Meu problema com contos de fadas data de muito tempo. Sempre achei suas lições deveras distorcidas. Contos de fadas nunca tiveram meu apreço. Desde criança, preferia super-heróis e super-heroínas a príncipes e princesas. Creio que a única coisa referente a esse universo que desperta meu interesse seja o fato de possuírem origens adultas, soturnas e macabras – em sua era pré-Disney. E até mesmo pré-Irmãos Grimm. Pois é. Mas como para toda regra há exceção, a minha é A Bela e a Fera. No entanto, devo salientar: não gosto da versão de A Bela e a Fera produzida pela Disney. Na verdade, não gosto de nenhuma das adaptações da Disney para os contos de fadas. Minhas mais sinceras desculpas, leitores! Minha adaptação favorita do conto é La Belle et la Bête, um longa francês de 1946, dirigido por Jean Cocteau e René Clément. Um dos filmes mais belos do mundo, indispensável na lista de favoritos de todo e qualquer cinéfilo que se preze.
Cinderela já teve inúmeras releituras, inclusive várias moderninhas protagonizadas por cantoras pop como Brandy (Cinderella, telefilme de 1997), Hilary Duff (A Nova Cinderela, 2003) e Selena Gomez (Outro Conto da Nova Cinderela, 2008). A que eu mais gosto é Ever After: A Cinderella Story, que no Brasil recebeu o título Para Sempre Cinderela, estrelada por Drew Barrymore. E talvez o fato de esse ser mais calcado no realismo, ter Leonardo Da Vinci como fada-madrinha (inesperado, no mínimo), contar com uma Cinderela forte, inteligente e destemida, além de um enredo envolvente, tenha prejudicado todas as outras versões da história para mim. Inclusive esta de 2015, dirigida por Kenneth Branagh (Thor) e roteirizada por Chris Weitz (A Saga Crepúsculo: Lua Nova).
Cinderela é um filme bonito, bem elencado e que encanta os românticos de plantão e pessoas mais facilmente impressionáveis. Mas não é nada mais do que isso. O longa é visualmente notável (embora peque pelo excesso em determinados momentos), com um roteiro bem pouco audacioso, muitas vezes redundante, apressado e que tinha tudo para ser aproveitado e desenvolvido de maneira mais satisfatória. A introdução, por exemplo, se prolonga demasiadamente, de modo que o encontro de Ella (Lily James) com o príncipe (Richard Madden), bem como sua transformação de gata borralheira à princesa, são rápidos demais. Sem falar no baile, ponto alto da história, que passa voando. Neste aspecto, a montagem talvez seja o item que mais conte pontos contra o filme.
Falando no baile, este é bem decepcionante por conta da decisão equivocada de focar exclusivamente em Ella quando esta chega ao baile. Carecia de mais surpresa, de mostrar a multidão extasiada ante a sua entrada triunfal e apoteótica no salão. Sentida ausência, especialmente, de uma reação mais apropriada do príncipe que não parece, assim, tão deslumbrado como deveria diante da visão ‘esplendorosa’ da moça mais linda da festa.
As perguntas de Ella durante a sua transformação em princesa chegam próximas de irritar. Ela precisava realmente repetir tudo o que a Fada Madrinha (Helena Bonham Carter, ótima!) lhe diz, em tom de assombro? Outro ponto em que o filme falha bastante é no humor. São desastrosas as tentativas (a maioria delas, pelo menos) de arrancar risadas do espectador, acertando muito raramente no timing cômico. Incomoda também a trilha sonora mal pontuada; os temas musicais insistem em entrar nos momentos errados. Sem falar em um dos males recorrentes de produções hollywoodianas atuais: a tal da frase edificante repetida exaustivamente durante o longa. Tenha coragem e seja gentil… A partir da quinta vez em que a sentença é proferida, o bocejo se torna inevitável a cada nova repetição.
Kenneth Branagh tenta o máximo que pode conduzir a narrativa de uma forma leve, divertida e despretensiosa, mas a mão pesada do roteirista Chris Weitz (algo característico dele), com suas tentativas forçadas de sensibilizar o público e exagerar na dosagem de ternura, não ajudam o cineasta a encontrar um tom adequado. De modo que, em diversos momentos, o filme soa extremamente infantil, ainda que sua intenção seja agradar plateias variadas.
Se há méritos, estes são, em sua maioria, do elenco. Lily James é bonita, está bem fotografada e tem boa presença de cena. Mesmo que sua bondade, douçura e ingenuidade sejam meio enervantes. De qualquer modo, ela é convincente. O mesmo pode se dizer do príncipe, bem representado por Robb Stark… Isto é, Richard Madden, que faz exatamente o que o roteiro pede dele. Destaque para Cate Blanchett, na pele da madrasta má, e suas filhas, vividas por Holliday Grainger e Sophie McShera. Caricaturais sem pudores, se divertindo muito em seus respectivos papéis e responsáveis por alguns dos raros momentos genuinamente engraçados da produção.
A versão realista do conto, Para Sempre Cinderela, tinha mais consistência, um desenvolvimento melhor, uma fluência narrativa digna de nota e tratava-se de uma obra cinematográfica infinitamente mais cativante. Esta, que se assume descaradamente como fantasia com toques expressivos de romance água-com-açucar, até cumpre o que promete. Entretanto, poderia ser muito melhor do que isso. Superficial, mas bonitinho, não deve demorar a se consagrar como um clássico contemporâneo da Sessão da Tarde.
Andrizy Bento
Uma consideração sobre “Cinderela”