Um pouco mais de dois anos depois, dando continuidade ao Especial Teledramaturgia. No fim do post, estão os links para os outros artigos da série.
Novelas são sempre iguais. As mesmas histórias, os mesmos personagens, os mesmos desfechos. Pouca coisa muda de uma novela para outra. As fórmulas, clichês e estereótipos de autores como Manoel Carlos, Gloria Perez e Carlos Lombardi, por exemplo, são públicos e notórios.
Manoel Carlos se habituou a contar os conflitos dos ricos depressivos do Leblon. Gloria Perez já nos “presenteou” diversas vezes com suas saladas demagógicas, multiétnicas e sem sentido nenhum. Carlos Lombardi adora galãs descamisados e inexpressivos, humor rasteiro, personagens caricatos e crianças insuportavelmente mais inteligentes do que os adultos.
No cinema também há autores que repetem fórmulas (vide Christopher Nolan e Zack Snyder). O problema disso nas novelas é que elas se arrastam por meses a fio, então temos a impressão de que passamos nove meses assistindo a uma história que já acompanhamos anteriormente também por outros longos nove meses. O que nos faz chegar à desconcertante conclusão que já perdemos uns quinze anos das nossas vidas assistindo a mesma história contada e recontada pelos mesmos autores e interpretadas pelos mesmos atores…
Aproveitando que há pouco mais de um mês estreou uma nova novela na faixa das nove horas da noite na Rede Globo, Velho Chico, decidi escrever este texto pra falar sobre as tramas de Benedito Ruy Barbosa. Eu gosto dele como autor. Mas a verdade é que Benedito é outro que quase sempre conta as mesmas histórias. Todavia me identifico mais com suas tramas rurais do que com as Heleninhas Leblonescas de Manoel Carlos. Eu nunca visitei uma fazenda (não que eu me lembre), mas as tramas de Ruy Barbosa me despertam uma inexplicável nostalgia bucólica. E, apesar dos estereótipos, seus personagens são sempre muito humanos, simples, humildes. Diferentemente dos ricos amargurados e neuróticos do Leblon de Manoel Carlos…
Tá, chega de criticar o honorável Maneco.
As figuras das novelas de Benedito falam errado, repetem bordões exaustivamente e despertam sem grandes esforços a simpatia do espectador. Mesmo os vilões que, inclusive, não são vilões o tempo inteiro. Muitas vezes, os próprios protagonistas são figuras ambíguas. E seus vilões muitas vezes tem motivações justificáveis, embora não concordemos com elas de fato.
Outro mérito de seus folhetins é lançar novos rostos, dar oportunidade a novos talentos, atores em início de carreira que logo angariam sucesso.
Como pessoa, pelas poucas entrevistas que li, Benedito não tem papas na língua, além de dar declarações bem problemáticas. Recentemente, ele fez um comentário bastante infeliz acerca da diversidade nas telenovelas. O novelista afirmou que odeia “histórias de bicha”, referindo-se às novelas que precederam Velho Chico no horário das nove e apresentavam personagens homossexuais. Como se já não estivesse ruim o suficiente, ainda completou com o famigerado isso é mau exemplo para as crianças – a homofobia pessimamente disfarçada de preocupação com moral e valores. Depois de suas declarações, a emissora dos Marinho proibiu o autor de dar entrevistas em um claro esforço de evitar que o autor tente consertar e acabe estragando ainda mais.
Mas o que está em pauta aqui são suas tramas. Que assim como as dos citados Manoel Carlos, Carlos Lombardi e de outros, como Aguinaldo Silva, também repete fórmulas e personagens ao longo das suas narrativas. Vamos analisá-las.
