Not quite my tempo…
Estamos próximos do fim. Hora de se despedir de 2015 e dar as boas-vindas a 2016. Obviamente, não poderia faltar aqui no Bloggallerya, uma dessas listas de fim de ano – ainda mais tendo em vista que este foi o ano mais produtivo do blog. Teremos três listas na verdade, mas as outras duas vão chegar com atraso, somente em janeiro de 2016. Esta primeira trata-se de um apanhado do que aconteceu em termos de cinema neste ano. 2015 foi um ano pródigo de filmes bons, ainda bem. Mas também houve algumas decepções e títulos tão ruins que não merecem uma revisão e nem sequer algumas linhas de comentários mais aprofundados. Mas eu os escrevi mesmo assim. De qualquer forma, aí está:
Melhores blockbusters:
Star Wars: O Despertar da Força
Páreo duro nesta categoria. Ambos revisitam universos consagrados nas décadas de 1970 e 1980, mas não se limitam apenas a repetir fórmulas e conceitos que deram certo no passado. Tanto um quanto o outro atualizaram suas narrativas, satisfizeram antigos fãs e ainda conquistaram novas legiões de admiradores. Dois casos de cinema pipoca que respeitam a inteligência do espectador, com tramas maduras, inspiradas, cheias de energia e que fizeram valer nosso ingresso em 2015. Por mais boas horas de projeção assim em 2016!
Melhores filmes nacionais:
Casa Grande
Interessante notar como o momento sócio-cultural que o país atravessa propiciou excelentes longas, e esses dois títulos sãos os melhores exemplos. Em época de guerras virtuais entre direita e esquerda que não levam a nada, os cineastas Anna Muylaert e Fellipe Gamarano Barbosa utilizam seus filmes como veículo para a transmissão de valiosas mensagens sem recorrer ao famigerado maniqueísmo e nos fazendo refletir sobre nossas próprias condutas no dia a dia.
Melhores filmes não falados em língua inglesa:
Dois Dias, Uma Noite
Ambos são de 2014, porém, só chegaram às telas brasileiras em 2015. O primeiro, o belga Dois Dias, Uma Noite, é belo e sutil. Difícil não se identificar com a protagonista interpretada brilhantemente por Marion Cotillard. E, na cena final, naquele seu sorriso de triunfo, há uma mensagem clara: ela pode não ter chegado exatamente aonde queria, mas foi muito mais longe do que imaginava. Já o segundo, o russo Leviathan, apresenta uma visão pessimista e fatalista, mas nunca desprovida de propósito. É exatamente essa a intenção: mostrar de maneira crua e dolorosa a realidade do país. A revolta e o impacto que causa ao espectador só acentuam a força dessa obra.
Fimes mais subestimados do ano e que merecem ser vistos:
Mapas Para as Estrelas
Selma: Uma Luta Pela Igualdade
Mapas Para as Estrelas é uma narrativa suja, revestida de glamour, que relata relações incestuosas, homicídio, suicídio, mentiras e segredos perversos, sem culpas e sem ressentimentos. Mesmo tratando de assuntos tão abjetos e com personagens repulsivos, o diretor David Cronenberg compõe uma narrativa elegante sobre a fama, a ascensão e a queda. Cronenberg atira pela janela os paradigmas estabelecidos do gêneros terror e suspense, os reinventando, tornando seu longa ainda mais aterrador do que exemplares clássicos desses gêneros. No belíssimo Selma, a diretora Ava DuVernay evita a imagem de mito, herói, símbolo e nos mostra Martin Luther King como um ser humano que lutou pelo que acreditava. Selma é um retrato preciso dessa luta. Mesmo com inúmeras passagens violentas e revoltantes, a diretora conduz seu filme com sensibilidade e sutileza notáveis, jamais recorrendo ao panfletário. Os discursos inflamados de King e os momentos mais trágicos do longa nos proporcionam emoções genuínas, não a comoção forçada de tantos dramas de superação das temporadas de prêmios. Ambos mereciam mais atenção da imprensa e do público. Ambos merecem ser vistos e revistos.
