Quadrinhos e Inclusão (Bienal de Quadrinhos de Curitiba)

Mesa Quadrinhos e Inclusão
Mesa Quadrinhos e Inclusão

Não poderia haver um momento mais apropriado para um debate sobre inclusão do que este. Afinal, os Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro vêm acontecendo e o Brasil mantém uma posição respeitável no quadro de medalhas (5º lugar até o momento). No entanto, a cobertura nem se compara a todo o estardalhaço feito durante os Jogos Olímpicos. A repercussão é ínfima e, durante a abertura das Paralímpiadas, as redes sociais foram tomadas por textos e mais textos (vulgarmente chamados de textão) no facebook e twitter rant de usuários que acharam absurda e desrespeitosa a pouca atenção direcionada ao evento.

Enquanto isso, no ousado e corajoso evento realizado em Curitiba, a Bienal de Quadrinhos – com pouco apoio financeiro por parte de grandes instituições e, ainda assim, gratuito – a transgressão das edições anteriores perdurou, continuando a mostrar a força dos quadrinhos como forma de expressão cultural, sua representatividade, a relevância nas discussões que permeiam a sociedade, o caráter transformador e seu papel no aprendizado dos leitores.

Feminismo, denúncias históricas, política e inclusão foram alguns dos temas abordados em palestras, debates e exposições que tomaram o MuMa – Museu Metropolitano de Arte de Curitiba – durante os quatro dias em que o local tornou-se, mais uma vez, palco do evento. Este que, aliás, já está em sua quarta edição (anteriormente chamada de Gibicon), e vem fazendo história na capital paranaense.

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No terceiro dia de Bienal, sábado, 10 de setembro, a mesa Quadrinhos e Inclusão, reuniu no palco do Cine Guarani: Lucas Ramon (Os Três Patetas Surdos), Fulvio Pacheco (Relatos Azuis), Rodrigo Tramonte (Humor Azul), Marco Jacobsen (Gibi Poético: Um Olhar Sobre os Jogos Paralímpicos) e Flávio Soares (A Vida Com Logan), com mediação de Adriana Czelusniak.

“Somos tão diferentes que se encaixar é uma missão”. Esta foi uma das frases ditas por Jacobsen durante a discussão. O ilustrador, que foi solicitado pela Secretaria da Pessoa com Deficiência para produzir uma HQ com foco nos Jogos Paralímpicos, se emocionou ao ouvir as tocantes experiências pessoais de seus colegas de mesa. A saber: Ramon é deficiente auditivo; Pacheco teve o filho, Murilo, diagnosticado com autismo, e acabou descobrindo que também possui a síndrome, o que narra na HQ autobiográfica Relatos Azuis; Tramonte é portador da Síndrome de Asperger e, em Humor Azul, procura mostrar um lado pouco explorado do autismo, revelando sua faceta cômica; o enérgico Flávio Soares conta, em A Vida Com Logan, seu cotidiano ao lado do filho com Síndrome de Down, que começou em um blog e logo tornou-se tira em quadrinhos.

Soares falou a respeito do processo de criação de A Vida Com Logan, atentando para o fato de que a maior parte do que acontece nas tiras é baseado em fatos: “Tirando a parte do cachorro e do gato falarem, é tudo real. São fins de semana que transformei em histórias”. Um aspecto importante da obra do autor  é o fato de que a síndrome de Down não é a protagonista da história. O foco é mesmo a vida de Logan e seu pai. “Não é a síndrome que define Logan ou sua família, é apenas uma tira familiar, com situações corriqueiras”, completou.

Dentre as dificuldades apontadas pelos artistas acerca da inclusão, está a comunicação (ou falta dela), o escasso conhecimento a respeito do assunto, a carência de acessibilidade, o fato de muitos se guiarem por estereótipos quando se trata de pessoas com deficiência física ou mental, a pouca visibilidade. Para conquistar espaço é necessário ser visto. Essa foi uma das frases repetidas durante o debate e que melhor reflete o trabalho dos artistas que estavam presentes à mesa.

Minha edição de Humor Azul adquirida na Bienal e autografada pelo próprio Rodrigo Tramonte

Com traços e narrativas sutis, procuram mostrar, por meio de suas obras, como é o dia a dia dos surdos, dos autistas, das pessoas com síndrome de Down e a vida comum que eles costumam levar. Tudo isso com conhecimento de causa, apresentando um ângulo que muitas vezes é ignorado ou, pior, distorcido em outras mídias que acabam por corroborar uma visão equivocada, restrita, unilateral dessas condições. Em seus trabalhos, quebram mitos, preconceitos e barreiras, utilizando a nona arte como catalisador de mudanças. E é aí que se nota o poder de transformação dos quadrinhos mencionado alguns parágrafos atrás.

Os componentes da mesa também apontaram para o fato de que, há quinze anos, não haveria um debate como esse em um evento desse porte. O que mostra que, mesmo a passos lentos, a mudança já vem acontecendo. Ainda assim, há muito a se modificar, aspectos da sociedade que necessitam ser revistos a fim de garantir acessibilidade e igualdade a todos. Por fim, os artistas declararam-se otimistas, acreditando em um futuro em que não seja mais necessário se falar em inclusão, afinal a ideia de igualdade e aceitação das diferenças já estará enraizada no coletivo. Como salientou Flavio Soares: “você precisa se decidir se vai ser parte da solução ou do problema”. E os artistas que integraram a emocionante mesa Quadrinhos e Inclusão se mostram, feliz e incontestavelmente, como parte da solução.

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Gostaria de salientar que a edição deste ano do evento foi incrível. Para guardar na memória assim como a de 2014. Eu sou realmente a pessoa mais feliz do mundo na Bienal de Quadrinhos / Gibicon. Então fica meus parabéns e minha gratidão a toda a equipe que organizou o evento e aos patrocinadores.  😉

Andrizy Bento

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