Em um determinado e descontraído momento do novo longa dos mutantes da Marvel Comics / Fox Studios, as jovens versões de Ciclope, (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner), Jubileu (Lana Condor) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) escapam do Instituto Xavier para ir ao cinema assistir O Retorno de Jedi. Jubileu afirma que O Império Contra-Ataca é o melhor da trilogia Star Wars (Kudos to Jubilee!), mas Ciclope argumenta que se não fosse pelo primeiro filme, Uma Nova Esperança, os demais sequer existiriam. Jean Grey põe um ponto final na discussão dizendo que, pelo menos, todos eles podem concordar que o terceiro capítulo é sempre o pior. A linha de diálogo, metalinguística, é uma clara alusão a X-Men: O Confronto Final (2006) – terceiro episódio da primeira trilogia dos mutantes, precedido por X-Men (2000) e X-Men 2 (2003) – e ao próprio X-Men: Apocalypse, terceira parte da nova trilogia também composta por X-Men: Primeira Classe (2011) e X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014).
Ora, não há razão para ser tão severo e autocrítico consigo mesmo. Este X-Men: Apocalypse pode não ser tão bom quanto os dois longas que o precederam nesta nova trilogia, mas é bem divertido. O roteiro tira ótimo proveito de ideias bem interessantes. Não deixa de esbarrar em clichês e de ser estruturalmente problemático, mas é um bom filme, funcional enquanto entretenimento, respeita os personagens em sua tradução das HQs para as telas e é puro fanservice para aquele leitor apaixonado dos títulos em quadrinhos dos mutantes.
Mesmo em seus filmes menos inspirados, o cineasta Bryan Singer consegue imprimir um estilo interessante. Seu cinema é sempre de autor. Por mais fracos que sejam alguns dos títulos que compõem sua filmografia, não dá para negar que ele é um diretor talentoso que sabe como conduzir uma narrativa.
Apocalypse é um filme repleto de cenas memoráveis, o que depõe contra ele é o fato de que o conjunto da obra não agrada tanto e corre o iminente risco de se tornar esquecível. O longa pode ser definido como uma coleção de momentos marcantes que dão protagonismo a grande parte dos personagens em diferentes sequências. E contraditoriamente, o resultado não é tão satisfatório e é exatamente o excesso de personagens que conduz a uma estrutura deficiente. Outro ponto que não favorece esta e grande parte das adaptações de histórias em quadrinhos atuais é a narrativa episódica que deixa os filmes com cara de “meio do caminho”.
Lá pelos idos de 2000, quando o primeiro X-Men abriu novamente as portas para os longas baseados em HQs dominarem as telas, e Homem-Aranha (2002) veio para cimentar de vez esse caminho, os estúdios ainda não arriscavam tanto pensando no conceito de franquia e, desse modo, os filmes se resolviam melhor em si mesmos. O caso dos mutunas é um claro exemplo, visto que o elenco tinha inicialmente contrato para apenas dois filmes. Um terceiro seria discutido depois, dependendo da bilheteria que o segundo longa faturasse. Daí o fato de X-Men 2 ser tão bem resolvido. O mesmo com os dois primeiros filmes do Homem-Aranha dirigidos por Sam Raimi. Atualmente, todo filme baseado em HQ já é pensado para ser parte de uma franquia, deixando pontas soltas para serem resolvidas nos próximos episódios. Sendo assim, nenhum longa se fecha em si mesmo. E começam aí os problemas de X-Men: Apocalypse.
Dentre os pontos fracos, também podemos citar o vilão que dá título ao filme. Oscar Isaac, intérprete de Apocalypse, faz o que pode com as limitações impostas pelo seu aspecto visual. Mas a verdade é que não há muito o que fazer para contornar isso. Este é um personagem difícil de ser transposto para a tela e não ajuda o fato de ele ser tão onipotente. Há uma tênue linha entre a grandiosidade e a megalomania. E o roteiro de Simon Kinberg acaba tropeçando nessa linha, bem como a direção de Bryan Singer em diversos momentos. Na ânsia de compor algo absurdamente fantástico, a produção denuncia as fragilidades do texto, uma abordagem narrativa por vezes manjada, uma fotografia bastante superficial e efeitos visuais descuidados. E justo o grande vilão da trama acaba representando uma das maiores fraquezas do filme, mesmo com toda a sua suposta imponência.
Desse modo, a ação é hiperbólica e até mal pontuada, acabando por soterrar o escopo da trama e resultando em um clímax interminável que ocupa a tela por longos e arrastados minutos sem entregar, de fato, uma batalha épica como o enredo parecia prometer.
A introdução dos novos mutantes – aliás, versões jovens e repaginadas de personagens que já conhecíamos da antiga trilogia, como Ciclope, Jean Grey, Noturno e Tempestade – é outro dos deméritos, como quase sempre ocorre em filmes do gênero, pois demora a situar cada um deles dentro do contexto da trama. A sorte de Singer e companhia é que quase todos eles (exceto pela última citada) são interessantes e bem interpretados, apresentando arcos dramáticos atraentes e carisma de sobra.