Filme mais superestimado:
Birdman, ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Seguramente o melhor filme de Alejandro González Iñárritu que entregou algo bem diferente do que já havia realizado anteriormente como cineasta. Ao invés dos filmes-mosaico e dramalhões que se tornaram sua marca registrada, o diretor apostou em uma comédia inteligente e sofisticada, cuja fotografia aliada à montagem emulam um longo plano-sequência de duas horas. Um grande filme, sim. Mas não exatamente pioneiro como muitos apontaram.
Piores filmes:
Cinquenta Tons de Cinza
Aqui temos dois extremos. Um bombardeado pela crítica e outro aclamado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. E duas bombas sem precedentes. Cinquenta Tons de Cinza nada mais é do que um Crepúsculo com cenas pseudo-sadomasoquistas (!!!) que retrata um relacionamento tóxico entre um multimilionário controlador e perturbado – basicamente um sociopata – e uma garota inexpressiva e sem grandes atrativos que acaba seduzida pelo estilo de vida do magnata, seja o conforto de que ele dispõe ou de suas práticas audazes na cama. Uma bobagem que não chega a lugar nenhum ao fim da projeção. A Teoria de Tudo é um drama biográfico de superação supostamente edificante e que transforma a vida do físico teórico Stephen Hawking em uma espécie de propaganda de margarina; um romance açucarado de sessão da tarde, cujo visual parece inspirado por uma estética instagram, dada a overdose de filtros. Além do mau gosto plástico, algumas cenas que ilustram a convivência em família são realmente embaraçosas por adotar uma vibe de conto de fadas moderno. O flashback no final só serve para coroar de vez o longa como o clichê-master do ano.
As maiores decepções:
Esse reboot de Quarteto Fantástico conseguiu realizar uma proeza outrora impensável: nos fazer sentir falta dos longas prévios dirigidos por Tim Story. São mais de cinquenta anos de histórias em quadrinhos fantásticas jogadas no lixo. Basta resumi-lo da seguinte forma: a introdução é longa demais e, quando a ação começa, o filme acaba. A origem dos heróis é esquálida e risível; os efeitos visuais, constrangedores; os diálogos, ridículos; e a caracterização dos heróis é totalmente equivocada. Os problemas nos bastidores (os constantes conflitos entre o diretor Josh Trank e a Fox, estúdio que detém os direitos dos personagens) e os cortes orçamentários se refletem no resultado, mas não são o suficiente para justificar a falta de paixão e de interesse do cineasta em adaptar heróis tão legais e com tanta história boa para ser contada para as telas. Uma pena. Cinderela limita-se a ser bonitinho, mas superficial e pueril. O diretor Kenneth Branagh bem que tentou conduzir a narrativa de uma forma leve, divertida e despretensiosa, mas a mão pesada do roteirista Chris Weitz (algo característico dele), com suas tentativas forçadas de sensibilizar o público e exagerar na dosagem de ternura, não ajudaram o cineasta a encontrar um tom adequado. De modo que, em diversos momentos, o filme soa extremamente infantil, ainda que sua intenção seja agradar plateias variadas.
O que poderia ter sido e não foi:
Jogos Vorazes: A Esperança – O Final
O último episódio da franquia Jogos Vorazes, tinha tudo para ser épico. Mas por conta da decisão de dividir um livro curto e objetivo em dois filmes (uma estratégia com fins puramente mercadológicos), o que vemos na tela é um longa arrastado, com ritmo lento e pouco impactante. Nem mesmo as mortes de vários personagens relevantes ou a última flechada de Katniss Everdeen parecem realmente significativas. Faltou urgência e um senso maior de propósito. A sequência de Vingadores traz um grande número de tramas paralelas e diversos personagens. Apesar disso, todos os subplots são bem trabalhados e costurados de maneira competente à trama central; e nenhum personagem é negligenciado, todos tem seu momento. Mesmo assim, não escapa de clichês narrativos e cenas dramáticas demasiado forçadas que acabam prejudicando o ritmo do longa. Tem menos senso de diversão do que o original e pesa a mão em termos de densidade emocional, com muita pirotecnia e pouca leveza. É bom, mas não perfeito.