Mas será o Benedito
Assim que você se depara com a sinopse de Velho Chico, não precisa nem ler o nome do autor. Cada linha grita Benedito Ruy Barbosa:
A novela Velho Chico será dividida em três fases que começa na década de 70 e chega até os dias atuais. A trama vai falar um pouco sobre a polêmica da transposição do Rio São Francisco que pode ser considerada uma ótima oportunidade para latifundiários ganharem em dinheiro em cima de suas terras, mas por outro lado, prejudica muito a vida da população mais pobre principalmente os ribeirinhos que utilizam o rio para sobreviver.
Na fictícia Grotas do São Francisco, no Nordeste brasileiro, é onde tudo começa no final da década de 1960. O coronel Jacinto (Tarcísio Meira), dono de quase tudo ali, comanda a política, a economia e quem aparecer pela sua frente. Mas ele quer ainda mais. É por isso que está de olho nas terras do capitão Rosa (Rodrigo Lombardi). Dono da fazenda Piatã, o cabra tem moral e coragem para enfrentar a figura do “todo-poderoso”, e isso é o que provoca o início do duelo que vai atravessar gerações até os dias de hoje.
É no seu pedaço de terra que os Sá Ribeiro estão de olho, mas Rosa nunca cedeu às tentativas, já que, claro, ali ele garante seu sustento, e ainda acredita que o povo não pode ficar à mercê do poder de um só coronel.
Disputas de coronéis; rivalidades políticas entre famílias; patriarcas inimigos cujos filhos se apaixonam e iniciam um amor proibido; garoto da cidade, mulherengo, rebelde e com uma vida desregrada que vai para o campo e encontra o amor de sua vida na figura de uma menina ingênua, mas faceira; o pai e o filho que vivem entrando em conflito por conta de divergências ideológicas; a professorinha amável e batalhadora; o dono da venda caricato que serve de alívio cômico à trama; a mocinha selvagem e cheia de personalidade; a trilha sonora composta de clássicos e novidades sertanejas; Sérgio Reis e Almir Sater. Estes são os elementos recorrentes nas tramas de Benedito Ruy Barbosa.
Quando não são tramas rurais, Benedito fala de imigração e dá-lhe italianos aportando no Brasil. É o caso de Os Imigrantes, Terra Nostra e Esperança.
Meu pai era fã assumido das novelas do Benedito. Tanto das bucólicas quanto das italianescas. Ele viu Pantanal, Renascer e O Rei do Gado duas vezes cada. Assistiu a versão original de Paraíso em 1982. Tecia elogios às primeiras gerações de Os Imigrantes. Decepcionou-se com Esperança, mas viu até o fim. A última novela que assistiu antes de partir desta para uma melhor foi o remake de Cabocla que, na época, era reapresentada na sessão Vale a Pena Ver de Novo, em 2008. Só não viu Terra Nostra mesmo porque achou que era uma cópia de Os Imigrantes.
Quase sempre assisti às novelas do autor ao lado de meu pai. Então se tornaram obras afetivas que me despertam lembranças deliciosas da infância e adolescência. Cabocla será sempre especial por ter sido a última que assisti com ele. Lembro que, quando ele tinha um compromisso no horário da novela, saía correndo, resolvia rapidamente e voltava em alta velocidade para casa para assistir aquela que ele chamava de sua novela.
Minha irmã e eu nunca vamos nos esquecer de nossa mãe nos puxando para um canto e dizendo: “Teu pai me apressou e veio correndo pra casa só pra não perder Cabocla”.
Bons tempos.
Que não voltam mais infelizmente…
Mas, como dizem os personagens de Benedito, bora mudar o rumo dessa prosa, antes que o post fique melodramático demais.
Como mencionado anteriormente, alguns temas são recorrentes e já foram abordados de maneira incessante nas tramas de Benedito. Dessa forma, elas compõem e constroem o universo barbosiano, dando a impressão de que todos os seus personagens e narrativas fazem parte de uma única grande saga.
