Gotham

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Produzida pela Warner Bros em parceria com a DC Entertainment e transmitida pela emissora norte-americana Fox, Gotham, desde o começo, mostrou ser mais uma trama policial centrada no início da carreira de James Gordon, interpretado por Benjamin McKenzie (em ótima forma e mais bem fotografado do que nunca), do que uma adaptação dos quadrinhos de Batman, disposta a ser fiel ao cânone das HQs. A ação ocorre na sombria e decadente cidade de Gotham City, já velha conhecida dos leitores do Homem-Morcego. Aos poucos, a mitologia da cidade vai sendo desenvolvida, e esta se torna cada vez mais caótica, apodrecida e corrupta.

A princípio, alguns elementos me fizeram lembrar a série animada do início da década de 1990, especialmente pelo fato de introduzir os icônicos vilões aos não versados e por contar com a presença do policial Harvey Bullock, frequentemente esquecido em outras adaptações. No entanto, bastaram alguns episódios para que a impressão se dissipasse. A série de desenhos animados é infinitamente superior ao seriado em live-action da Fox.

Até que a produção tem suas qualidades. A cidade natal de Batman é bem representada. O design de produção, ainda que não seja uma Brastemp, evoca com competência o ambiente degradante de Gotham City, algo tão característico dos quadrinhos. A série também investe em violência gráfica sem floreios e não é pudica, deixando claro que não visa à audiência de um público infanto-juvenil.

Mas os defeitos são inúmeros…

Particularmente, tenho sentimentos contraditórios com relação à Gotham. Não amo, tampouco odeio. Meu sentimento fica naquela linha tênue entre a boa vontade e o total desprezo. Meu maior receio era que se tratasse de um procedural. Não é bem um procedural; tem casos da semana, mas, pelo menos, o fio condutor está lá. Sempre encarei Gotham como uma personagem nas histórias do Batman, portanto tive muita expectativa com relação à série. Entretanto, acho que a mitologia da cidade não chega nem perto de ser bem trabalhada. O que mais incomoda é o fato de ser algo tão genérico. A trama e os personagens poderiam ser situados em qualquer outra cidade que não faria a menor diferença. Embora acerte visualmente, não consigo sentir a atmosfera caótica e soturna de Gotham como sinto ao ler as HQs ou ao assistir a qualquer episódio da supracitada série animada do Batman, que tanto fez barulho no início dos anos 1990.

Se mais bem produzida e roteirizada, poderia render uma interessante releitura – uma adaptação diferenciada e divertida das páginas da obra de Bob Kane. Porém, os realizadores não conseguiram definir o tom. Simplesmente, faltou tomar uma decisão importantíssima: qual rumo seguir? Explorar a mitologia de Gotham sendo fiel às páginas das HQs ou jogar completamente para o alto a ideia de adaptação de quadrinhos e adotar uma linha de thriller policial?

Um dos maiores pontos fracos é justamente Bruce Wayne. O jovem ator David Mazouz ainda parece desorientado entre o crybaby que perdeu os pais recentemente (e, sim, há motivos pra ser crybaby) e o garoto que tem sua infância arruinada pelo trauma e se torna duro, austero, severo consigo mesmo. Uma coisa interessante é que ele é um menino curioso atrás de pistas dos crimes que assolam Gotham, procurando qualquer ligação destes com o assassinato de seus pais. Lembrando que Batman é um herói conhecido como um dos mais brilhantes detetives e, neste aspecto, a série já deixa claro que o jovem Wayne está dando os primeiros passos para se tornar, futuramente, o Homem-Morcego.

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Outro que ainda não me conquistou foi o protagonista. O Comissário Gordon sempre foi um dos meus personagens favoritos e gosto do Ben McKenzie no papel, mas, em determinados momentos, o ator aparece no piloto automático. Se tem uma coisa em que a série acerta é no fato de terem finalmente se lembrado do Bullock. Donal Logue está perfeito: sarcástico, cínico, controverso, mas parceiro na medida certa.

Ainda na lista de méritos a serem apontados está a presença de personagens femininas interessantes, expressivas e badass. Desde a pequena Mulher-Gato (Camren Bicondova) até Fish Mooney (Jada Pinkett Smith), uma personagem criada especialmente para a série; passando até mesmo por Barbara (Erin Richards). Há vilãs, anti-heroínas, mocinhas nem tão indefesas, policiais e até chefes de polícia. Tem mulher descendo o braço uma na outra e relacionamentos amorosos entre personagens do sexo feminino.

Barbara é o arquétipo que permeou as histórias de Batman por muito tempo (especialmente nos filmes de Tim Burton). Loira, bela e bombshell. Mas guarda mistérios de um passado que soam até interessantes para a condução de seu plot ao lado de Gordon durante a primeira metade da temporada. Mas não demora muito a se converter em outra trama subaproveitada e repleta de incoerências. É bem provável que, na season 2, sua personagem seja deturpada de vez, como sugerido no primeiro episódio deste novo ano da série.

Falando nisso, um número significativo de episódios da primeira temporada é um desperdício total de dinheiro investido e tempo precioso que os espectadores poderiam utilizar assistindo a séries mais decentes – além de testarem a nossa santa paciência. O plot que envolve o lunático Francis Dulmacher (Colm Feore) e Fish Mooney é um exemplo. Totalmente dispensável e bizarro, rendeu algumas cenas para lá de absurdas. Ok, eu sei que é Gotham e o absurdo faz parte do pacote. Mas tem coisas que dariam vergonha até mesmo a Joel Schumacher.

Não raro, pesam a mão para inserir referências à mitologia contida nas páginas do herói mais melancólico da DC Comics, decerto porque os produtores percebem a vibe de policial genérico da série e então se lembram de retomar o caminho pelo qual deveriam seguir. Ainda no tópico das coisas que são complicadas de engolir, está Alfred Pennyworth (Sean Pertwee). Mesmo que esta versão do mordomo seja inspirada no Alfred de Batman: Terra Um, é difícil de comprar, pois soa tão antinatural… Outro ponto que irrita é o foco demasiado no Pinguim (Robin Lord Taylor). Comecei gostando do ator, mas agora é outro que anda se excedendo. Ele tem certo protagonismo ali porque os fãs adoraram sua interpretação do personagem, mas a série é quase As Crõnicas de Cobblepot. E é estranho que tanto Pinguim quanto Harvey Dent (Nicholas D’Agosto) sejam, assim, tão mais velhos que o Bruce. Harvey e Wayne não tinham praticamente a mesma idade? Pelo visto, o Batman vai lutar contra vilões idosos futuramente…

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Mas nem tente procurar coerência na trama: Ainda no começo da série, Pinguim, que supostamente teria sido morto pelas mãos de Jim Gordon (este, muito nobre e digno, o deixa escapar com a condição de que ele nunca mais torne a pôr os pés em Gotham), não pode levantar suspeitas de que ainda está vivo, mas não se dá muito ao trabalho de se esconder. Continua com a mesma aparência, o mesmo figurino de sempre e aparecendo publicamente para quem quiser ver.

São equívocos demais e qualidade de menos. Fica a esperança de que, na segunda temporada, os produtores valorizem mais o material que têm em mãos. Pois esta, definitivamente, não é a igualmente cativante e abjeta Gotham dos quadrinhos. É somente uma fraca imitação.

A série retornou com episódios inéditos ontem, dia 21 de setembro. O episódio intitulado Damned If You Do… deu início à segunda temporada de Gotham.

Andrizy Bento

6 comentários em “Gotham”

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