Filmes que me fizeram dormir mais rápido:
Caminhos da Floresta
Love 3D
Existem os musicais, um gênero que dificilmente agrada a maioria, e Caminhos da Floresta. Eis um musical tão chato, mas tão chato, que, nas duas vezes em que fui tentar assisti-lo, o sono me pegou na marca dos 15 minutos. Um fenômeno. Tanto que desisti. Love 3D é outro fenômeno inexplicável. Para quem pensava que era impossível um filme repleto de cenas de sexo – que, aliás, já começa com uma cena de sexo explícito – fazer dormir, aí está Love 3D contrariando a teoria. O sexo é tão especificamente filmado e explorado que se torna quase didático, inócuo, sem graça, nada excitante. Ainda demorei para dormir. Foi pouco mais de uma hora de luta contra o sono, mas ele venceu. É o mesmo caso de Nove Canções do Michael Winterbottom, por exemplo. É tanta intimidade na tela que uma hora o negócio vai ficando chato e enjoativo, uma sopa de chuchu. Eu esperava mais de Gaspar Noé, o diretor do também controverso, mas muito mais profundo (não há trocadilhos aqui), Irreversível. Mas até que não me surpreende. O problema de Noé é que ele está muito mais interessado em polemizar e chocar plateias do que contar uma boa história. O mérito de Irreversível, era sua estrutura narrativa, a ordem cronológica inversa que tornava a trama instigante e ganhava fácil a atenção do espectador. Por mais incômoda que fosse a cena do estupro, ela tinha um propósito. Este novo longa do diretor é sexo gratuito e hardcore em três dimensões. E quando nem isso te fisga, ou mesmo entretém, é que algo vai mal. A pretensão de Noé arruinou a sua obra. Amigos, se é sacanagem na tela o que vocês procuram, fiquem com o Xvideos mesmo.
A melhor surpresa do ano:
Sem dúvida, um dos filmes mais divertidos e estilosos do ano. A adaptação para as telas da série em quadrinhos homônima criada por Mark Millar e Dave Gibbons pode não apenas ser considerada uma grata surpresa, como também merece um lugar de destaque na lista de melhores lançamentos de 2015. Kingsman – Serviço Secreto é um delicioso filme de espionagem e ação que presta um tributo aos antigos longas de James Bond, e ainda traz como aperitivo um timing cômico certeiro, sendo permeado por momentos de comédia inteligente. O resultado é uma produção divertida, dinâmica e extremamente charmosa. Mesmo munido de cenas bizarras e surreais, jamais deixa de ser funcional enquanto entretenimen-to. Charmoso e elegante como Collin Firth; pop e violento ao estilo dos personagens mais consagrados de Samuel L. Jackson; e com a assinatura inteligente de Matthew Vaughn. Em suma, um delicioso exemplar de ação que vale a pena ser visto e revisto.
Melhor adaptação cinematográfica de HQ:
Por mais incrível que possa parecer, o inexpressivo diretor Peyton Reed realizou a melhor adaptação de um herói da Marvel para as telonas até agora. Despretensioso e cheio de personalidade e estilo, o primeiro longa do Formiga se destaca pelo texto afiado, diálogos bem construídos e tiradas cômicas sagazes. O humor e ação são pontuais e surgem com impressionante naturalidade. Tudo na medida certa. A evolução do enredo é notável; com um ritmo acertado, o longa é feliz na dosagem e equilíbrio dos elementos dramáticos. Para completar, há um apanhado de easter eggs deliciosos. Mais do que valeu o ingresso.