Suas telenovelas bucólicas podem ser divididas em “grupos”. No primeiro está Cabocla, Sinhá Moça e Paraíso. Tramas interioranas mais leves, açucaradas, bem humoradas, líricas, doces e românticas. Com foco nas histórias de amor e tendo a questão das terras e conflitos políticos e sociais como plano de fundo, sendo narrativas com uma carga dramática menor do que as que viriam a seguir, bem representativas da faixa das seis da tarde. Meu Pedacinho de Chão, de 2014, veio integrar este grupo mais recentemente.
O segundo grupo compreende novelas mais densas, com temas controversos e tendo o campo, fazendas e disputa de terras como protagonistas ao invés de cenários e contextos. É o caso de tramas próprias para faixa das oito, nove e dez horas como Pantanal, Renascer e O Rei do Gado. Bem como o trio citado anteriormente, estas também são tramas rurais que abordam o coronelismo, os amores proibidos e a religiosidade. Mas são mais pesadas e até mesmo sangrentas. Sagas sertanejas, com elementos de narrativa fantástica, cuja duração é longa e a fotografia tem algo de cinematográfico. E é neste grupo que se enquadra a atual, Velho Chico.
O coronelismo e rivalidade entre fazendeiros já foram temas retratados em Cabocla, Renascer e O Rei do Gado. A saga de um fazendeiro e sua família, nas figuras de José Leôncio (Pantanal) e José Inocêncio (Renascer) – até os nomes são similares. O garoto da cidade, bem educado e instruído, que vai para o campo achando que se sentirá deslocado e acaba por compreender a definição de “lar” é visto em Cabocla e Pantanal, figuras representadas por Luis Jerônimo e Joventino. A garota ingênua, selvagem, sem estudo e que acaba por arrebatar o coração do galã, também está presente nessas duas novelas (Zuca e Juma respectivamente), além de Renascer (Santinha). A religião também está muito presente na forma das personagens de Paraíso e Sinhá Moça. Da mesma forma, o pacto com o diabo e a figura do “cramulhão” é constante, tendo Benedito apresentado personagens como Trindade (Pantanal), José Inocêncio (Renascer) e Zeca Diabo (Paraíso). Os dois últimos até carregavam um diabinho em uma garrafa. Vemos o conflito ideológico entre pai e filho na representação do relacionamento entre Coronel Justino e Neco (Cabocla) e Coronel Epaminondas e Ferdinando (Meu Pedacinho de Chão). A figura da beata é explorada em Paraíso (a personagem Mariana, mãe de Santinha) e Sinhá Moça (Nina Teixeira, mãe de Ana do Véu), ambas fizeram promessas envolvendo o destino de suas filhas. A professorinha, coadjuvante fundamental, é destaque em Cabocla, Renascer e Meu Pedacinho de Chão. E, o que constantemente rouba a cena, o amor proibido entre integrantes de clãs rivais, cujos exemplos mais representativos são Neco e Belinha (Cabocla) e Giovanna Berdinazzi e Enrico Mezenga (O Rei do Gado).
Eu já que falei da questão dos nomes das personagens, não posso deixar de citar a Maria Santa, interpretada por Patrícia França em Renascer e a Maria Rita, de Paraíso, chamada de Santinha, devido a uma lenda local. Certamente, não foi coincidência.
Suas novelas se repetem bastante. E com Velho Chico não é diferente. No que diz respeito à temática, é uma trama essencialmente Barbosiana. Benedito sempre conta a mesma história. O que as torna deliciosas de se acompanhar ou enfadonhas a ponto de se abandonar é a “forma” como ele conta. E o elenco selecionado ajuda bastante também.
Particularmente, eu gostaria que algum videomaker brasileiro fizesse um vídeo fanmade que reunisse e apontasse as similaridades entre todas as novelas assinadas por Benedito Ruy Barbosa, mostrando como seus personagens fazem parte de um grande universo unificado.
Fica como sugestão 😉
Leia a primeira parte do Especial, Novelas Favoritas, clicando aqui e a segunda parte, Aberturas de Telenovelas, aqui.
Andrizy Bento