Ainda incomoda o demasiado foco na Mística e vê-la sendo uma heroína, quando ela nunca teve uma importância tão exagerada nas HQs e é notoriamente conhecida como vilã na obra original. Mas o fato é que a mutante é interpretada por uma das atrizes queridinhas de Hollywood, a oscarizada Jennifer Lawrence. Então, o jeito é tentar fazer vista grossa.
E a última das minhas críticas negativas à obra (prometo!) é a despropositada e desnecessária participação especial de Wolverine, novamente vivido por Hugh Jackman. Uma cena que a gente esquece logo após ele cruzar a porta de saída da base subterrânea do coronel William Stryker (Josh Helman). A Fox ainda não se deu conta que é possível fazer um X-Men sem Wolverine e que há um sem-número de outros personagens expressivos capazes de sustentar um longa mutante.
Por outro lado, há de se exaltar seus acertos: As conexões entre os personagens e o desenvolvimento individual de cada um deles são melhores do que qualquer cena de ação exagerada. Nesse ponto, há de se reconhecer e aplaudir como o roteiro e direção trabalham bem o lado emocional e a interação e integração entre os mutantes, especialmente os mais jovens. Quando foca nos personagens, a força motriz de X-Men é revelada, maior do que qualquer confronto pretensamente épico entre heróis e vilões. Os mutantes e seus respectivos dramas e conflitos constituem o verdadeiro cerne dos filmes. Aliás, deixem-me fazer um adendo: é gratificante ver que finalmente fizeram justiça ao meu personagem favorito, que não só ganhou um excelente intérprete como também recebeu um destaque merecido na trama. Sim, estou falando do Ciclope 🙂
Outro ponto positivo está na reconstituição da época em que se passa o longa. A recriação da atmosfera da década de 1980 é muito bem-sucedida. A produção é sutil e pontual ao inserir referências visuais e narrativas àquela gloriosa década, seja nos figurinos e penteados (mais aparentes e até mesmo kitsch em alguns aspectos), seja na paleta cromática que investe, sem reservas, na saturação. É possível captar os ecos oitentistas em todo o ambiente criado, no clima proposto, na construção daquele universo, bem como no uso certeiro da trilha sonora, nas menções à cultura pop da época e mesmo na participação especial de uma famosa atriz da década de 80.
O fato é que o filme está recheado de easter-eggs. Há referências ao filmes prévios, especialmente a X-Men 2 e até mesmo a O Confronto Final (estabelecendo as duas trilogias como parte de um mesmo cânone, por mais divergências que a cronologia mutante apresente) e diversas menções às HQs. A tragédia envolvendo a família de Magneto (Michael Fassbender) é uma clara alusão à história Chamas da Noite, publicada em 1987. Sem falar da luta psíquica entre Apocalypse e Professor Xavier (James McAvoy) e a aparição da Fênix que trazem um clima reminiscente das HQs capazes de fazer a alegria dos leitores de X-Men.
Sem dúvida, é o velocista Mercúrio (Evan Peters) que rouba a cena novamente, inclusive em uma sequência bastante similar ao memorável momento protagonizado por ele em Dias de um Futuro Esquecido. Contudo, ao invés de soar como uma simples repetição ou mais do mesmo, temos uma sequência ainda melhor, utilizando do mesmo artifício e se apoiando novamente nas vantagens de seu poder, mas consegue ser mais divertida do que a do filme anterior. Essa pausa na ação para que o mutante brilhe em uma sequência bem-humorada de salvamento já se tornou uma marca registrada da série. A cereja no topo do bolo é o fato de a cena ser embalada pela ótima canção Sweet Dreams da dupla Eurythmics, sucesso dos anos 1980.
Por último, mas não menos importante, preciso salientar que deve ser a primeira vez que vemos uma reprodução digna e fiel na telona do Instituto Xavier para Jovens Superdotados que conhecemos das HQs. Com os novos acréscimos na equipe, as famosas figurações de luxo (personagens que aparecem na tela usando seus poderes por meros segundos, mas que o bom fã de quadrinhos identifica na hora) e os mutantes mais velhos representando o papel de professores dos mais novos, temos finalmente a mansão lotada de pupilos do Xavier tão cara às histórias em quadrinhos.
Munido de acertos e erros, qualidades e defeitos, X-Men: Apocalypse não deixa de ser mais um exemplar de entretenimento dinâmico e inteligente. Para o fã e leitor, se aproxima das aventuras nos quadrinhos em diversos momentos e cumpre seu papel de reintroduzir mutantes clássicos na história. Para o público em geral, é um filme interessante, com problemas de ritmo, mas nada que prejudique a diversão como um todo. Não é perfeito, poderia ser muito melhor e não adotar essa linha de episódio que parece funcionar como ponto de transição entre um longa e outro, mas, ainda assim, é bem legal.
E eu, como fã, admito que gostei mais do que deveria ter gostado…
Leia nosso Especial sobre X-Men
Este texto foi escrito ao som de Sweet Dreams 😉
Andrizy Bento
10 comentários em “X-Men: Apocalypse”