da velha Hollywood, o cineasta olha para frente, dando um toque moderno ao tradicional. Seu longa jamais soa como algo quadrado, antiquado, envelhecido.

Colocar Emma Stone e Ryan Gosling juntos novamente, é uma aposta segura. Sua parceria e química já foram amplamente testadas e comprovadas em filmes como Caça aos Gangsteres e Amor à Toda Prova. E parece aludir a parcerias antigas do cinema. Spencer Tracy & Katharine Hepburn e Humphrey Bogart & Lauren Bacall são alguns exemplos de co-stars constantes, que atuaram em vários filmes um ao lado do outro. Repetir a parceria de Stone e Gosling é apostar no seguro, sim, mas é outra decisão esperta de Chazelle e que está em total sintonia com a proposta do roteiro.

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É perceptível como unir música e jazz é combinar duas paixões do cineasta em um mesmo pacote. Isso já havia sido contemplado e ficado claro em Whiplash, seu longa anterior. Os diálogos deliciosos e as discussões inflamadas entre os personagens de Stone e Gosling, sobre o quanto o jazz é nervoso, caótico, mais do que arte, um modo de vida, e as várias menções a filmes como Levada da Breca, Casablanca e Juventude Transviada são puro deleite. Falando nisso, eu quase cheguei a pensar que, na cena em que Sebastian espera por Mia na entrada do cinema para ver Juventude Tranviada, ele teria a mesma decepção que Cary Grant teve ao esperar por uma Deborah Kerr que não apareceu no topo do Empire State Building, conforme o combinado em Tarde Demais Para Esquecer.

Plasticamente irretocável, com frames inspiradíssimos e uma paleta cromática notável, La La Land é agradável aos olhos, ainda que impregnado por uma iluminação intensa e saturada e movido por uma montagem dinâmica. Mesmo repleto de cores alegres e festivas (onipresentes nos cenários e figurinos de Emma Stone) que representam as estações felizes que Mia e Sebastian vivem um ao lado do outro, os tons mais escuros e esmaecidos não deixam de dar o ar da graça (ou desgraça) quando os sonhos começam a desmoronar.

A música, felizmente, surge organicamente, ainda que não tenha necessariamente um ponto alto ou um tema realmente memorável. De qualquer modo, Chazelle já havia mostrado seu domínio (quase uma precisão cirúrgica) na utilização da música combinada à narrativa.

Outro fator interessante é a pequena participação de J.K. Simmons que parece estar presente apenas para demarcar o território do cinema de Chazelle. Vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Whiplash, Simmons surge ranzinza como o proprietário de um restaurante, querendo que Sebastian toque exatamente o que ele manda. Mas não se preocupem: Gosling não leva na cara como Miles Teller por improvisar e descumprir o acordo.

La La Land  é um delicioso exercício de pescar referências e um ótimo aprendizado para os que desejam conhecer mais acerca de cinema, especialmente os grandes clássicos aos quais o longa presta, descaradamente, um tributo. Tributo, este, belíssimo, a filmes como Os Guarda-Chuvas do Amor, Amor Sublime Amor, Cantando na Chuva, Melodia da Broadway, Ritmo Louco, dentre tantos outros.

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A cena final golpeia o espectador desavisado e é capaz de arrancar lágrimas mesmo do mais apático dos seres. Viver ou abandonar os sonhos; assistir de camarote o que a vida poderia ter sido e não foi; arcar com o peso das nossas escolhas e decisões; viver o agora, deixar a vida te levar em frente; pensar menos, viver mais. É essa a mensagem transmitida com tamanha delicadeza e poesia. Interessante evitar o caminho óbvio e adotar um tom melancólico. A sequência surge devastadora na tela, confirmando a força do cinema de Chazelle, cujo trunfo é sempre o clímax. Quem não se lembra do final atordoante de Whiplash? Em La La Land, ele apenas despedaça milhões de corações.

★★★½

Andrizy Bento

5 comentários em “La La Land – Cantando Estações”

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