– (…) Nossa meta é ir tomando os distritos um a um, deixando o Distrito 2 para o fim. Assim, cortamos a linha fornecimento da Capital. Então, quando ela estiver enfraquecida, invadimos a própria Capital – diz Plutarch. – Isso vai ser um tipo de desafio completamente diferente. Mas vamos superar esse obstáculo quando o momento chegar.
– Se vencermos, quem vai ficar no governo? – pergunta Gale.
– Todos – diz Plutarch a ele. – Vamos formar uma república em que as pessoas de cada distrito e da Capital vão poder eleger seus próprios representantes para serem suas vozes num governo centralizado. Não olhem com essa desconfiança toda; já funcionou antes.
– Nos livros – murmura Haymitch.
– Nos livros de história – diz Plutarch. – E se nossos ancestrais conseguiam, então também vamos conseguir.
Francamente, nossos ancestrais não parecem merecer esse respaldo todo. Enfim, olha o estado em que nos deixaram, com as guerras e o planeta destroçado. Visivelmente não davam a mínima para o que poderia vir a acontecer com as pessoas que viveriam depois deles. Mas essa ideia de república soa como um aprimoramento, tendo em vista o nosso governo atual.
(A Esperança – pgs. 96/97)
Katniss Everdeen não só é uma garota quente como também uma garota esperta.
E a autora da trilogia Jogos Vorazes, Suzanne Collins, não só sabe que está apresentando ao leitor um entretenimento de qualidade, repleto de personagens cativantes, como aproveita para se aprofundar nas questões políticas que fundamentam o enredo e dessa forma constrói uma alegoria convincente da desigualdade social, opressão dos povos e centralização do governo. Temas abordados de modo inteligente no contexto de um YA Lit pela autora, que vê na rebelião e na luta dos povos dos Distritos, essencialmente, mais do que qualquer outra coisa, o desprendimento de seu grito há tanto sufocado de liberdade.
Após o impactante desfecho de Em Chamas, no qual sobreviveu ao Massacre Quaternário e foi resgatada de uma arena cujo principal objetivo era destruí-la, Katniss se depara com uma nova realidade. O Distrito 13 – que acreditava-se ter sido dizimado no passado durante a primeira rebelião – ainda existe no subterrâneo, independente da Capital e sob o rigoroso comando da Presidente Coin. A superfície em ruínas que aparecia nas transmissões televisivas servia como um lembrete do que um levante contra a Capital poderia ocasionar. Assim sendo, não passava de pura encenação. O Distrito 12 em que ela vivia, porém, foi bombardeado após seu último e surpreendente ato na arena. Os poucos sobreviventes encontraram refúgio e abrigo no 13. Os rebeldes do lendário Distrito, por sua vez, dedicam-se a organizar uma resistência. Contudo, necessitam que Katniss assuma seu lugar como o Tordo, o símbolo da revolução. O desafio é convencê-la, uma vez que a garota se mostra relutante devido ao fato de Peeta – seu parceiro de Distrito e interesse amoroso – não ter sido salvo da arena e, dessa maneira, capturado pela Capital. Ela teme pela vida do garoto estando sob o domínio do Presidente Snow e tudo o que almeja é resgatá-lo, mas também não está segura de que sua vida tenha sido poupada. Além disso, Katniss se sente culpada pela destruição de seu Distrito e pelas milhares de vidas sacrificadas desde que ela passou a ser vista como um símbolo de rebelião. Pressionada pela líder do Distrito 13, a Presidente Coin, ela não tem muita escolha a não ser lutar e dar início a uma nova guerra. Agora as duas edições dos Jogos Vorazes que Katniss participou parecem brincadeira de criança. Os verdadeiros Jogos vão, enfim, começar.
Os Distritos agem depois de servirem de marionetes para a Capital durante tantos anos. Eles se rebelam contra o regime totalitário e passam a lutar pelo seu direito de liberdade e por uma sociedade democrática. Como dizia o inescrupuloso Presidente Snow, bastava uma fagulha para acender as chamas da revolução. Katniss Everdeen, uma garota de 17 anos – e uma das melhores heroínas dessa geração de títulos YA Lit – representa essa fagulha mesmo sem querer. Mesmo que, com todas as suas atitudes, tudo o que desejava era manter as pessoas que amava protegidas e em segurança. Mesmo que ela pensasse muito pouco acerca de desafiar a Capital a princípio. Ela é guiada pelas suas emoções, pelo poderoso sentimento de proteção em relação àqueles que ama. E foi apenas isso que a moveu durante toda a trama.
Neste cenário de revolução iminente e inevitável, Collins continua fazendo um excelente trabalho no que concerne ao desenvolvimento de personagens, especialmente ao explorar a dualidade de figuras com as quais já nos acostumamos e que nos surpreendem – para o bem e para o mal – com suas ações. Tanto Peeta quanto Gale (as duas pontas do famigerado triângulo amoroso) agem de maneira questionável, consciente ou inconscientemente. A autora também se aprofunda em outros personagens como Finnick que mostra uma faceta dramática interessante e justifica totalmente o seu desejo de lutar contra e destruir a Capital. O acréscimo de uma personagem como a Presidente Coin é mais do que bem-vindo, uma vez que sua figura ambígua ajuda a dar um novo fôlego para a trama.
O terceiro volume desta densa e trágica trilogia é certamente o mais melancólico de todos. Sabemos que em uma guerra há sempre baixas de um lado e de outro. E temos consciência de que nossos personagens favoritos podem morrer a qualquer momento. O que de fato acontece. E infelizmente em passagens e circunstâncias até inesperadas.
Assim como nos volumes anteriores, Katniss protagoniza um momento decisivo – está em suas mãos escolher qual será o futuro de Panem. E mais uma vez deixa o leitor boquiaberto e surpreso. O epílogo talvez seja o ponto fraco e um soco no estômago para quem esperava um happy ending (algo que, convenhamos, não seria possível quando olhamos em retrospecto para a jornada dos personagens) e, ao final dessa cruel e fantástica aventura, temos uma certeza, a de que toda a luta aconteceu por um único motivo: Prim. E talvez por isso mesmo, sem soltar spoiler, é que o fim seja um tanto decepcionante. Mas nada que tire os méritos e genialidade de Collins que construiu uma distopia bem fundamentada, um universo alegórico interessante e extremamente criativo (ainda que não totalmente inovador). Jogos Vorazes é, sem dúvida, uma das melhores trilogias literárias dos últimos tempos.
Andrizy Bento
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