Melhores animações:
Divertida Mente
O Conto da Princesa Kaguya
As definições de brincar com as emoções foram devidamente atualizadas. Uma premissa simples se converteu em uma poderosa história sobre os vínculos familiares e as dificuldades em crescer e abandonar o que nos fazia felizes na infância; como é perder a inocência e a ingenuidade e atravessar fases extremas de solidão e melancolia. Tudo de uma maneira sutil e maravilhosa. Divertida Mente é, sem dúvida, a melhor animação da Pixar. E isso quer dizer muito, uma vez que o estúdio só errou uma vez com Carros e já nos presentou com obras-primas como Toy Story e Wall-E, só para citar alguns exemplos. O Conto da Princesa Kaguya é baseado no popular conto japonês “O Corte do Bambu”. Feito a partir de uma técnica convencional de animação, a produção arrebata o espectador por conta da delicadeza e sensibilidade incomparáveis. Assim como Divertida Mente, também trata de questões complicadas da vida com maturidade e de maneira sincera. A empatia pela protagonista é inevitável. O luxo e a riqueza jamais se comparam à felicidade genuína que a vida simples lhe proporcionou outrora. A trilha sonora, lindíssima, é o ponto alto do filme. Impossível conter as lágrimas diante da cena final.
Melhor revisão:
Uma obra magnânima para a qual não se poupam elogios. Ridley Scott compôs um longa irretocável, uma mescla de policial com cyberpunk baseada na obra de Philip K. Dick e que alçou um patamar que muito filme do gênero almeja, mas nenhum efetivamente o conquistou, a não ser o próprio: mesmo lançado há três décadas, ainda é moderno, se tornou um celebrado cult, e já é considerado um grande clássico. Revê-lo no cinema foi uma experiência e tanto.
Top 3 Melhores filmes do ano:
Whiplash: Em Busca da Perfeição
O Amor É Estranho
A Gangue
A sequência que coroa Whiplash é emblemática e provoca um atordoamento no espectador que se prolonga até depois de findada a projeção. A história do jovem e ambicioso baterista de jazz e seu implacável e tirano maestro, retratada nas telas de maneira brilhante por Damien Chazelle, foi a que mais me conquistou em 2015. Mas não foi a única. A sutileza narrativa e honestidade de O Amor É Estranho também me cativou. Até demais. Um lindo filme que acompanha a história de um casal gay que está há quarenta anos juntos, sem recorrer a clichês ou discursos panfletários. O foco é nas relações familiares, nos vínculos afetivos entre os personagens, sempre com um tom intimista e sensibilidade à flor da pele. A interação entre Alfred Molina e John Lithgow, que interpretam o casal, é não apenas convincente como fantástica e os quotes são a cereja no topo do bolo. O diretor Ira Sachs mostrou que não é necessário premissas super elaboradas, narrativas intrincadas ou cenas catárticas para compor ótimo cinema e nos entregou uma das pérolas do ano. Para fechar, A Gangue é o filme ucraniano que chocou muita gente, vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica em Cannes. Talvez, uma das produções mais interessantes e inventivas do ano, bastante denso e violento, impacta pelo grafismo e o realismo com o qual é retratada a violência. Cenas de estupro, aborto e prostituição infantil são mostradas na tela sem pudores ou comedimento. Os atores são todos deficientes auditivos e o filme é falado em língua de sinais, sem narração ou legendas. E isso é bem bacana. Vale muito a pena ver, mas é necessário ter um pouco de sangue frio para digerir algumas cenas. A forma como foi rodado, sendo composto de vários planos-sequência e adotando um tom documental, corroboram a construção de uma atmosfera realista e perturbadora. Este é um atestado definitivo de que o cinema é experimentação na acepção da palavra. A sétima arte continua sendo um espaço infindável de exercícios de linguagem e inovação. E é isso que filmes como A Gangue representam.
A todos os leitores do Bloggallerya: obrigada pela companhia em 2015 e que 2016 seja um ano próspero para todos vocês! Nos vemos lá 😉
Andrizy Bento