Hoje, é no mínimo estranho e curioso saber que Blade Runner foi um fracasso de bilheteria nos Estados Unidos na ocasião de seu lança-mento. Pouco tempo depois, tornou-se um cult, objeto de adoração de uma legião considerável de cinéfilos. Atualmente, é justo vê-lo figurar na lista de clássicos e como um dos cem melhores filmes de todos os tempos.
Também não era de se esperar menos de uma equipe de produção praticamente irretocável como é o caso. Além do diretor Ridley Scott em sua melhor forma, o filme ainda conta com roteiro de David Peoples e Hampton Fancher, fotografia de Jordan Cronenweth, montagem de Terry Rawlings, dentre outros profissionais de prestígio. O resultado não poderia ser outro: visual exuberante, trama bem arquitetada, uma obra plasticamente perfeita, puro cinema de vanguarda. O fracasso comercial talvez se deva mais ao fato de Blade Runner estar disputando, na época, a atenção dos cinéfilos ao lado de monstros como Steven Spielberg que lançava o celebrado E.T. – O Extraterrestre. Também dizem por aí que o trailer passava uma impressão errada de um novo Star Wars. E a verdade é que na década de 1980, o cinema hollywoodiano estava em uma onda de otimismo e aventuras dinâmicas. Blade Runner tem um ritmo mais lento e apresenta um futuro aterrador e sombrio. Uma distopia que não tem nada de feel good movie.
O destaque fica por conta da ambientação: o trabalho de cinematografia aliado a uma bem cuidada direção de arte corroboram a atmosfera de filme noir. O cuidado na composição de cada quadro valoriza o cenário futurista e high-tech em que se desenrola a trama. A mescla de gêneros – policial e cyberpunk – garante uma narrativa minuciosa e inventiva. A montagem, bastante peculiar para um filme do gênero, é justificada por um foco até intimista, mais cerebral e alegórico, que investe mais nos diálogos e no relacionamento entre os personagens, ao invés de recorrer a um ritmo apressado e ação frenética. Porém, não deixa de contar com perseguições e lutas explosivas em momentos bem pontuados.
A trama, baseada na obra de Philip K. Dick, nas mãos do, então, vanguardista e visionário Ridley Scott, apresenta um futuro pós-apocalíptico, no qual foi iniciado um trabalho de colonização em outros planetas diante da constante degradação da humanidade e de todo o Planeta Terra. É neste cenário que a empresa Tyrell Corporation desenvolve os Replicantes – robôs criados à imagem e semelhança do homem, mais fortes, velozes, dotados de inteligência e que são utilizados como mão de obra escrava nas novas colônias. Após um motim em uma dessas colônias, os Replicantes são declarados ilegais na Terra, sob pena de morte.
Quando o filme tem início, o espectador se depara imediatamente com uma Los Angeles futurista, decadente e poluída, açoitada impiedosamente por uma constante chuva ácida e cerceada por enormes edifícios nos quais uma abundância de publicidade é projetada. Claro que ainda há Coca-Cola, além das promessas de uma vida melhor nas colônias espaciais. Em meio a tudo isso, o ex-Blade Runner, Deckard – interpretado por Harrison Ford – precisa voltar à ativa e executar uma última missão: caçar quatro replican-tes que se rebelaram e estão foragidos na Terra, em busca de seu criador. O clima é soturno, precisamente denunciando uma socieda-de falida e corrompida pelo capitalismo selvagem. As propagandas nos arranha-céus funcionam como uma crítica à globalização e alienação. O longa chama a atenção especialmente dos aficionados em quadrinhos, animações japonesas, tecnologia, ficção científica e, obviamente, de todo cinéfilo interessado em uma narrativa inteligente e um visual soberbo.
Todos os personagens são bem trabalhados e inesquecíveis. Harrison Ford é certeiro na composição de seu caçador de androides: durão, charmoso e melancólico. Rachael (Sean Young), uma das personagens mais interessantes que não faz a menor ideia de sua natureza Replicante a princípio, dosa bem sua aparente apatia com momentos de emoção e doçura genuínas. Pris (Daryl Hannah) é apaixonante e, desde o primeiro momento, rouba a cena. Roy (Rutger Hauer) é um antagonista tão carismático (e torturado) quanto o herói, capaz de levar o espectador às lágrimas na última sequência que protagoniza. Isso sem falar no mesquinho e insensível Tyrell (Joe Turkell) e no solitário e ingênuo J. F. Sebastian (William Sanderson).
A paleta de cores caótica, o design de produção, a direção de fotografia, a excelente e memorável trilha sonora a cargo de Vangelis, fizeram desta uma obra magnânima, para a qual não se poupam superlativos. Afinal, Blade Runner está acima de muitas consideradas obras-primas modernas da ficção científica como Matrix.
Importante salientar que Blade Runner não se trata apenas de visual e aparatos tecnológicos. O longa possui um enredo sólido e ainda atual, com propósito, sem se amparar em fórmulas saturadas e maniqueístas. Além disso, o roteiro apresenta alto teor psicológico e é carregado de questionamentos éticos, metafísicos, filosóficos e morais.
Eis um filme que não envelhece. Apesar de, daqui a algum tempo, soar estranho o fato de ser ambientado em 2019, de qualquer forma continuará refletindo questões muito pertinentes. Embora os Replicantes não sejam humanos, o enredo do melhor filme de Scott é focado em questões puramente humanas. O emocionante e antológico monólogo final de Roy – no qual ele divaga sobre a memória e, logo após, surge Gaff (Edward James Olmos) coroando a cena com um “mas afinal, quem vive?” – é só uma das várias provas disso.
Blade Runner alçou um patamar que muito filme do gênero almeja, mas nenhum efetivamente o conquistou, a não ser o próprio: mesmo lançado há três décadas, ainda é moderno, se tornou um celebrado cult, e já é considerado um grande clássico. Quantos outros filmes podem ser classificados dessa maneira?
Graças ao excelente projeto Clássicos Cinemark, tive a oportunidade de conferi-lo na telona, restaurado e com o final do diretor. Mas, para quem não teve essa oportunidade, aconselho a ver o filme, de preferência em Blu-ray. De fato, a qualidade aprimorada do BD dá a impressão de que esse icônico filme foi feito ontem e não em 1982.
Andrizy Bento
O filme foi um fracasso na época porque nem todos entender, até os dias de hoje, a premissa do filme. A seu viés filosófico. Muitos vão em buscas de apenas efeitos especiais e ações…. e se decepcionam.