Divertido, transgressor, atípico e controverso exemplar de adaptação de uma história em quadrinhos da Marvel Comics, Deadpool acerta ao aliar o humor politicamente incorreto do personagem a cenas de ação explosivas e bem filmadas, além de rechear sua narrativa de referências pop certeiras.
Dirigido por Tim Miller, o longa da Fox é parte integrante da franquia X-Men. Ryan Reynolds interpreta o protagonista, Wade Wilson, um mercenário e ex-militar que, após ser diagnosticado com câncer terminal, vê a possibilidade de cura em um perigoso experimento científico. Ele se recupera do câncer, ganha superpoderes, mas adquire uma aparência disforme. Adotando a alcunha de Deadpool, planeja vingança contra o homem que o sujeitou à experiência.
O tom de autossátira, notório desde a abertura do filme, é não apenas o maior acerto do longa, como provavelmente o que o faz funcionar. O filme é todo estruturado nesse artifício de tirar sarro de si mesmo – do personagem em si, de sua origem e da condição de longa adaptado de um personagem lado B da Marvel – editora responsável pelos heróis de primeiro escalão como Vingadores e X-Men. Diferentemente de seus colegas de editora e estúdio, Deadpool é um anti-herói e sua adaptação para as telas abusa de linguagem imprópria, humor negro excessivo e investe pesado na carga de violência.
O bom-humor é o traço que prevalece, fazendo com que Deadpool se aproxime mais da comédia do que da ação propriamente dita. Mas nada das piadinhas inofensivas de um A Era de Ultron da vida – cujo momento mais engraçado foi Visão levantando o Mjölnir de Thor. O longa de Tim Miller vê graça nas situações politicamente incorretas, mórbidas e cruéis. Também utiliza a metalinguagem para alcançar esse intento, comumente quebrando a quarta (e até a sexta!) parede ao dialogar com o espectador.
As piadinhas são inúmeras, especialmente com relação a X-Men devido à participação gratuita (e isso é salientado desde os créditos iniciais) dos mutantes Colossus e Míssil Megassônico (uma adolescente rebelde que usa um uniforme mais legal e funcional do que os utilizados nos filmes de Bryan Singer). Wade alude ao fato de a mansão Xavier explodir todo ano; menciona as confusas linhas temporais dos filmes dos X-Men; e indaga o motivo de o Instituto ser tão espaçoso quando se tem apenas dois mutantes residindo nele (atentando para a falta de verba do estúdio na hora de negociar participações de maior peso dos X-Men). Algumas das melhores tiradas fora do universo do qual o personagem faz parte, são as que envolvem o ator Liam Neeson a banda de pseudo-rock Limp Bizkit e até o próprio Ryan Reynolds, caçoando de sua condição de hearttrhob. Sem falar na cena pós-créditos, uma paródia do clássico desfecho de Curtindo a Vida Adoidado. Simplesmente um achado.
Por mais que a comédia dê o tom, a ação não fica devendo em nada para outras produções do gênero. Muito pelo contrário, surpreendem e até conseguem superar em vários aspectos – movimentos de câmera, montagem, coreografia dos combates – muitos filmes de super-heróis mais gabaritados. A execução das sequências de lutas, trocas de tiros e explosões são extremamente bem conduzidas. O desenho de produção é notável, garantindo imagens que são puro deleite visual.
Não deixa de ser curioso notar que é precisamente no filme que brinca com as convenções do gênero de super-herói – e cuja proposta é não ser levado a sério – que algumas características excessivamente (mal) trabalhadas na maioria das adaptações de HQ funcionam melhor. É o caso do slow motion nas sequências de ação (Zack Snyder tem muito a aprender com este filme), que acaba valorizando os planos-detalhe e os movimentos dos embates na medida certa. O flashback que narra a origem do personagem – geralmente difícil de agradar pelo fato de ser uma alternativa fácil, simplista e frequentemente mal utilizada – neste, mesmo abusando do recurso, é trabalhado de uma forma interessante, contribuindo para um melhor andamento da trama que segue em um ritmo delicioso e pontual. E até a procedência de seu uniforme soa plausível, coisa rara de acontecer.
No mais, é um filme bacana, que foge da zona de conforto das demais transposições de HQs para as telas. Todavia, o material de origem já exigia isso. Tim Miller apenas soube traduzir bem a essência do personagem para o cinema. Não é excelente, mas é bem legal.
Andrizy Bento
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