Exibido com exclusividade na San Diego Comic Con 2016, a animação em longa-metragem que adapta uma das mais clássicas e importantes HQs do Batman – A Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland, lançada em 1988 – para as telas, causou controvérsia e foi execrada por milhares de fãs da obra original. A coletiva de imprensa também foi desastrosa por conta dos embates entre a plateia e Brian Azzarello que roteirizou o filme.
Vamos por partes… Aproveito para avisar que o texto abaixo contém spoilers.
A polêmica toda se deu por conta de uma cena de sexo na introdução do longa. O prólogo é todo centrado na Batgirl que está deixando de lado o seu papel de vigilante noturna e retornando à sua vida pacata como a bibliotecária Barbara Gordon, a filha do Comissário da cidade. Sua aposentadoria precoce se dá após um caso envolvendo um mafioso que nutre uma obsessão pela jovem heroína, além dos conflitos com seu mentor, Batman, que resultam em uma cena de sexo clichê entre os dois personagens.
Sim. É isso mesmo. Esqueça a relação fraternal que eles possuem nas HQs. Aqui, há pura tensão sexual entre Barbara e Bruce.
Para tantos, toda a controvérsia causada em torno da cena pode parecer muito barulho por nada. Apesar de não engrossar o coro das vaias e até mesmo fazer o possível para compreender os motivos que levaram Azzarello a incluir essa passagem na trama, digo que a sequência é problemática especialmente por descaracterizar a personagem e, ao final do longa, temos a sensação de que ela foi simplesmente gratuita, já que não teve implicações no decorrer da narrativa que justificassem esse avanço na relação entre Batman e Batgirl. Resumindo: ela foi pensada unicamente com o propósito de polemizar.
O que não era necessário, uma vez que o próprio enredo de A Piada Mortal já é controverso o suficiente desde sua mídia de origem.
Essa introdução focada em Barbara Gordon é o principal demérito do longa-metragem, mas está longe de ser o único. Eu amo de paixão a personagem em suas diversas versões (exceto pela do Joel Schumacher), mas, nesta obra, ela não funcionou. O prólogo é deslocado, destoante do resto da história e totalmente desnecessário. Não faz sentido dentro do contexto apresentado. E mostrar Barb como uma adolescente boba, enfadonha e tolamente apaixonada pelo Batman é um tremendo desserviço e um completo desacerto. É claro que dava para pensar em um arco mais interessante para a personagem, algo mais bem escrito e desenvolvido focado nela para abrir A Piada Mortal, visto que Barbara é uma peça importante na trama. Todavia, a ânsia de tornarem-na protagonista da primeira parte, apenas serviu para diluir, enfraquecer, fragilizar a heroína. Esta não é nem de longe a Batgirl forte e determinada das páginas de Gail Simone – uma das melhores releituras que a personagem já ganhou – o que é uma pena para dizer o mínimo.
Finalizada a introdução, finalmente vemos a clássica trama de Alan Moore ganhar as telas. E confesso que não achei a adaptação tão ruim como pensei que acharia. Não é a bomba do século como andam alardeando por aí. Mas também não chega perto de ser uma obra-prima como a graphic novel. Para mim, que inclusive costumo incluir A Piada Mortal em minha lista de livros favoritos (sim, livros), afirmo que não se trata de uma tragédia anunciada.
Na trama, o Coringa tenta provar como um dia ruim pode ser fatal na vida de uma pessoa, tendo o poder de quebrá-la, arruiná-la, destruí-la por completo. A fim de provar sua tese, ele sequestra e tortura um verdadeiro exemplo de homem bom e justo, a epítome do caráter incorruptível: o Comissário Gordon. Um dos métodos para atingi-lo, é envolvendo Barbara – que representa a única família do Comissário – em sua vilania. Na HQ fica subentendido se ela foi violentada sexualmente pelo Coringa. A animação deixa claro que sim. Parte da tortura envolve Gordon tendo de ver fotos da filha nua e sangrando no chão após ser baleada pelo próprio palhaço criminoso.
Paralelamente, há flashbacks contando a origem de Coringa. E é nessa inserção dos fatos passados que narram como o palhaço tornou-se o que é, que fica evidente toda a genialidade de Alan Moore. Apesar de sentirmos imensa raiva por tudo o que o Joker faz com os Gordon, sentimos pena ao tomarmos conhecimento de tudo o que ele passou. Não que uma coisa justifique a outra, longe disso. Mas compreendemos os motivos de ele ter enlouquecido. No final das contas, é isso o que define o personagem. Ele não é vilão apenas pelo fato de que é cool ser mal. Ele é um psicótico vítima de um dia ruim.
A história mostra também que Coringa e Batman têm muito mais em comum do que imaginamos. Afinal, ambos transformaram-se naquilo que são depois de viverem os piores dias de suas vidas.
O texto é fiel a cada linha escrita por Alan Moore. Para quem já leu mais de uma vez (eu mesma li uma dezena de vezes), praticamente sabe cada diálogo que virá a seguir. O problema é o visual e, especificamente, a montagem. O ritmo é ruim, alcançando a proeza de tornar monótona e cansativa uma história que era incrível em seu meio de origem.
A arte não chega a ser um desastre. Ela só é… Sem graça. Sem sal como as piadas do Coringa. Aliás, tem uma paródia excelente de A Piada Mortal protagonizada por Zé Carioca, intitulada A Piada Sem Sal. E este nome seria bem apropriado para esse longa-metragem. Faltou expressividade na animação e mais diligência na elaboração do traço.
Para completar, o final do filme não consegue causar metade do impacto que a graphic novel causa. Preserva aquela ambiguidade que constitui um dos principais charmes e um dos elementos mais interessantes da narrativa, porém, não é capaz de deixar o espectador refletindo acerca da cena como a HQ faz com o leitor após os quadros finais.
Para não dizer que essa crítica dedicou-se apenas a apontar as falhas e defeitos do filme, há de se enaltecer seus méritos: O trabalho de dublagem é perfeito, o que colabora na construção e desenvolvimento de personagens e conta pontos a favor do longa. Mark Hamill, em especial, nosso eterno Luke Skywalker, continua dando um espetáculo ao emprestar sua voz para o Coringa.
Outro item que se destaca é a trilha sonora a cargo de Michael McCuistion, Kristopher Carter & Lolita Ritmanis. Sem muita pompa e densa e catártica na medida certa.
A cena pós-créditos é bem-vinda para os fãs de Batgirl/Barbara Gordon e até consegue compensar (um pouco) a desastrosa introdução. A transição para Oraculo é bem bacana, mas é algo que apenas os admiradores da personagem irão realmente curtir.
No fim das contas, o filme de A Piada Mortal não é exatamente péssimo. Apenas decepcionante.
Andrizy Bento
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