[Catálogo: Especial] Questão de Tempo

About Time

Aos 21 anos, Tim Lake (Domhnall Gleeson) é surpreendido por seu pai (Bill Nighy) quando este lhe revela um curioso segredo: o de que os homens da família possuem o incrível dom de viajar no tempo. Na verdade, eles só podem viajar para o passado, em momentos que já estiveram e alterar pequenas coisas, do contrário, podem causar algum desastre ou fazer modificações extremas que comprometeriam a linha temporal, especialmente seu futuro e daqueles ao seu redor. A velha história da teoria do caos, do efeito borboleta e etc. Para que o método funcione, é necessário se trancar em um armário ou qualquer outro lugar bem escuro e pensar no exato momento em que se quer estar.

O filme começa como uma típica comédia romântica, com um protagonista desajeitado que tem uma família legal e sonha em encontrar o amor de sua vida. Após a revelação de seu pai, decide – ainda que um tanto descrente – lhe dar um voto de confiança e experimenta voltar no tempo. Eis que o negócio funciona e é este o mecanismo que move a narrativa. Suas primeiras viagens temporais são um sucesso. Ele conserta momentos que outrora haviam sido desastrosos e, assim, sua vida parece fácil e perfeita… Até que os conflitos e dramas surgem. Não de maneira artificial. O filme não é trágico e nem tenciona passar uma lição de moral. O que vemos na tela é apenas a vida acontecendo. E enquanto a vida acontece, os problemas vão surgindo no caminho.

Questão de Tempo é essencialmente uma história de amor, centrada nos relacionamentos. Mas não se deixe enganar pelo pôster típico de comédias românticas ou mesmo pelo trailer que se concentra no casal de protagonistas. Sim, eles têm um relacionamento legal, sadio, benéfico, em que nenhuma das duas partes se anula em função de uma paixão avassaladora. Ambos procuram conciliar uma vida doméstica com suas carreiras e são bem-sucedidos nisso. Sinceramente, é raro ver uma produção hollywoodiana retratar um casal tão saudável, um relacionamento não trágico, idealizado, ou romantizado demais. E é bem verdade que a história do casal toma conta de boa parte da tela e é com base nela, no bom e velho garoto encontra garota, que toda a trama vai se construindo. Mas a força maior do longa está no relacionamento entre pai e  filho.

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O roteiro de Richard Curtis (que também assina a direção) é inteligente e sensível, evitando caminhos fáceis, e emociona sem apelar para o melodrama. Curtis, que assinou o roteiro de outras Rom-Coms deliciosas como Quatro Casamentos e Um Funeral e Um Lugar Chamado Notting Hill, além de escrever e dirigir o belo Simplesmente Amor, mais uma vez mostra destreza na construção e desenvolvimento de seus personagens. Nenhum papel em um filme de Curtis é pequeno, e isso se deve ao seu talento na composição destes, sempre lhes conferindo uma função específica e que provoca algum impacto, por menor que seja, na história do protagonista.

Falando nele, Gleeson se sai muito bem – carismático, engraçado e possui um charme até acidental com seu estilo desajeitado. Inspiradíssima performance de Bill Nighy em um papel que tinha tudo para cair facilmente no lugar-comum. Rachel McAdams é competente como sempre. Lydia Wilson se sai muito bem como a irmã adoravelmente maluca, com seu jeito apaixonante, para quem a vida parece sempre uma festa, mas que, na verdade, está cheia de problemas pessoais e com uma vida mal resolvida. Harry, o dramaturgo figurão interpretado por Tom Hollander, responsável por algumas das melhores tiradas do longa, é outro achado. Lindsay Duncan está majestosa no papel da mãe, emocionando o espectador sem precisar de muitas linhas de diálogo, demonstrando bravura em algumas das sequências mais tristes. E Richard Cordery na pele de tio Desmond… Muito amor por ele e todas as suas confusões. Aliás, ele protagoniza uma cena inesperadamente tocante. Todos os personagens são muito humanos, figuras com as quais podemos facilmente nos identificar.

A montagem é outro item que agrada (como é de praxe nos filmes de Curtis). acertando no ritmo, na pontualidade dos fatos, no desenrolar da trama, sem jamais soar cansativo. São duas horas – que mal vemos passar – de uma história que tão bem reflete momentos de nossa própria jornada.

Nada mais justo do que citar o uso da trilha sonora, alternando entre canções mais pop e a belíssima música incidental de Nick Laird-Clowes. Impressionante, não apenas por ser bem assinalada, como pelo fato de os temas caírem como uma luva para cada sequência que embalam. Não à toa, a trilha fica impregnada na memória durante dias após se assistir ao filme.

É difícil colocar neste texto qual é a mensagem que Questão de Tempo transmite, sem soar piegas. Curtir e apreciar cada momento como se fosse o último. Porque, sim, pode ser mesmo. Mas eu garanto que no filme em si, não é. Particularmente, todas as cenas entre Tim e seu pai me emocionaram. A sequência do último passeio na praia me fez literalmente pausar o filme para chorar, tamanho impacto emocional que exerceu sobre mim. E eu me peguei desejando ter aquele poder de voltar no tempo e conversar com meu pai pela “última vez” várias vezes, pois só eu sei o quanto aquela última conversa me marcou e o quão significativa ela é pra mim. Especialmente quando me pego rememorando aquele momento… E, talvez, ao rememorá-lo, eu esteja fazendo a minha própria viagem no tempo, afinal a memória é isso. Nós, seres humanos, não seríamos absolutamente nada se fôssemos desprovidos de memória. Nossas passagens por essa vida seriam sem sentido, totalmente insignificantes, desnecessárias… Por mais dolorosas que sejam as lembranças, elas são tudo o que realmente temos e o que iremos carregar conosco para o resto de nossas vidas.

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E vocês percebem o quanto é difícil escrever sobre um filme afetivo? Que te tocou de uma forma tão pessoal? Eu praticamente não consigo apontar deméritos, mesmo diante de uma deslizada ou outra na narrativa (o que é comum quando o mote compreende viagens temporais).  Mas isso não importa. Questão de Tempo é lindo, emocionante e altamente recomendável.

E, assim, em um sábado qualquer e meio sem querer, Richard Curtis marcou minha vida com mais uma comédia romântica – gênero ao qual possuo extrema aversão – com uma história extremamente simples – justo a mim que adoro ficções científicas complexas e tramas intrincadas. Questão de Tempo se tornou simplesmente um dos meus favoritos.

Som na caixa: How Long Will I Love You

Andrizy Bento

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